quarta-feira, 8 de setembro de 2021

História do Brasil atual: O golpe começou


Por Vladimir Safatle.

Uma insurreição nunca precisou da maioria da população para impor sua vontade. Ela precisa de uma minoria substantiva, aguerrida, unificada e intimidadora, pois potencialmente armada.


Quem conhece a história do fascismo italiano sabe a quantidade inumerável de vezes que Mussolini, em sua ascensão ao poder, foi dado como politicamente morto, isolado, acuado, fragilizado. No entanto, apesar das finas análises de comentaristas da vida política italiana, apesar das sutis leituras que pareciam ser capazes de pegar as mais inusitadas nuances, Mussolini, o bronco Mussolini chegou onde queria chegar. Isso ao menos deveria servir para lembrarmos da existência de três erros que levam qualquer um a perder uma guerra, a saber, subestimar a dedicação de seu oponente, subestimar sua força e, por fim, sua capacidade de pensar estrategicamente.

O mínimo que se pode dizer é que a oposição brasileira é exímia em praticar os três erros contra Bolsonaro e seus adeptos. Ela parece animada pela capacidade de tomar seus desejos por realidade, de justificar sua paralisia como se fosse a mais madura de todas as astúcias. Agora, a isso ela acrescentou uma patologia que, nos antigos manuais de psiquiatria, chamava-se “escotomização”, ou seja, a capacidade de simplesmente não ver um fenômeno que ocorre na sua frente. Mesmo tendo 600.000 mortes nas costas por negligencia de seu governo em relação à pandemia, Bolsonaro conseguiu um 7 de setembro para chamar de seu, com mais de 100.000 pessoas na Paulista e quantidade semelhante na Esplanada dos Ministérios.

Ele se colocou como o líder inconteste de uma singular sublevação do governo contra o estado, afirmando que não reconhece mais a autoridade do STF. Ou seja, ele assumiu para o mundo que está em rota de colisão com o que restou da institucionalidade da vida política brasileira. Seus apoiadores saíram desse dia com sua identificação reforçada e compreendendo-se como protagonistas de uma insurreição popular que de fato está a ocorrer, mesmo que com sinais trocados. Uma insurreição que mostra a força do fascismo brasileiro.

De nada adianta falar que essa manifestação “flopou”, que estavam presentes apenas 6% do esperado. Uma insurreição nunca precisou da maioria da população para impor sua vontade. Ela precisa de uma minoria substantiva, aguerrida, unificada e intimidadora, pois potencialmente armada. Bolsonaro tem as quatro condições, além do apoio inconteste das Polícias Militares e das Forças Armadas, que por nada nesse mundo, mas absolutamente nada irá deixar um governo que lhe promete salários de até 126.000 reais.

Aqueles que se comprazem acreditando que o verdadeiro apoio de Bolsonaro é 12% são os que normalmente fazem de tudo para que nós não façamos nada. Mas para quem quiser de fato encarar o que está a ocorrer no Brasil, não há nada mais a dizer do que “o golpe começou”. A manifestação do 7 de setembro marcou uma clara ruptura no interior do governo Bolsonaro. De fato, acerta quem diz que o governo acabou. Mas isso significa apenas que Bolsonaro pode agora abandonar a máscara de governo e assumir a céu aberto o que esse “governo” sempre foi, desde seu primeiro dia, a saber, um movimento, uma dinâmica de ruptura que se serve da estrutura do governo para ampliar-se e ganhar força.

Assim, ele pode fortalecer seu núcleo duro, transformar eleitores em fieis seguidores sem precisar ter entregue nada que um governo normalmente entregaria, sequer a proteção contra a morte violenta produzida por uma pandemia descontrolada. Nunca um presidente falou ao povo, em seu momento de maior tensão, que partilhava abertamente o desejo de romper e ignorar uma institucionalidade que é simplesmente a representação dos clássicos interesses oligárquicos das elites brasileiras.

Infelizmente, que o “povo” em questão era a massa dos que sonham com intervenções militares, que amam torturadores, que abraçam a bandeira nacional para esconder sua história infame de racismos e genocídios, isso era algo que poucos poderiam imaginar. Por outro lado, por mais que certos setores do empresariado nacional simulem desconforto com sua presença, o que realmente conta é que Bolsonaro entrega a eles tudo o que promete, sabe preservar seus ganhos como ninguém, luta por aprofundar a espoliação da classe trabalhadora sem temer o que quer que seja.

Não por outra razão, seu 7 de setembro foi precedido por manifestos de empresários defendendo a “liberdade”: nova senha para o “direito” de intimidação e de ameaça. Enquanto isso, a oposição brasileira acha que ainda estamos no terreno dos embates políticos. Ela prepara-se para eleições, finge sonhar com frentes amplas esquecendo que, desde o fim da ditadura, sempre fomos governados por frentes amplas e vejam onde chegamos. Todos os governos eram alianças “da esquerda à direita”. Não foi por falta de frente ampla que estamos nessa situação. O cálculo simplesmente não é este. A esquerda precisa entender de uma vez por todas a natureza do embate, ouvir aqueles mais dispostos ao confronto, esses que não tiveram medo de ir para a rua hoje, e assumir uma lógica de polarização. Isso implica que ela precisa mobilizar a partir da sua própria noção de ruptura, em alto e bom som. Uma ruptura contra outra. Não há mais nada a salvar ou a preservar nesse país. Ele acabou. Um país cuja data de sua independência é comemorada dessa forma simplesmente acabou. Se for para lutar, que não seja para salvá-lo, mas para criar outro.

brasil.elpais.com/


Convocados pelo presidente Jair Bolsonaro, dezenas de milhares de manifestantes bolsonaristas foram às ruas em diversas cidades do país. O presidente discursou em duas delas, em São Paulo e Brasília. Nas falas, elevou o tom das críticas ao Supremo Tribunal Federal.A expectativa era grande, e de todos os lados. Mas afinal, qual foi o saldo deste dia? Neste vídeo, nossa repórter Camilla Veras Mota fala sobre o que aconteceu e quais podem ser os impactos políticos dos protestos pró-Bolsonaro no feriado de 7 de Setembro. Confira no vídeo. #BBCNewsBrasil #7deSetembro #Protestos

Professor Edgar Bom Jardim - PE

Paulo Câmara fala em "delírios totalitários" de Bolsonaro






Horas após o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) discursar para seu eleitorado no 7 de setembro, o governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), classifica como "delírios totalitários" declarações do presidente. 
"O Sete de Setembro é uma data para celebrar a liberdade, a democracia e o progresso do nosso país. Não para promoção pessoal ou para o presidente ameaçar e desrespeitar os demais poderes constituídos", avaliou Câmara. 

De acordo com o governador do Estado, o presidente "está em campanha permanente e não governa o país".
"Enquanto isso, no mundo real, longe dos delírios totalitários de Bolsonaro, a inflação, a fome e a miséria estão de volta e o Brasil segue sem perspectivas", disse o gestor socialista que tem sido um ferrenho crítico do Governo Federal. 

Recentemente, o governador e o presidente se encontraram durante passagem do Chefe do Executivo Federal pelo Estado. No entanto, eles evitaram o contato mais próximo. 

Folha de Pernambuco
Foto de arquivo
Professor Edgar Bom Jardim - PE


O Brasil violento, antidemocrático e infeliz: As ameaças de Bolsonaro em discursos no 7 de Setembro


Bolsonaro discursa para apoiadores em Brasília neste 7 de setembro

CRÉDITO,REPRODUÇÃO/FACEBOOK

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Bolsonaro discursa para apoiadores em Brasília neste 7 de setembro: presidente disse que atos são um 'ultimato' aos demais Poderes da República

O presidente Jair Bolsonaro fez uma série de ameaças ao Supremo Tribunal Federal (STF) e à democracia nesta terça-feira (7/9) em discursos na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, e na avenida Paulista, em São Paulo. Chamou as eleições de "farsa", disse que só sai da presidência "preso ou morto" e exaltou a desobediência à Justiça.

O atos de apoio a Bolsonaro, por intervenção militar e contra o STF foram organizados em diversas cidades em momento de crise e queda de popularidade do presidente.

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Mas a maior parte dos manifestantes concentraram em São Paulo, que reuniu caravanas vindas de diversos locais do país. Segundo a estimativa oficial da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, passaram cerca de 125 mil manifestantes pela avenida Paulista neste domingo.

Foi em São Paulo que Bolsonaro elevou o tom de golpismo, que já estava presente em seu discurso em Brasília. Ele questionou a urna eletrônica e as eleições, citou novamente o voto impresso (que já foi rejeitado pelo Congresso) e disse que não pode "participar de uma farsa como essa patrocinada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE)".

"Quero dizer àqueles que querem me tornar inelegível em Brasília: só Deus me tira de lá", afirmou.

"Só saio preso, morto ou com vitória. Quero dizer aos canalhas que eu nunca serei preso."

Bolsonaro criticou o presidente do TSE, o ministro Luís Roberto Barroso, sem citá-lo nominalmente.

"Não é uma pessoa no Tribunal Superior Eleitoral que vai dizer que esse processo é seguro, usando a sua caneta desmonetizar páginas que criticam esse sistema de votação", disse ele, em referência a decisões da Justiça contrárias a bolsonaristas que espalharam notícias falsas sobre as eleições.

"A paciência do nosso povo já se esgotou! Nós acreditamos e queremos a democracia! A alma da democracia é o voto! E não podemos admitir um sistema eleitoral que não oferece segurança", afirmou Bolsonaro.

Homens seguram bandeira onde está escrito 'intervenção militar'

CRÉDITO,EPA

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Militantes de direita pedem intervenção militar na av. Paulista

Ataques ao STF

Bolsonaro concentrou suas críticas ao STF na figura do ministro Alexandre de Moraes, que determinou nesta segunda (5/9) a prisão de apoiadores do presidente que publicaram ameaças ao tribunal e a seus membros.

"Não podemos continuar aceitando que uma pessoa específica da região dos Três Poderes continue barbarizando a nossa população. Não podemos aceitar mais prisões políticas no nosso Brasil", disse o presidente.

"Ou o chefe desse Poder enquadra o seu ou esse Poder pode sofrer aquilo que não queremos, porque nós valorizamos, reconhecemos e sabemos o valor de cada Poder da República", completou Bolsonaro, conclamando o presidente do STF, Luiz Fux, a interferir nas decisões de Moraes - algo que seria inconstitucional.

Em São Paulo, Bolsonaro citou Moraes nominalmente e o chamou de "canalha", dizendo que "não pode mais admitir" que ele "continue açoitando o povo brasileiro."

Antes das manifestações, Bolsonaro chegou a enviar um pedidos de impeachment de Moraes ao Senado, onde o pedido foi rejeitado.

Apesar da derrota, o presidente continuou insistindo no ataque, e disse em Brasília que Moraes "perdeu as condições mínimas de continuar dentro daquele tribunal".

E ameaçou: "Não queremos ruptura, não queremos brigar com Poder algum, mas não podemos admitir que uma pessoa coloque em risco a nossa liberdade."

Bolsonaro com as mãos levantadas para o ar

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Presidente discursou para militantes pró-governo em Brasília antes de ir a São Paulo

Contradições

Ambos os discursos de Bolsonaro tiveram contradições como dizer que "defende a democracia" e ao mesmo tempo criticar as eleições e dizer que só sai de Brasília "preso, mortos ou com vitória".

Bolsonaro usou repetidas vezes o argumento de que a Constituição Federal estaria sendo ferida por outro Poder. Mas ele próprio fez ameaças que, se concretizadas, significariam violações graves da Constituição.

"Nós todos na Praça dos Três Poderes juramos respeitar a nossa Constituição. Quem age fora dela se enquadra ou pede para sair", disse, acrescentando que as manifestações do 7 de Setembro são um "ultimato" aos Poderes da República.

"Peço a Deus coragem para decidir. Não são fáceis as decisões. Não escolham o lado do conforto. Sempre estarei ao lado do povo brasileiro. Esse retrato que estamos tendo nesse dia é de vocês. É um ultimato para todos que estão na praça dos Três Poderes, inclusive eu, presidente da República, para onde devemos ir", declarou.

"A partir de hoje uma nova história começa a ser escrita aqui no Brasil. Peço a Deus mais que sabedoria, força e coragem para bem presidir", completou, sendo aplaudido por Braga Netto e demais ministros.

Conselho da República

Ao final do discurso em Brasília, Bolsonaro disse que se reuniria na quarta com o Conselho da República, para apresentar a "fotografia" de "onde todos devemos ir". O Conselho da República é um órgão consultivo previsto na lei para ser usado pelo presidente em momentos de crise, para deliberar sobre "intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio", além de decidir sobre "questões relevantes para a estabilidade das instituições democráticas".

Apesar do que disse Bolsonaro no discurso, não há reunião do Conselho da República marcada para quarta-feira por enquanto, segundo o vice-presidente Hamilton Mourão. "Julgo que o presidente se equivocou, pois ninguém sabe disso", afirmou o vice, cuja presença é necessária no conselho.

O deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ), líder da minoria na Câmara dos Deputados e membro do conselho, afirmou que a reunião não foi marcada e que "não será sob chantagem de um presidente que participa de uma ato que ameaça ministros, que ameaça intervenção militar e que ameaça o fechamento do Congresso, que o Conselho da República vai se reunir."

Fim do ato

Em Brasília, no carro de som, bem ao lado de Bolsonaro, presenciando as ameaças do presidente, estava o ministro da Defesa, general Braga Netto.

Já o ato em São Paulo teve a presença do ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, que foi abordado por dezenas de bolsonaristas para fotos, e do ex-secretário de comunicações Fabio Wajngarten.

O número de pessoas com máscaras era bem reduzido em ambos os atos que tiveram a presença do presidente. Em São Paulo, havia muitos idosos e crianças sem máscara. Policiais também eram parados com pedidos de fotos e o hino nacional era cantado reiteradamente.

Ao final, Bolsonaro deixou a Paulista em cima de um carro, com um policial levando um colete à prova de balas na frente, e se dirigiu ao comando militar em São Paulo, onde pegou o avião presidencial de volta à Brasília.

BBC

Professor Edgar Bom Jardim - PE

O 7 de Setembro violento, antidemocrático e infeliz

História do Brasil Atual
Policiais militares isolam área próxima ao Congresso Nacional para evitar aproximação de manifestantes pró-Bolsonaro

CRÉDITO,AFP

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Policiais militares isolam área próxima ao Congresso Nacional para evitar aproximação de manifestantes pró-Bolsonaro

A democracia brasileira saiu mais fraca do seu 199º aniversário da independência do Brasil, analisa a cientista política Amy Erica Smith, especialista em democracia e regimes autoritários na América Latina, particularmente no Brasil.

Em protestos que atraíram centenas de milhares de pessoas neste 7 de setembro, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que não cumprirá decisões judiciais, ameaçou fechar o Supremo Tribunal Federal, disse que um dos ministros, Alexandre de Moraes, "açoita a democracia", chamou o processo eleitoral sem voto impresso de "farsa" e disse que apenas Deus pode tirá-lo da Presidência.

"É possível que as coisas agora tenham chegado a um ponto tão ruim que forcem a ação de outros poderes", opina ela.

Após Bolsonaro intensificar os ataques ao Supremo e ameaçar não cumprir decisões do ministro Alexandre de Moraes, aumentaram as cobranças pela abertura de um processo de impeachment no Congresso.

Para a estudiosa, a demonstração de força de Bolsonaro não foi um "fracasso total", dado o número de pessoas que ele atraiu e a disseminação de suas palavras, mas deixou claro que Bolsonaro não reúne condições de dar um golpe. "Se tivesse, ele já teria dado".


Smith observa que Bolsonaro e seus apoiadores tentam projetar uma imagem de lideranças da direita global, com placas em inglês contra o STF e apoio de ex-assessores de Trump em suas empreitadas, mas, para a maioria da audiência internacional, "Bolsonaro pinta o Brasil como uma república das bananas".

Leia a seguir os principais trechos da entrevista de Amy Erica Smith à BBC News Brasil, editadas por clareza e concisão.

BBC News Brasil - Como qualifica os acontecimentos desse 7 de setembro?

Amy Erica Smith - A multidão tinha um tamanho razoável e o discurso de Bolsonaro está mais radical, talvez o mais radical que se possa ser sem provocar um confronto direto e imediato. O tipo de ataque que ele fez ao ministro Alexandre de Moraes hoje cruza a linha da democracia. As coisas que Bolsonaro disse não satisfazem os mínimos requisitos da democracia e, se for permitido que ele continue a fazer esse tipo de declaração, as coisas ficarão muito ruins no Brasil.

Ele até poderia recuar, mas não acredito que irá. A essa altura, nós já vimos o suficiente pra identificar um padrão de alguém que vai gradualmente ficando mais e mais radical. Declarações como "só saio da presidência morto" são extremamente anti-democráticas, assim como tudo o que ele disse hoje. Desse ponto em diante, as coisas só pioram.

BBC News Brasil - Alguns analistas, como o filósofo Marcos Nobre, veem nos movimentos de Bolsonaro em 7 de setembro uma espécie de ensaio do golpe, um teste de quão longe se pode ir. A senhora concorda?

Smith - Se Bolsonaro tivesse apoio para um golpe, provavelmente ele já teria dado um golpe. Muito do que ele faz é projetado para tentar atrair mais pessoas para o seu lado e viabilizar um golpe. Está claro que, se pudesse ter fechado o Supremo Tribunal Federal há um ano, ele já teria feito isso.

Bolsonaro cercado de crianças em carro aberto no 7 de setembro em Brasília

CRÉDITO,REUTERS

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Bolsonaro fez desfile em carro aberto em Brasília, pouco antes de discursar com ameaças ao Supremo Tribunal Federal e à realização de eleições

Mas ele não tem apoio institucional para fazer isso, nem dos militares nem de outros políticos. E se tentasse, não conseguiria se segurar no poder. Então acho que o termo ensaio não cabe, porque a verdade é que se ele tivesse tido condições de dar um golpe ontem, ele teria dado. E seus apoiadores também teriam apoiado o golpe se ele tivesse tentado.

O que eu acho que Bolsonaro está fazendo é deliberadamente mostrando que seu interesse é golpista e tentando arregimentar pessoas pra sua causa. Isso é mais um alerta do que ele gostaria de fazer se conseguisse obter mais poder. E eu acho que foi uma tentativa também de satisfazer alguns de seus apoiadores mais radicais, que pediam por esse tipo de comportamento. Então ele manda uma mensagem para esses apoiadores ao mesmo tempo em que tenta intimidar o Supremo e Congresso. E, honestamente, não vejo como isso possa ter funcionado, nem para intimidar, nem para ganhar novos apoiadores.

BBC News Brasil - Bolsonaro terminou o sete de setembro mais forte ou mais fraco do que começou o dia?

Smith - Não acho que foi um fracasso completo. Ele conseguiu reunir uma massa moderadamente grande. Não foi uma massa esmagadora, mas atraiu público e conseguiu levar seus discursos à TV. Mas em termos eleitorais práticos, a popularidade dele ainda está na casa de 20% e não houve ali nenhum sinal de que ele tem poder suficiente para mobilizar eleitores a ponto de alterar o cálculo eleitoral dos partidos em favor dele.

Já em relação à crise institucional, ao conflito com outros poderes, Bolsonaro termina o dia bem mais radical e aparentemente tendo dito coisas que podem levar a ações legais contra ele no Supremo e ao seu impeachment no Congresso. Esses são cenários possíveis. Então, ele sai do sete de setembro mais vulnerável em relação aos demais poderes. E podemos esperar resposta ao menos da Suprema Corte, com certeza.

BBC News Brasil - O Brasil vive uma crise institucional grave. Hoje o presidente disse que só Deus o tira do cargo, que não cumprirá decisões judiciais de um dos ministros do Supremo e que não participará do que chamou de "farsa" das eleições sem votos impresso. Com isso, afrontou o Congresso e a Suprema Corte. Como fica a democracia depois disso?

Smith - O que está claro é que a democracia brasileira saiu do sete de setembro mais fraca, em uma crise maior. Mas é possível que agora as coisas tenham chegado a um ponto tão ruim que forcem a ação de outros poderes. A democracia brasileira está em grande risco, especialmente com as ameaças ao Supremo.

Legenda do vídeo,

De voto impresso a afastamento no STF, o que pedem os manifestantes pró-Bolsonaro

BBC News Brasil - Alguns líderes partidários voltaram a falar em impeachment, e esse é um assunto que tem rondado a gestão Bolsonaro, mas nunca como algo viável. Isso pode ter mudado ontem?

Smith - As coisas que Bolsonaro falou ontem certamente aumentam suas chances de sofrer um impeachment. O sete de setembro pode ser o começo do fim pra ele.

Ele chamou o Conselho da República (órgão que decide sobre intervenção federal) e disse que mostraria a eles a fotografia do povo. Isso, em outras condições, seria o chamamento para o golpe. Mas as pessoas que compõem esse Conselho da República não dirão: 'sim, senhor, vamos dar um golpe'. Então é difícil entender os reais efeitos do que Bolsonaro diz. É bizarro imaginar que ele pense que os demais chefes de poderes vão coadunar com essa ideia. Não é possível que ele próprio acredite nisso. Pode ser um teatro político, mas não deixa de ser perigoso.

BBC News Brasil - A economia brasileira patina, e investidores estrangeiros não se sentem confortáveis em trazer seu dinheiro ao país. Como diferentes observadores internacionais veem o que acontece no Brasil e o que esperam do país?

Smith - É terrível para os negócios e os manifestos do agronegócio e de empresários brasileiros contra as ações de Bolsonaro mostram isso. Bolsonaro pinta o Brasil como uma república das bananas. O que estamos vendo hoje é uma instabilidade extrema e o que o presidente promete aos investidores é ainda mais instabilidade por vir. O comportamento de Bolsonaro em si é péssimo para atrair os investimentos. Essa instabilidade política poderia ser resolvida com um novo presidente, mas parte dos danos à imagem do Brasil no exterior, a relações com os EUA e a Europa, essas coisas demoram mais tempo a serem reparadas.

BBC News Brasil - Ainda em relação às relações internacionais, como vê o fato de ex-assessores de Trump, como Jason Miller e Steve Bannon, mostrarem tanta proximidade e interesse com o governo - e a campanha - de Bolsonaro?

Smith - Não são só os assessores, mas também chama a atenção a quantidade de placas em inglês carregadas por bolsonaristas. E isso acontece porque a direita, e especialmente a extrema-direita, da qual Bolsonaro faz parte, é um movimento de laços internacionais muito fortes. Isso é muito emblemático de que o presidente se vê como parte de uma direita global e acredita que ela poderá ajudá-lo. Mas a verdade é que a direita global - e especialmente a americana - não é mais tão poderosa quanto já foi e não será capaz de ajudá-lo nessa crise institucional. Todo o apoio do mundo de Trump e seu grupo não salvarão Bolsonaro. E isso seria verdade mesmo se Trump ainda fosse presidente, mas é ainda mais óbvio agora que Trump está fora do poder.

Para especialista, democracia e Bolsonaro saíram perdendo dos protestos de 7 de Setembro

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Para especialista, democracia brasileira e Bolsonaro saíram perdendo dos protestos de 7 de Setembro

BBC News Brasil - Vimos manifestações contra e a favor de Bolsonaro no sete de setembro. Ambas diziam defender a democracia. O que significa essa contradição?

Smith - Isso é algo muito perigoso para a democracia, porque a situação de polarização e partidarização atingiu tal nível que pessoas com ideias totalmente opostas do que democracia signifique estejam dispostas a lutar até o fim umas com as outras enquanto supostamente defendem a mesma coisa. Isso é uma prova da tensão do estado de coisas na democracia brasileira.

Mariana Sanches 

Texto original

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58485310

Professor Edgar Bom Jardim - PE

segunda-feira, 6 de setembro de 2021

Grupo de militares protagoniza golpe de Estado na Guiné e detém o presidente

História da Atualidade

Tenente-coronel Mamady Doumbouya, chefe das Forças Especiais, suspende a Constituição e dissolve o Governo após uma manhã de tiroteios na capital


Soldados guineenses circulam pelo distrito de Kaloum, no centro da capital Conacri, neste domingo.
Soldados guineenses circulam pelo distrito de Kaloum, no centro da capital Conacri, neste domingo.CELLOU BINANI / AFP

Um grupo de militares liderados pelo tenente-coronel Mamady Doumbouya, chefe das Forças Especiais da Guiné, deu um golpe de Estado no país africano neste domingo e deteve o presidente do país, Alpha Condé. Numa mensagem de vídeo dirigida à nação por meio das redes sociais, o próprio Doumbouya anunciou a suspensão da Constituição, a dissolução das instituições e do Governo e o fechamento das fronteiras terrestres e aéreas. O Ministério da Defesa guineense chegou a afirmar em comunicado que a tentativa de golpe militar não havia tido êxito, uma versão que perdeu força com o passar das horas. Ao longo da manhã, Conacri, a capital, foi palco de troca de tiros em meio a uma grande presença de soldados nas ruas, segundo moradores.

“Guineenses, caros compatriotas. A situação sócio-política e econômica do país, a disfunção das instituições republicanas, a instrumentalização da justiça, (...) o desrespeito aos princípios democráticos, a politização da administração pública (...), a pobreza endêmica e a corrupção levaram o Exército Republicano da Guiné (...) a assumir a sua responsabilidade para com o povo soberano da Guiné como um todo. Depois de ter detido o presidente, que agora está conosco, decidimos dissolver a Constituição em vigor, dissolver as instituições e o Governo e fechar as fronteiras terrestres e aéreas“, disse o tenente-coronel Doumbouya em um vídeo gravado em um local desconhecido e distribuído à mídia na manhã deste domingo.

“Chamamos os nossos irmãos de armas à unidade para responder às legítimas aspirações do povo guineense, os convidamos a ficar nos seus quartéis e a prosseguir as suas atividades, não vamos cometer os erros do passado”, acrescentou o golpista.

O tenente-coronel Mamady Doumbouya, que está emergindo como o novo homem forte da Guiné caso o golpe triunfe, é um militar experiente que recebeu treinamento em Israel, Senegal, Libéria e França. Ex-integrante da Legião Francesa, participou de diversas missões em Afeganistão, Costa do Marfim, Djibuti e República Centro-Africana, entre outros países. Em 2018 foi comissionado pelo Ministério da Defesa para criar um grupo de Forças Especiais dentro do Exército Guineense, que lidera desde então. No entanto, sua tentativa de funcionar de forma autônoma e sem prestar contas à administração distanciou-o do Governo, segundo fontes militares anônimas.

O secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, condenou veementemente o golpe, que chamou de “tomada do poder pela força do fuzil” em seu perfil no Twitter, e exigiu a libertação imediata de Condé. Por sua vez, a opositora Frente Nacional pela Democracia na Guiné (FNDG) afirmou em comunicado que endossa da suspensão da Constituição. “O regime liderado pelo ditador Alpha Condé era ilegítimo e inconstitucional”, diz a nota. Em muitas ruas de Conacri, como aconteceu com o golpe de 2020 no Mali, os militares foram recebidos em meio a expressões de alegria por parte da população.

Alpha Condé, de 83 anos, é presidente da Guiné desde 2010 e foi eleito para um terceiro mandato em outubro de 2020, após uma eleição polêmica em que houve dezenas de mortes em confrontos entre cidadãos e as forças da ordem. A Carta Magna guineense estabelece o limite de dois mandatos, mas a reforma constitucional promovida pelo próprio Condé permitiu-lhe candidatar-se à reeleição, subterfúgio comum para que muitos dirigentes regionais se perpetuassem no poder. O principal líder da oposição, Cellou Dallein Diallo, rechaçou sua candidatura e os resultados, gerando protestos de cidadãos e dezenas de mortes.

Com cerca de 13 milhões de habitantes e apesar de seus muitos recursos minerais e naturais, a Guiné continua sendo um dos países mais pobres do mundo. Desde a sua independência da França, em 1958, conheceu uma sucessão de ditaduras e golpes de Estado que pareciam ter chegado ao fim com a chegada ao poder do histórico e veterano líder da oposição Alpha Condé nas suas primeiras eleições livres, realizadas em 2010.

O otimismo com a chegada da democracia à Guiné traduziu-se em anos de crescimento econômico sustentado, com percentagens de até 7% ao ano, graças a um melhor clima de negócios e à diversificação do investimento estrangeiro. No entanto, esses números não se traduziram em melhorias na qualidade de vida da maior parte da população: a taxa de pessoas abaixo da linha da pobreza continua a rondar os 50%. A crise econômica derivada da epidemia de Ebola de 2014-2016 foi um golpe severo, ao qual devemos agora adicionar o impacto da pandemia covid-19.

Mas é a situação política que concentra grande parte das atenções na Guiné. As tentativas de Condé de permanecer no poder a todo custo e o estabelecimento de um regime que atormenta os oponentes e as vozes críticas, de acordo com ONGs de direitos humanos, contribuíram para mergulhar o país de volta na instabilidade. A mistura da situação econômica e da turbulência política explica porque a Guiné encabeça as listas dos países de origem da emigração irregular para a Europa, como aconteceu em 2018.

El País 05/09/21
Professor Edgar Bom Jardim - PE