segunda-feira, 19 de julho de 2021

Bom Jardim 150 anos: Múltiplas leituras da nossa história - Parte 1

O Museu de Bom Jardim comemora os 150 anos de história política do município homenageando seu povo.
Celebrar e fazer história com reflexões, homenagens, mensagens e muita cultura.
Ressignificar o passado, viver o presente com consciência, olhar reflexivo e confiante no futuro.
Neste filme, o Projeto Múltiplas Leituras de Bom Jardim, dialoga com Manuel Mariano da Silva, poeta cancioneiro.

Mortes por covid: cidades com prefeita, em vez de prefeito tiveram 43% menos vítimas no Brasil


Manifestante, com velas ao fundo, segura cartaz, onde está escrito: "Onde erramos?"

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Referência no combate à covid-19, em 2020, a Nova Zelândia passou a habitar o imaginário de milhões de pessoas em seus momentos de tédio ou desespero em quarentenas forçadas ao redor do mundo. Ali, apenas 26 pessoas morreram em decorrência da pandemia. Considerada a artífice dos bons resultados sanitários do país, a primeira-ministra Jacinda Arden foi comparada a seus pares, como o ex-presidente americano Donald Trump e o mandatário brasileiro Jair Bolsonaro, cujos países registraram juntos mais de 1,1 milhão de mortes por infecções do novo coronavírus.

O desempenho notável de Jacinda e de outras governantes mulheres durante a pandemia, como as líderes de Bangladesh e Taiwan, instalou uma dúvida na cabeça de quatro economistas brasileiros. "A gente decidiu investigar se ter uma mulher na gestão da crise sanitária poderia levar a uma diferença das políticas públicas adotadas e causar desfechos melhores do que ter um homem nessa mesma função", explica o economista Raphael Bruce, do Insper.

Junto com colegas da Universidade de São Paulo e da Universidade de Barcelona, Bruce assina o recém-publicado estudo "Sob pressão: a liderança das mulheres durante a crise da covid-19", ainda sem revisão por outros cientistas. A pesquisa oferece a primeira evidência de que ter mulheres no poder durante uma pandemia ajuda a salvar mais vidas do que ter um homem na cadeira.

Onde elas mandam: 44% menos mortes, 30% menos internações

No trabalho, Bruce e seus colegas usam os mais de 5.000 municípios do Brasil como uma espécie de laboratório. Primeiro, os pesquisadores selecionaram apenas os 1.222 municípios que, nas eleições de 2016, tiveram eleição à prefeitura realizada em turno único e em que o primeiro e o segundo colocados fossem de gênero diferente. Assim, limitaram a análise a municípios de até 200 mil habitantes.

Depois refinaram ainda mais a amostra, de modo a considerar apenas aqueles em que a corrida eleitoral foi acirrada — e a margem de vitória menor do que 10% do número de votos para a candidata ou para o candidato —, algo que ocorreu em cerca de 700 localidades.


Jacinda Ardern

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O desempenho da premiê da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, chamou atenção de pesquisadores brasileiros

Assim, conseguiram chegar o mais próximo possível da reprodução das condições de um experimento controlado: em pesquisas de vacinas, por exemplo, a definição de quais participantes receberão uma dose do imunizante a ser testado ou uma dose de placebo é feita por sorteio. Isso evita a possibilidade de que o viés de algum pesquisador na seleção das pessoas e distribuição das doses possa influenciar no efeito causado pelo placebo ou pela vacina.

Do mesmo modo, os economistas olharam para um dado grupo de municípios pequenos e médios, comparáveis entre si econômica e demograficamente, em que a chance de haver um homem ou uma mulher na cadeira de prefeito era praticamente aleatória, quase um acaso.

O passo seguinte foi verificar os dados de mortes e internações por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) de cada um desses 700 municípios, em 2020, no Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe), do Ministério da Saúde. Como a distribuição e aplicação de testes para o novo coronavírus variou muito pelo Brasil, os dados de SRAG têm sido adotados como forma de driblar eventuais distorções por subnotificação de casos e óbitos de covid-19.

A conclusão foi que municípios com prefeita tiveram, em média, 25,5 mortes por 100 mil habitantes a menos do que aqueles em que os chefes do Executivo local eram homens — uma diferença de 43,7% na mortalidade.

Em relação às hospitalizações, os registros mostram uma redução média de 30,4% em internações por 100 mil habitantes nos municípios com prefeitas em relação ao mesmo dado de cidades com prefeitos.

Elas obrigam mais o uso de máscara

Em uma extrapolação dos resultados, os autores afirmam que se metade dos 5.568 municípios do Brasil fossem liderados por mulheres, seria possível esperar que o país tivesse nesse momento 15% menos mortes do que o total acumulado, de mais de 540 mil. Ou, dito de outra forma, mais de 75 mil pessoas ainda estariam vivas agora. Hoje, menos de 13% das prefeituras do Brasil são comandadas por mulheres.

Mulher de máscara

"É preciso sempre lembrar que esses dados são válidos para esses municípios pequenos e médios que foram analisados, mas fizemos esse cálculo para mostrar o tamanho da relevância do fenômeno quando a gente pensa em definição de políticas públicas", afirma o pesquisador Alexsandros Cavgias, da Universidade de Barcelona.

Mas, afinal, o que essas mulheres fizeram de diferente dos seus pares homens que poderia explicar a menor gravidade da pandemia nas cidades delas? Como o Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou, ainda no começo da pandemia, em 2020, que os gestores municipais tinham autonomia para adotar medidas em suas cidades, a resposta deveria estar em como prefeitos e prefeitas administraram a crise. Por isso, os pesquisadores verificaram se as prefeituras ordenaram o uso de máscaras no município, limitaram a circulação em transporte público, proibiram aglomerações, adotaram exigência de cordão sanitário e limitaram o funcionamento de negócios não essenciais.

E descobriram que, de modo geral, municípios com mulheres no comando adotaram em uma frequência 10% maior esse tipo de medidas não farmacológicas de combate à pandemia. No caso das máscaras, o número de prefeitas que determinou seu uso obrigatório superou em oito pontos percentuais o dos pares homens. Na obrigatoriedade de testes para entrar na cidade, mulheres superaram homens em 14 pontos percentuais. E na proibição de aglomeração, em cinco e meio pontos percentuais.

O que explica a diferença entre a gestão delas e deles?

No estudo, os pesquisadores contemplam as possibilidades de que as mulheres tenham tomado decisões diferentes — e obtido resultados melhores na pandemia — por alguns motivos. Avaliam, por exemplo, se a idade menor ou maior de homens e mulheres no cargo poderia ser uma determinante. Não houve, no entanto, diferença significativa quando se comparou os perfis das prefeitas e de seus pares homens.

Outra hipótese era de que a diferença fosse resultado de um perfil ideológico das mulheres. As soluções para a pandemia tornaram-se bandeiras políticas de determinados grupos. A direita conservadora, liderada por Bolsonaro, condenou reiteradamente a adoção de medidas como uso de máscara e restrição do comércio e de aglomerações. "Mas a verdade é que quando olhamos para os dados sobre posicionamento político-partidário, as mulheres prefeitas tendiam a ser até um pouco mais conservadoras do que seus pares homens", afirma Bruce.

O estudo ainda analisa se as prefeitas poderiam ser, com mais frequência, profissionais da saúde, o que poderia impactar suas decisões políticas nessa área. Isso também não se comprovou verdadeiro. Tampouco as prefeitas tomaram medidas nos anos anteriores que as tivessem deixado em melhor situação que os governantes homens quando a pandemia chegasse, como o aumento de leitos ou de investimento na saúde.

Do mesmo modo, embora as mulheres prefeitas tivessem, em média, escolaridade mais alta do que os homens prefeitos, a pesquisa mostrou que a adoção de medidas mais rígidas e a redução de mortes e internações não variava conforme o nível educacional, o que também levou ao descarte do fator como possível explicação.

"A verdade é que por enquanto apenas sabemos o que não causa a diferença, mas não conseguimos determinar o que está por trás do fenômeno", afirma Bruce.

Para Jessica Gagete-Miranda, pesquisadora de políticas públicas da Università' degli Studi di Milano Bicocca, na Itália, que leu o estudo a pedido da BBC News Brasil, a explicação para o fenômeno pode estar em uma característica frequentemente associada ao gênero feminino na literatura científica: a maior aversão ao risco.

"Já existem pesquisas mostrando que mulheres, de forma geral, aderiram mais a medidas não farmacológicas de combate à covid-19, como distanciamento social e uso de máscara. Se mulheres de forma geral fazem isso, mulheres prefeitas também devem fazer e essas últimas têm poder político para exigir que a população também o faça", diz Gagete-Miranda.

Bolsonaro com caixa de cloroquina, em foto de julho de 2020

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Bolsonaro com caixa de cloroquina, em foto de julho de 2020; presidente apostou em medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19

Sem espaço no jogo político

Segundo o economista Sergio Firpo, do Insper, que leu o artigo de Bruce, Cavgias e seus colegas, o mérito da pesquisa está em estabelecer a causalidade entre haver mulheres no poder e haver menos mortes naquela cidade em decorrência da pandemia — o que pode pautar a ação de eleitores e agremiações políticas no futuro.

"É uma falha não ter uma explicação para o fenômeno no trabalho. Mas mesmo que não saibamos o que provoca essa diferença, seria interessante que os partidos e os eleitores observassem esse tipo de coisa para escolher suas apostas, seus candidatos. O ponto é que existem diferenças na gestão entre homens e mulheres e isso é estratégico", diz Firpo.

Ele cita um trabalho feito pela economista brasileira Fernanda Brollo que concluiu que as mulheres tendem a se envolver em menos casos de corrupção do que os homens. Usando metodologia semelhante à de Bruce e Cavgias, ela cruzou os resultados de eleições de 400 municípios em 2000 e 2004 com as auditorias federais nessas mesmas cidades. Brollo descobriu que os municípios governados por prefeitas apresentavam entre 29% e 35% menos chances de se envolverem em condutas corruptas do que as de seus pares homens.

Isso, no entanto, não garantiu a elas qualquer vantagem competitiva no sistema político. Durante os períodos analisados, as prefeitas receberam entre 30% e 55% menos aportes de recursos eleitorais para suas campanhas. A probabilidade de serem reeleitas ficou cerca de 20% abaixo da dos candidatos do sexo masculino.

No Brasil, um sistema de cotas foi criado em 1995 para garantir que os partidos políticos destinem um percentual de candidaturas a mulheres em eleições parlamentares proporcionais. Ou seja, não existe qualquer previsão de reserva de vagas para mulheres na disputa para o Executivo — e o funcionamento do sistema de cotas atual tem se mostrado pouco eficiente para aumentar a presença delas em cargos eletivos.

Brollo questiona se, caso as mulheres tivessem condições competitivas semelhantes às dos homens na política, ou se um sistema de cotas fosse adotado no Executivo para assegurar maior espaço político a elas, tais diferenças em relação à corrupção ou à qualidade da gestão de crise ainda se manteriam. "Sabemos que a política brasileira ainda é bastante dominada por homens. Isso pode fazer com que as exigências para se eleger uma mulher sejam mais altas do que aquelas para eleger um homem e que apenas mulheres mais qualificadas acabem ganhando as eleições (ou chegando perto de ganhar)", diz Gagete-Miranda.

Essa é uma possibilidade que os próprios autores do trabalho dizem ser plausível. De outra forma, Bruce também coloca a questão.

"Talvez as mulheres prefeitas acabem tomando melhores decisões sob pressão porque já enfrentam mais pressão e desafios adicionais na carreira política. Mas esse é um aspecto não observável da realidade", conclui.

Professor Edgar Bom Jardim - PE

domingo, 18 de julho de 2021

EUA têm mais de 9 milhões de desempregados apesar de alta em salários e vagas de sobra


garçonete atendendo cliente em restaurante dos EUA

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Os restaurantes estão enfrentando dificuldades para encontrar funcionários

Faz 35 graus em uma tarde de julho em Washington D.C. e a fila da sorveteria só aumenta, a ponto de sair pela porta do estabelecimento. No caixa, um funcionário anota o pedido e recebe o pagamento. Em seguida, ele mesmo prepara as casquinhas e as entrega aos consumidores, para correr de volta ao caixa e atender o próximo cliente. Sozinho atrás do balcão, o atendente se desdobra. Mas a fila, composta por famílias sem máscara e ansiosas para aproveitar o primeiro verão pós-pandemia, não cede.

Comprar uma casquinha de sorvete no horário de pico de uma tarde ensolarada no fim de semana, na capital dos Estados Unidos, pode levar entre 20 minutos e meia hora. Há quem desista. No país do capitalismo de manual, a sorveteria perde clientes porque não consegue vender seu produto em tempo hábil.

Há vagas ali abertas há semanas - para contratar atendentes de balcão e gerente de turno - com salários entre US$12,50 e US$19 por hora. Mas não há candidatos para ocupá-las.

Essa história é um exemplo de um curioso fenômeno experimentado pelos Estados Unidos. Em franca recuperação econômica, depois de um tombo histórico só comparável ao da Grande Depressão de 1929, o país vive uma contradição: há muitas vagas de trabalho abertas, e também muitos desempregados, mas eles não se completam.

O bartender Eugene Barnett no balcão do bar

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O bartender Eugene Barnett afirma que trabalhadores do seu setor não aceitam mais ganhar 9 dólares por hora e por isso vagas ficam abertas por muito tempo

De acordo com o último dado do governo americano, a taxa de desemprego em junho de 2021 era de 5,9% - ou algo em torno de 9,5 milhões de pessoas. Os empregadores, no entanto, não conseguem contratar. A pesquisa da Federação Nacional de Negócios Independentes mostrou que, no mês passado, 46% dos pequenos empresários do país disseram não ter conseguido funcionários para suas vagas no período, mais do que o dobro da média histórica medida nos últimos 48 anos.


"Na movimentada temporada de verão, muitas empresas não conseguiram contratar trabalhadores suficientes para administrar com eficiência seus negócios, o que restringiu as vendas e a produção", afirmou o economista-chefe da federação, Bill Dunkelberg.

Salários aumentando e bônus de US$ 1 mil só por assinar contrato

"Em junho, vimos um percentual recorde de proprietários aumentando a remuneração para ajudar a atrair os funcionários necessários", completou Dunkelberg. A pesquisa mostra que 39% dos empresários subiram suas ofertas salariais no período. É o terceiro mês consecutivo de alta nas estimativas de pagamento aos trabalhadores americanos. No ano, a remuneração por hora de trabalho já acumula reajuste de 3,6%.

E os donos de negócios não têm apelado só a aumento de salário pra atrair mão de obra. Empresas do setor de serviços têm oferecido bônus de até US$ 1mil ao funcionário recém-contratado, apenas pelo fato de ele ter aceitado se vincular à empresa.

O bartender e gerente de cervejaria Eugene Barnett, de 42 anos, foi um dos profissionais que receberam uma proposta de emprego que lhe garantiria US$ 1 mil apenas pela assinatura do contrato. Barnett afirma que a proposta não o tentou porque a remuneração por hora não era tão significativa.

Antes da pandemia, ele conta que trabalhadores em bares na capital americana costumavam receber cerca de US$ 9 por hora. Agora, para atrair a mão de obra, é preciso oferecer algo em torno de US$ 15 por hora. Para ele, a resistência de parte dos chefes em aumentar os salários explica por que há o descasamento entre vagas e desempregados.

"Os empregadores querem oferecer ao trabalhador o mesmo salário de antes da pandemia, mas a realidade mudou. As pessoas não estão dispostas a se arriscar a contrair covid-19 em transporte público, e pagar por carro de aplicativo para ir ao trabalho é caro. Além disso, as escolas estão fechadas, bancar uma babá pra cuidar do seu filho não sai barato. Então, se fosse para receber o mesmo salário de antes, os trabalhadores acabariam tendo que pagar para trabalhar", afirma Barnett à BBC News Brasil.

Filas de desempregados em Nova York

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Muitas pessoas que perderam seus empregos agora recebem seguro-desemprego e outros tipos de assistência governamental

'Efeito preguiça' do seguro-desemprego?

Ele rechaça a tese de que os benefícios de seguro-desemprego oferecidos pela administração do democrata Joe Biden à população americana como forma de mitigar os danos econômicos da pandemia tenham criado o "efeito preguiça" na força de trabalho americana.

De março a setembro de 2021, os Estados Unidos aumentaram e facilitaram o acesso à cobertura assistencial para quem perdeu o emprego durante a pandemia de covid-19. Trabalhadores desempregados que se encaixam nos pré-requisitos do programa recebem 300 dólares por semana, ou US$ 1,2 mil por mês.

Alguns economistas afirmam que isso pode ter colocado um piso alto demais na remuneração para que os pequenos negócios de serviços, como restaurantes e bares, possam competir e retirar os trabalhadores de casa.

"Com o crescimento que estamos vendo na economia, era de se esperar que a geração de empregos mensais no país estivesse na casa do milhão. O número de junho, no entanto, veio apenas em 850 mil americanos recém-empregados. Parece óbvio que o programa de seguro-desemprego está retirando incentivo de certos trabalhadores saírem de casa", afirmou à BBC News Brasil Daniil Manaenkov, economista da Universidade de Michigan.

Os dados disponíveis, no entanto, não provam essa hipótese, ao menos por enquanto. Mais de 20 Estados americanos já cortaram, nas últimas semanas, o programa de seguro-desemprego federal de sua população, na expectativa de que isso aumentasse a busca por ocupação na região.

Os quatro primeiros a tomar essa iniciativa (Alasca, Iowa, Mississipi e Missouri) o fizeram há quase um mês. Ali, no entanto, as buscas por vagas desde então ficaram 4% abaixo da média nacional, de acordo com o site Indeed, um dos maiores agregadores de oportunidades de emprego no país.

Choque estrutural na economia

Ainda assim, Manaenkov acredita que o fim do auxílio federal e o retorno das aulas presenciais, programado para setembro, devem ajustar parcialmente a demanda e a oferta da força de trabalho. Manaenkov afirma, no entanto, que a normalização entre vagas e trabalhadores pode se alongar, já que a pandemia provocou o que ele chama de "choque estrutural na economia".

Loja oferecendo empregos na Califórnia

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Economia dos Estados Unidos continua a se recuperar após a chegada da pandemia, mas cada vez mais empresas reclamam que não conseguem encontrar pessoal

"De repente, setores inteiros - como hotelaria ou limpeza de prédios comerciais - foram drasticamente reduzidos pela covid-19. Esses trabalhadores dispensados tiveram que ser reabsorvidos em outras áreas - delivery de comida, fabricação de máscaras, por exemplo. Voltar à normalidade vai ser um novo choque estrutural", diz Manaenkov.

O bartender Barnett, com experiência de mais de uma década no ramo, é um exemplo disso. Nos períodos em que os bares em que trabalhava ficaram completamente fechados, ele se inscreveu para vagas tão diversas quanto corretor de seguros, vendedor de carros e atendente da varejista Amazon.

"Em dados momentos, era difícil acreditar que aquilo em que eu trabalhei por tantos anos voltaria a existir, que seria seguro. Parte dos meus colegas deixou a área de vez", conta Barnett, que contraiu covid-19 no trabalho e carrega o medo de uma nova infecção, apesar de estar vacinado.

Se tivesse abandonado o ramo de atuação, ele seria mais uma baixa num setor que se ressente da falta de experiência dos candidatos às vagas. Quase 90% dos empresários com vagas abertas disseram ter recebido muito poucas ou nenhuma candidatura de pessoas qualificadas para o trabalho, segundo a pesquisa da Federação Nacional de Negócios Independentes de junho.

O problema da economia americana pode soar ao leitor como bom demais para ser verdade, especialmente quando comparado a cenários como o do Brasil - onde a economia ensaia retomada, a despeito da taxa recorde de 14,7% de desempregados registrada pelo IBGE no primeiro trimestre de 2021. E, de acordo com os especialistas, a saída dos americanos da recessão pandêmica - com salários mais altos e vagas de sobra - é uma realidade "única" e "exclusiva" daquele país.

"A maior parte dos demais países do mundo, à exceção talvez da Alemanha, terão problemas fiscais e de desemprego muito mais graves para lidar", afirma Manaenkov.

  • Mariana Sanches - 
  • Da BBC News Brasil em Washington

Professor Edgar Bom Jardim - PE

sábado, 17 de julho de 2021

Brasil duplica armas registradas em um ano, e mortes violentas crescem na pandemia



Protesto em favor da posse de armas em Brasília em 9 de julho

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Protesto em favor da posse de armas em Brasília em 9 de julho; registro de armamentos praticamente duplicaram em um ano

O Brasil praticamente dobrou em um ano o número de armas registradas em posse de cidadãos, ao mesmo tempo em que as mortes violentas cresceram, a despeito do maior isolamento social durante a pandemia.

Essas são algumas das conclusões da mais recente edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado nesta quinta-feira (15/7) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

Segundo os dados do Sinarm, sistema da Polícia Federal que cadastra posse, transferência e comercialização de armas de fogo, houve 186.071 novos registros em 2020, um aumento de 97,1% em um ano. A maioria desses registros é de cidadãos privados.

A liberação de armas é uma das principais bandeiras defendidas pelo governo Jair Bolsonaro.

Enquanto especialistas em segurança pública apontam que a facilitação no acesso a armas favorece a violência, o governo argumenta que as medidas adotadas visam a desburocratização, a clareza das normas e "adequar o número de armas, munições e recargas ao quantitativo necessário ao exercício dos direitos individuais".


Também mais do que dobrou (aumento de 108%) a autorização de importações de armas de fogo de cano longo, categoria que inclui, por exemplo, carabinas, espingardas e fuzis.

Houve, ainda, alta de 29,6% nos registros de colecionadores, atiradores desportivos e caçadores, os chamados CACs.

"Diversos estudos mostram essa associação grande entre mais armas e homicídios", diz à BBC News Brasil David Marques, coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, embora ele destaque que homicídios são um fenômeno com múltiplas causas no país.

"Essa flexibilização no acesso a armas em curso desde 2019, junto à fragilização dos mecanismos de controle e rastreamento de armas cria um cenário explosivo do ponto de vista dos homicídios."

Abaixo, a BBC News Brasil mostra outros dados de violência no país durante a pandemia e que foram compilados pelo relatório.

Aumento de homicídios

Segundo o Anuário, o Brasil teve um aumento de 4% no número de mortes violentas intencionais em 2020, em comparação com o ano anterior.

Ao todo, 50.033 pessoas foram assassinadas no país no ano passado 78% morreram com ferimentos provocados por armas de fogo.

A maioria das vítimas era homens (91,3%), negros (76,2%) e jovens (54,3%).

Carro da polícia em cena de homicídio no Rio em 2016

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Homicídios cresceram 4% em 2020

O relatório aponta, também, que o Ceará foi o Estado com maior índice de homicídios no país, com 45,2 mortes violentas intencionais por grupo de 100 mil habitantes, seguido por Bahia (44,9) e Sergipe (42,6).

São Paulo é o ente federativo com menor taxa de homicídios, com nove mortes por 100 mil pessoas. Em seguida, vêm Santa Catarina (11,2) e Minas Gerais (12,6).

Letalidade policial

No ano passado, o número de mortos em intervenções da polícia chegou a 6.416 pessoas, uma ligeira alta de 0,3% em relação a 2019.

Segundo o anuário, 98,4% dos mortos eram do sexo masculino, 78,9% eram negros, e 76,2% tinham entre 12 e 29 anos.

O número de vítimas subiu mesmo com uma decisão do STF, de junho de 2020, que proíbe operações policiais em favelas do Rio durante a pandemia. A decisão permite ações apenas em "hipóteses absolutamente excepcionais".

Por outro lado, 194 policiais foram assassinados no país no ano passado, alta de 12,7%. O relatório aponta que 62,7% deles eram negros, 98,4% homens e 58,9% tinham entre 30 e 49 anos. Além disso, 72% dos policiais foram mortos durante o horário de folga.

Violência contra meninas e mulheres

No ano passado, 1.350 mulheres foram mortas em episódios classificados como feminicídio — quando o crime é motivado por violência doméstica ou discriminação por gênero. Alta de 0,7% em relação a 2019.

Segundo a publicação, 61,8% das vítimas eram negras e 74,7% tinham entre 18 e 44 anos. O relatório aponta que 81,5% dos crimes tiveram como acusados companheiros ou ex-companheiros das mulheres.

O número de denúncias de violência doméstica pelo telefone 190 cresceu 16%, chegando a uma por minuto em todo o país. As medidas protetivas de urgência, concedidas pela Justiça, também cresceram 3,6% no período.

Mesmo com aumento das denúncias, a quantidade de boletins de ocorrência de violência doméstica e lesão corporal teve uma queda de 7,4%. Para Marques, com a pandemia, mulheres vítimas de violência podem ter enfrentado uma maior dificuldade de acesso a delegacias especializadas em investigar esses crimes.

Queda nos crimes patrimoniais

No ano passado, o registro de crimes contra o patrimônio também caiu durante a pandemia, sintoma da queda de circulação de pessoas nas ruas.

Segundo o relatório, roubos de veículos tiveram queda 26,9% em relação a 2019. Assaltos a residência caíram 16,6% e a transeuntes, 36,2%. Já roubos de carga e a estabelecimentos comerciais registraram queda de 25,4% e 27,1%, respectivamente.

"Vínhamos notando desde 2019 a redução de crimes patrimoniais, mas alguns tiveram queda mais intensa na pandemia, como roubos a transeuntes. Com certeza a menor circulação de pessoas nas ruas contribuiu para a redução de oportunidades", explica Marques.

  • Leandro Machado e Paula Adamo Idoeta
  • Da BBC News Brasil em São Paulo
Professor Edgar Bom Jardim - PE