sexta-feira, 24 de setembro de 2021

A cidade que pegou fogo em apenas 15 minutos no mesmo dia em que o Canadá registrou quase 50°C





Fumaça em Lytton, no oeste do Canadá, no dia seguinte a incêndio que consumiu quase toda a cidade, em 30 de junho de 2021

CRÉDITO,REUTERS

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Fumaça em Lytton, no oeste do Canadá, no dia seguinte a incêndio que consumiu quase toda a cidade, em 30 de junho de 2021

Bastaram 15 minutos para que Lytton pegasse fogo por completo.

Era o final do mês de junho, verão no hemisfério Norte, e a pequena comunidade no Estado da Colúmbia Britânica já estava no noticiário de todo o país, por registrar a temperatura mais alta já vista no Canadá: 49,6°C.

A moradora Meriel Barber lembra como o clima estava "quente demais para se descrever".

"Eu comecei a levantar da cama às 4h da manhã para fazer coisas fora de casa, porque era impossível fazê-las no meio do dia", ela conta.

Muita gente evitava sair às ruas por causa do calor, e Lytton ficou ainda mais calma do que se costume.


Apenas 250 pessoas moram na pequena vila, e as reservas indígenas ao seu redor abrigavam mais mil moradores. A pitoresca comunidade é localizada a 260 km ao noroeste de Vancouver, no ponto de encontro de dois rios, o Thompson e o Fraser.

Moradores descrevem o local como uma comunidade de laços próximos, imersa na história indígena. Era um lugar onde "todo mundo conhece todo mundo", nas palavras de um deles.

Barber se mudara para lá havia uma década, e imediatamente se sentiu em casa.

"Encontrei um lugar onde me senti bem-vinda de muitas formas", lembra. "Chamo-as (pessoas vizinhas) de família."

No dia do incêndio, em 30 de junho, Barber estava focada em voltar para casa depois do trabalho quando viu uma chamas e fumaça vindo da cidade.

Incêndios são comuns nos verões da Colúmbia Britânica, então Barber não deu muita atenção, achando que as chamas logo seriam controladas.

Mas, depois de devolver seu veículo de trabalho e regressar à cidade, viu um carro de bombeiros passar disparando seu alarme e bloqueando a estrada. Um dos bombeiros lhe avisou que Lytton estava pegando fogo.

Meriel Barber

CRÉDITO,MERIEL BARBER

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Meriel Barber, moradora de Lytton há uma década, perdeu quase tudo no incêndio - inclusive recordações de seu filho, já falecido

"Eu olhava para ele mas não conseguia entender o que ele dizia. Eu havia visto o fogo no caminho e não estava por todos os lados, estava em um só lugar", ela conta.

No acostamento da estrada ao lado de outros moradores, Barber conseguiu fazer dois telefonemas antes que os celulares deixassem de funcionar. O primeiro foi para saber se alguns amigos idosos dela estavam em segurança. O segundo era para pedir que seu senhorio pegasse seu gato, dentro de casa - ela o havia trancado lá dentro para protegê-lo do calor externo.

Nas seis horas seguintes, ela esperou por notícias enquanto assistia a sua cidade incendiar.

Nesse intervalo, a moradora N'kixw'stn James, que passou a vida em Lytton, estava finalizando seu banho e assistindo TV quando um homem entrou em sua casa gritando: "você precisa sair daqui. Lytton está pegando fogo".

James, de 76 anos, correu para o quarto e trocou seu pijama por roupas. Pegou uma sacola com itens para o caso de uma evacuação, agarrou sua bolsa, chaves do carro e celular, enquanto homem gritava para que ela saísse.

"Quando pisei fora de casa, vi uma tempestade de cinzas quentes", ela recorda.

Ela correu para dentro do carro, e o volante estava tão quente que queimou sua mão.

"Comecei a dirigir para longe da minha casa. Passados alguns metros, ouvi uma explosão. Meu tanque de gás propano havia explodido."

James seguiu dirigindo, tentando encontrar algum caminho seguro em meio à fumaça que bloqueava sua visão. Quando se abrigou, recebeu ajuda de uma enfermeira, que cuidou de seus braços, pernas e rosto - todos queimados pelas cinzas.

Incêndio em Lytton

CRÉDITO,NONIE MCCANN

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Incêndio devastou Lytton em questão de minutos; caso virou tema de campanha nas eleições canadenses

Do outro lado do rio Fraser, Nonie McCann assistia à devastação.

Ela havia recebido um telefonema de um vizinho por volta das 17h, perguntando se ela sabia de onde vinha a fumaça nos arredores de Lytton. Daí soube que a cidade estava em chamas, e um amigo lhe perguntou se ela e seu marido conseguiriam ajudar, erguendo uma espécie de estação de bombeamento de água.

"Ficamos devastados ao ver as casas inteiras sendo engolidas pelo fogo", lembra. "Eram casas de pessoas que conhecíamos. Não tivemos sorte em começar a bombear água, e a fumaça era muito intensa. Então tivemos que voltar."

Ela diz que vivenciou uma onda de emoções: "o horror absoluto diante do que eu estava vendo, imensa dor pela perda catastrófica, e preocupação, torcendo para que todos tivessem conseguido escapar em segurança".

Sem conseguir ajudar, ela sentou e assistiu de sua margem do rio enquanto "edificação atrás de edificação era levada pelas chamas" e helicópteros jogavam água.

O mais difícil, diz ela, era não conseguir se comunicar com as pessoas.

em outras partes da Colúmbia Britânica, parentes de moradores de Lytton também esperavam ansiosamente por notícias.

Verna Miller soube do incêndio por seu marido, que havia assistido a tragédia pela TV.

O casal se conhecera em Lytton, e a irmã mais velha de Miller ainda morava na cidade. Uma prima que morava a 30 minutos de distância correu para a cidade para ajudá-la.

Quando a prima chegou, a irmã de Miller ainda não sabia que o incêndio estava devastando sua comunidade.

Ambas conseguiram sair a tempo de escapar do fogo que destruiu a casa e tudo lá dentro.

De volta ao acostamento da rodovia onde Meriel Barber aguardava, ela conseguiu que amigos a abrigassem em uma casa que havia sobrevivido ao fogo.

Ela passou os dias seguintes ali, sem acesso a água potável ou eletricidade, e usou um fogão de propano para cozinhar.

Ela soube, então, que sua casa havia sucumbido ao incêndio, com seu gato dentro.

90% da cidade foi destruída

Segundo Brad Vis, membro do Parlamento local, toda a tragédia se desenrolou em apenas 15 minutos de incêndio. No total, cerca de 90% da cidade foi destruída, e muitas das reservas de mata ao seu redor foram completamente queimadas.

Um casal idoso morreu.

Vis diz que se tratou de "uma situação sem precedentes - mesmo nesta nossa parte do mundo, onde incêndios ocorrem anualmente".

"Alguns dos socorristas com quem falei me disseram que nunca tinham visto uma comunidade incendiar por inteiro como aconteceu em Lytton".

O caso se tornou emblemático em meio a um verão de ondas de calor mortais e outros incêndios, colocando as mudanças climáticas no topo dos debates da eleição canadense desta segunda-feira (20/9), convocada pelo premiê liberal Justin Trudeau na tentativa de assegurar uma maioria no Parlamento - estratégia que pode fracassar, uma vez que seu partido enfrenta uma disputa acirrada com os conservadores.

Na campanha, candidatos diversos usaram a tragédia de Lytton como uma advertência sobre os efeitos do aquecimento global, enquanto as origens exatas do incêndio ainda são investigadas.

"O custo da inação (contra as mudanças climáticas) foi que uma cidade inteira acabou destruída por um incêndio florestal", argumentou Jagmeet Singh, líder do partido social-democrata NDP.

Destroços do incêndio em Lytton

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Destroços do incêndio em Lytton, uma comunidade pequena e descrita como próxima e hospitaleira

Ondas de calor estão se tornando mais comuns e extremas por causa das mudanças climáticas induzidas pelo comportamento humano, e esse tempo quente e seco favorece incêndios.

O mundo já esquentou cerca de 1,2°C desde que começou a era industrial, e as temperaturas continuarão a subir se governos ao redor do mundo não fizerem cortes drásticos nas emissões de gases poluentes.

Em Lytton, a comunidade deslocada agora tenta se reerguer - inclusive tentando fazer a nova vila mais resistente a incêndios e outros desastres naturais, e menos dependente em fontes externas de energia.

"Esta [e uma oportunidade rara de criar uma comunidade com uma visão para o futuro: levando em conta eventos climáticos extremos, trabalhando em colaboração com povos indígenas e não indígenas", argumenta Nonie McCann.

"Haverá enormes lutas e dificuldades a superar, mas, passo a passo, dia após dia, vamos celebrar nossa comunidade novamente."

Meriel Barber, enquanto isso, está vivendo dentro de sua van. Ela conseguiu recuperar alguns itens dos destroços de sua casa - uma escultura, sua caixa de joias e um pequeno trailer -, mas quase todo o restante foi reduzido a cinzas.

"Tenho um filho que já morreu, e todas as recordações que eu havia guardado dele, (junto com) uma adorada colcha feita pela minha mãe e mais trabalhos artísticos feitos por mim ou por outras pessoas, tudo eu havia guardado com tanto cuidado ao longo dos anos - tudo isso se foi e não pode ser substituído", ela lamenta.

Mas, apesar das "camadas de luto" vivenciadas com o incêndio, ela diz que, junto com a comunidade, está pensando no futuro.

"O lema é 'Lytton forte' e estamos olhando para a frente."

  • Alice Cuddy
  • BBC News
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Uso de máscara continua obrigatório em Pernambuco




O secretário de Saúde de Pernambuco, André Longo, foi questionado, durante coletiva de imprensa realizada na tarde desta quinta-feira (23), sobre a possibilidade de o Governo do Estado desobrigar o uso de máscaras em ambientes externos. 

Segundo ele, é necessário ter cerca de 80% a 90% da população pernambucana com o esquema vacinal completo, ou seja, com as duas doses, para que sejam iniciadas as discussões sobre o assunto.

“A gente considera muito cedo estar falando em abdicar do uso da máscara. Precisamos atingir percentuais de vacinação bem mais expressivos. Os países que estão fazendo isso de forma responsável, no caso de Portugal, por exemplo, estão com 80% da população vacinada com as duas doses”, disse o titular da Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE).

A expectativa, de acordo com ele, é que toda a população adulta (maior de 18 anos) tenha acesso à segunda dose do esquema vacinal até o fim de novembro. Já os adolescentes devem estar ainda em processo de imunização durante o mês de dezembro.

De acordo com André Longo, Pernambuco tem, no momento, cerca de 39% da população elegível para vacinação contra a Covid-19 imunizada com as duas doses.

“A população elegível tem mudado ao longo da campanha de vacinação. Inicialmente, só contava a população acima de 18 anos. Quando você pega esse recorte, Pernambuco tem algo em torno de 45% da população com a vacinação completa. Quando começou a vacinar os adolescentes, acrescentou quase um milhão de pernambucanos nessa conta. Aí o percentual cai para em torno de 39%. Esse número (de vacinados) tem crescido, mas é preciso calcular a população elegível a partir dos avanços na campanha.”

Ainda durante a entrevista, ele afirmou que os indicadores da pandemia em Pernambuco seguem em patamares positivos, apesar de o número de casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) estar  crescente há três semanas. 

"O índice de positividade para a Covid-19 dentro desses casos de SRAG não tem apresentado aumento, o que reforça apenas a circulação de outros vírus respiratórios que também podem causar quadros graves", explicou o secretário, informando que, no momento, em torno de 400 pacientes estão internados em leitos de UTI para SRAG na rede pública do Estado.  

Com Informações de Folha de Pernambuco
Professor Edgar Bom Jardim - PE

terça-feira, 21 de setembro de 2021

Brasil está em 57º lugar no ranking mundial de inovação




Em ranking divulgado nesta segunda-feira (20) pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), o Brasil ocupa a 57ª posição no Índice Global de Inovação (IGI) entre 132 países. O país subiu cinco posições em relação ao ano passado, mas está 11 posições atrás de sua melhor colocação, 47º, alcançada em 2011. A classificação começou a ser publicada anualmente em 2007.

As principais fraquezas do país apontadas no ranking são Formação bruta de capital, Facilidade para abrir uma empresa, Facilidade para obtenção de crédito e Taxa tarifária aplicada. Os maiores avanços do Brasil em relação aos dados de 2020 se deram nos indicadores de Crescimento da produtividade no trabalho e de Gastos totais com software.


Na avaliação da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a colocação brasileira é incompatível com o fato de o país ser a 12ª maior economia do planeta, em 2020, e com a realidade de ter um setor empresarial sofisticado. Para o presidente da entidade, Robson Andrade, os investimentos em ciência, tecnologia e inovação são fundamentais para a competitividade do país no cenário internacional.

“Uma estratégia nacional ambiciosa, que priorize o desenvolvimento científico, tecnológico e a inovação para o fortalecimento da indústria, tornará a economia mais dinâmica, promovendo maior equidade e bem-estar social”, afirmou.

O IGI é um dos principais instrumentos de referência para dirigentes empresariais, formuladores de políticas públicas e aos que buscam conhecimentos sobre a inovação no mundo. As diferentes métricas do ranking podem ser usadas para monitorar o desempenho de um país, comparando-o com economias da mesma região ou mesmo grupo de renda.

Professor Edgar Bom Jardim - PE

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segunda-feira, 20 de setembro de 2021

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Sharia: o que é a lei islâmica que o Talebã quer aplicar no Afeganistão?


História: Política Internacional Contemporânea


Mulheres estudantes usando vestimenta que cobre o corpo todo na Síria, em 2014

CRÉDITO,REUTERS

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A Sharia determina que homens e mulheres devem se vestir com 'modéstia'; o que isso significa na prática varia de país para país

Diante da preocupação internacional com a situação das mulheres no Afeganistão após o Talebã assumir o controle do país, um porta-voz do grupo fundamentalista disse que eles estão "comprometidos com os direitos das mulheres sob a Sharia (a lei islâmica)".

Mas o que isso quer dizer?

A Sharia é o sistema jurídico do Islã. É um conjunto de normas derivado de orientações do Corão, falas e condutas do profeta Maomé e jurisprudência das fatwas - pronunciamentos legais de estudiosos do Islã. Em uma tradução literal, Sharia significa "o caminho claro para a água".

A Sharia serve como diretriz para a vida que todos os muçulmanos deveriam seguir. Elas incluem orações diárias, jejum e doações para os pobres.

O código tem disposições sobre todos os aspectos da vida cotidiana, incluindo direito de família, negócios e finanças.


A lei determina que homens e mulheres precisam se vestir "com modéstia". O que isso quer dizer na prática pode variar muito, mas em geral significa que as mulheres precisam cobrir no mínimo os cabelos. É comum que os espaços sejam separados por gênero.

A lei também pode conter punições severas. O roubo, por exemplo, pode ser punido com a amputação da mão do condenado. O adultério pode levar à pena de morte - por apedrejamento.

A Organização das Nações Unidas (ONU) condena esse tipo de punição e afirma que apedrejamentos são um tipo de "tortura', um tratamento "cruel, desumano e degradante, e portanto claramente proibidos".

No entanto, a rigidez da Sharia e a forma como ela é aplicada pode variar ao redor do mundo.

Nem todos os países muçulmanos adotam esse tipo de punição e pesquisas indicaram que a opinião dos religiosos quanto a elas varia bastante ao redor do mundo.

Tariq Ramadan, um estudioso muçulmano na Europa, advoga pelo fim dos castigos corporais no mundo islâmico, argumentando que as situações sociais em que eles foram criados já não existem mais.

Uma mulher lê uma cópia do Corão

CRÉDITO,AFP

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A Sharia tem diretrizes para todos os aspectos da vida dos muçulmanos

As várias faces da Sharia

Existem muitas versões da Sharia e sua aplicação varia enormemente no mundo islâmico.

Ela pode tanto ser a base do sistema de Justiça em países islâmicos onde o Estado não é laico - onde o Corão praticamente se torna a Constituição - quanto servir apenas de orientação para ações privadas de muçulmanos em países laicos.

Por exemplo, um muçulmano que vive no Reino Unido e está na dúvida do que fazer se um colega o convida para um bar após o trabalho pode procurar um estudioso da Sharia. Ele então receberá conselhos que garantam que seus atos estão dentro do permitido pela sua religião.

No entanto algumas atitudes permitidas pela Sharia não podem ser aplicadas por cidadãos privados em países laicos por serem ilegais nesses locais.

Alguns países não-laicos, como a Arábia Saudita, por exemplo, aplicam uma forma rígida e punitiva da lei, onde homicídio e tráfico de drogas podem ser punidos com morte e onde adúlteros podem ser apedrejados.

Já na Malásia, há muitas pessoas que não são muçulmanas e as dinâmicas sociais e econômicas são diferentes, então há uma interpretação completamente diferente da lei.

Homem e mulher chegam a um tribunal em Sokoto, Nigeria, em 2002

CRÉDITO,AFP

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Muitos países não-árabes com população muçulmana têm Tribunais da Sharia; é o caso da Nigéria

Como será a aplicação da Sharia pelo Talebã no Afeganistão?

A única referência para entender como será o regime são os cinco anos nos quais o Talebã governou o país entre 1996 e 2001, quando foi retirado do poder por uma junta militar liderada pelos Estados Unidos.

Nesse período de cinco anos, a interpretação da Sharia que estava em vigor no país era uma das mais rígidas e violentas do mundo.

O país tinha execuções públicas, apedrejamentos, amputações e punições com chicotadas.

Gangues paramilitares circulavam nas ruas, atacando homens que mostravam os tornozelos ou usavam qualquer tipo de roupa ocidental.

Homens eram obrigados a deixar a barba crescer e as mulheres só se aventuravam a sair se tivessem permissão por escrito dos homens. Elas não podiam trabalhar ou estudar e precisavam usar a burca, uma vestimenta que as cobria completamente.

O Talebã já afirmou que vai aplicar a Sharia nessa segunda tomada de poder, o que levou ao desespero de mulheres afegãs.

Mesquita durante oração em Bandar Seri Begawan

CRÉDITO,REUTERS

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A Sharia é derivada do Corão, de decisões de estudiosos islâmicos e das falas de Maomé

Militantes do grupo fundamentalista afirmaram à BBC que estão determinados a impor novamente sua versão da Sharia, incluindo apedrejamento por adultério e amputação de membros por roubo.

Um porta-voz do Talebã afirmou que os militantes respeitarão os direitos das mulheres e da imprensa, mas não se sabe exatamente se essa promessa será colocada em prática. Ele disse que as mulheres poderão sair de casa sozinhas e continuarão a ter acesso à educação e ao trabalho, mas terão que usar o hijab (véu islâmico).

Algumas das mulheres conseguiram fugir de áreas controladas pelo Talebã disseram que os militantes exigiam que as famílias entregassem meninas e mulheres solteiras para se tornarem esposas de seus combatentes.

Muzhda, de 35 anos, uma mulher solteira que fugiu com suas duas irmãs de Parwan para Cabul antes dos fundamentalistas tomarem a cidade, disse que tiraria a própria vida em vez de permitir que o Talebã a obrigasse a se casar.

"Estou chorando dia e noite", disse ela à agência de notícias AFP. Não se sabe se Muzhda conseguiu sair do país antes dos fundamentalistas tomarem a capital.


sábado, 18 de setembro de 2021

Nita Freire: "Quem tem a utopia de construir um mundo melhor está com Paulo Freire"



Viúva do educador reflete sobre o legado do autor e compartilha sua visão sobre a imagem de Freire nos dias de hoje


Crédito: Divulgação/Editora Paz&Terra

Para Paulo Freire, não podemos falar de Educação se não falarmos de amor. Sua amorosidade é um dos aspectos que educadores apontam como seus grandes legados. Ainda que a referência seja a um amor mais amplo, vale lançar um olhar aos dois grandes amores vivenciados pelo educador: sua primeira esposa Elza Maia da Costa Oliveira, falecida em 1986 e com quem viveu por 42 anos, e Ana Maria Araújo Freire, mais conhecida como Nita Freire, com quem dividiu a vida entre 1987 e 1997, e que continua viva e cuidando de seu legado. 

Nita e Paulo Freire se conheceram quando ela ainda não tinha completado 5 anos. Freire estudou no Colégio Oswaldo Cruz, no Recife (PE), que pertencia ao pai de Nita. Por isso, ela o conheceu ainda quando o educador era estudante de Ensino Médio. Mesmo após formado, ele permaneceu próximo à família. “Ele teve uma gratidão enorme ao meu pai, porque sem ele Paulo não teria estudado”, afirma a educadora em entrevista à NOVA ESCOLA. Eles mantiveram uma relação de amizade durante muitos anos, com Freire sendo, inclusive, professor de Nita durante a pós-graduação. Foi apenas em 1987, quando os dois ficaram viúvos, que eles se reaproximaram e deram início a um relacionamento amoroso. Eles casaram-se em 1988.   

O cotidiano do casal foi compartilhado por ambos em Nós dois: crônicas, fotografias e cartas de amor. Após a morte do educador, Nita também escreveu sobre o relacionamento no livro Nita e Paulo: crônicas de amor. “Passados alguns anos da perda de Paulo, a saudade é mais amena, não é mais a saudade que quase me impossibilitou de viver. Entretanto, ela permanece em mim como um sentimento que dá sentido à minha vida [...] Foi muito fácil de viver ao lado dele cheio de ternura e amor a dar, de bom humor menino, de sua simplicidade mesmo como um homem conhecido no mundo e de sua aceitação de como eu era. [...] Experimentei a forma mais profunda e mais plena possível do amor. Do amor de gente como Paulo", registra Nita no seu livro Paulo Freire: uma história de vida.

“Com Paulo eu vivi muitos dos momentos mais importantes de minha vida afetiva, amorosa e profissional, pois não fui e nem poderia ser simplesmente a 'mulher de Paulo Freire'. Assim prossegui meus estudos”, afirma Nita na biografia. Formada em Pedagogia e professora universitária, durante o seu relacionamento com Freire, ela concluiu a tese de mestrado e de doutorado pesquisando o analfabetismo no Brasil. Atualmente, como sua sucessora legal, a educadora dedica-se à organização, publicação e divulgação da obra de Freire. 

Por isso, próximo ao centenário do educador, Nita, que em novembro completará 88 anos, aceitou conversar com NOVA ESCOLA sobre a própria trajetória como educadora e sua visão do legado de Freire. Confira os destaques da conversa: 

NOVA ESCOLA: A senhora primeiro pausou os estudos e, já com os filhos mais velhos, retornou à universidade. Por que escolheu a Pedagogia?
NITA FREIRE: Eu tinha feito alguns anos de Engenharia. Depois eu me casei, vim morar em São Paulo e não tinha como transferir [o curso]. Então, fiquei cuidando do lar, dos meus filhos e ajudando o marido. Chegou um tempo em que a vida foi se tornando muito monótona, mecânica e pouco desafiante. 

Então, eu tive a necessidade de voltar para o mundo dos estudos. Como sou filha de educadores, a minha vida sempre foi em torno de professores. [Eu pensei]: o que eu faço melhor na minha vida, que vai ser mais interessante e fascinante para mim, é voltar para a área de Educação. Fiz vestibular e voltei [a estudar quando tinha] 40 ou 42 anos.

Como foi sua experiência como professora?
Quando terminei a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Moema [em São Paulo], fui chamada para dar aula em alguns colégios. No ano seguinte, fui convidada para voltar à Faculdade como professora. Foi um desafio muito grande, mas me dediquei muito e segui minha vida como educadora. Era professora efetiva na Faculdade [de Moema], depois eu também dei aula na Faculdade São Marcos e na Pontifícia Universidade Católica [de São Paulo]. Quando casei com Paulo [Freire], optei por deixar de trabalhar por uma série de razões. 

Quando era jovem [na época que fazia Engenharia] também dei aula de Matemática e de História no Colégio do meu pai para o curso de quem ia fazer o exame de admissão para ingressar no Ensino Médio. A História do Brasil sempre foi algo que me atraiu, [acredito] que quem não estudou História, hoje sente dificuldade de entender [o que acontece no país]. 

Na próxima semana, comemoramos o centenário do Paulo Freire. Qual é hoje o maior legado dele na Educação? 
Nunca foi tão necessário e tão procurado o pensamento de Paulo. É impressionante. Estou catalogando, com ajuda de ex-alunos doutores, todas as manifestações de tributo a Paulo. Só esse número de homenagens que estão sendo feitas mostra a importância dele nos dias de hoje. Ele está sendo um parâmetro de decência, de honestidade, de ética, de política para o bem das pessoas. É um pensamento que vai perdurar por muitos anos. Paulo se preocupa com as condições de humanidade dos seres humanos. Ele quer conscientizar [os oprimidos] da realidade para que possam se inserir na sociedade e possam interferir. 


Apesar de muitos anos terem se passado, as obras do autor continuam sendo muito atuais. Por que?
Hoje se discute abertamente, se mostra o interesse que se tem, a importância que tem Paulo com suas ideias postas há mais de 50 anos. O livro Pedagogia do Oprimido [publicado pela primeira vez em 1968] foi publicado nos Estados Unidos quando aqui não se podia falar [sobre política no Brasil]. As editoras de lá nos diziam, a mim e a Paulo, que um livro nos Estados Unidos e, em geral no mercado mundial, tem validade de 8 anos. No 9º ano, vende-se muito pouco, então, as editoras deixam de publicar. [Ou seja], autores que foram importantes nos anos 1990 não se publicam mais. No entanto, a obra de Paulo continua atual até hoje. Lê [hoje] qualquer um dos livros de Paulo e você pensa que escreveu ontem. Ele dizia que, para explicar a razão das coisas, a gente tinha que partir do nosso contexto. Paulo se enraizou no Recife para entender o que se passou e [supor] o que viria depois [para a Educação e a sociedade]. 

Nos últimos anos, Paulo Freire sofreu muitos ataques do governo atual. Na alta do Escola Sem Partido foram criadas muitas fake news que colocavam o educador como um doutrinador. Como a senhora vê esses ataques? Acha que isso impactou a imagem de Freire? 
Acho que não. [Na verdade, acredito que] aumentou. Hoje, a literatura de Paulo ganhou uma dimensão ainda maior, porque está sendo procurada e muito solicitada por diversos setores. Foi um autor que tentaram desmoralizar, foi chamado de energúmeno pelo capitão [a afirmação foi feita pelo Presidente Jair Bolsonaro em 2019]. Isso provocou uma curiosidade muito grande [entre os mais jovens] para saber quem era esse homem que estão acusando de coisas muito vis, quem era esse sujeito tão diabólico que tem gente que adora e quem fala que é um doutrinador. Por isso, o número de leitores de Paulo tem aumentado no Brasil e no mundo todo. 

Tem gente que está começando a ler e entender Paulo agora e se maravilham, porque ele [Freire] responde a todas as angústias. Paulo tinha a capacidade de pensar o ser humano. Como diz Ernani Maria Fiori [professor de Filosofia, contemporâneo de Freire]: Paulo não pensava em ideias, mas pensava na existência humana. Quem é adepto do amor, de uma vida mais solidária, unida, inteira, está com Paulo. Quem tem a utopia de construir um mundo melhor está com Paulo. 

Como a senhora avalia que as escolas incorporaram o pensamento freireano?  
De um modo geral, acho que estamos conseguindo entender. O número de projetos de homenagem pelo centenário não se presta a uma pessoa qualquer, mas a alguém que consideramos, respeitamos, admiramos e queremos ter presente. Tudo que ele fez foi sempre pensando em formar sujeitos históricos, sujeitos que interferem [para tornar] um mundo mais bonito. Era isso que ele queria, um mundo mais bonito. 


Em um cenário de desesperança e medo, com toda sua experiência e o legado que a senhora representa do Paulo Freire, qual é o seu sonho para Educação pública hoje? 
O Paulo é um sujeito que acredita nos sonhos, na utopia de dias melhores e que [mostra que] somos os responsáveis pela sociedade que temos, por isso devemos lutar para transformá-la sempre no sentido de melhorar e de diminuir as desavenças e as desigualdades [econômicas, sociais e educacionais]. 

Paulo fez um projeto quando secretário e executou esse projeto na Secretaria de Educação Municipal de São Paulo, no governo de Luiza Erundina [1989], que era realmente um primor de intenções, de fazer uma escola popular para as classes populares para diminuir essa distância entre riqueza e conhecimento. Ele lutou muito para diminuir essa diferença, em certos aspectos conseguiu de fato. 

[No entanto,] não é algo que acontece de repente. Para ter uma escola pública de qualidade é preciso de técnicas, tecnologia, formação de educadores e reuniões pedagógicas para discutir a prática. São essas coisas que vão fazer um professor melhor e, portanto, uma rede com mais consistência. 

POR:

Paula Salas Nova Escola
Professor Edgar Bom Jardim - PE