domingo, 18 de julho de 2021

EUA têm mais de 9 milhões de desempregados apesar de alta em salários e vagas de sobra


garçonete atendendo cliente em restaurante dos EUA

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Os restaurantes estão enfrentando dificuldades para encontrar funcionários

Faz 35 graus em uma tarde de julho em Washington D.C. e a fila da sorveteria só aumenta, a ponto de sair pela porta do estabelecimento. No caixa, um funcionário anota o pedido e recebe o pagamento. Em seguida, ele mesmo prepara as casquinhas e as entrega aos consumidores, para correr de volta ao caixa e atender o próximo cliente. Sozinho atrás do balcão, o atendente se desdobra. Mas a fila, composta por famílias sem máscara e ansiosas para aproveitar o primeiro verão pós-pandemia, não cede.

Comprar uma casquinha de sorvete no horário de pico de uma tarde ensolarada no fim de semana, na capital dos Estados Unidos, pode levar entre 20 minutos e meia hora. Há quem desista. No país do capitalismo de manual, a sorveteria perde clientes porque não consegue vender seu produto em tempo hábil.

Há vagas ali abertas há semanas - para contratar atendentes de balcão e gerente de turno - com salários entre US$12,50 e US$19 por hora. Mas não há candidatos para ocupá-las.

Essa história é um exemplo de um curioso fenômeno experimentado pelos Estados Unidos. Em franca recuperação econômica, depois de um tombo histórico só comparável ao da Grande Depressão de 1929, o país vive uma contradição: há muitas vagas de trabalho abertas, e também muitos desempregados, mas eles não se completam.

O bartender Eugene Barnett no balcão do bar

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O bartender Eugene Barnett afirma que trabalhadores do seu setor não aceitam mais ganhar 9 dólares por hora e por isso vagas ficam abertas por muito tempo

De acordo com o último dado do governo americano, a taxa de desemprego em junho de 2021 era de 5,9% - ou algo em torno de 9,5 milhões de pessoas. Os empregadores, no entanto, não conseguem contratar. A pesquisa da Federação Nacional de Negócios Independentes mostrou que, no mês passado, 46% dos pequenos empresários do país disseram não ter conseguido funcionários para suas vagas no período, mais do que o dobro da média histórica medida nos últimos 48 anos.


"Na movimentada temporada de verão, muitas empresas não conseguiram contratar trabalhadores suficientes para administrar com eficiência seus negócios, o que restringiu as vendas e a produção", afirmou o economista-chefe da federação, Bill Dunkelberg.

Salários aumentando e bônus de US$ 1 mil só por assinar contrato

"Em junho, vimos um percentual recorde de proprietários aumentando a remuneração para ajudar a atrair os funcionários necessários", completou Dunkelberg. A pesquisa mostra que 39% dos empresários subiram suas ofertas salariais no período. É o terceiro mês consecutivo de alta nas estimativas de pagamento aos trabalhadores americanos. No ano, a remuneração por hora de trabalho já acumula reajuste de 3,6%.

E os donos de negócios não têm apelado só a aumento de salário pra atrair mão de obra. Empresas do setor de serviços têm oferecido bônus de até US$ 1mil ao funcionário recém-contratado, apenas pelo fato de ele ter aceitado se vincular à empresa.

O bartender e gerente de cervejaria Eugene Barnett, de 42 anos, foi um dos profissionais que receberam uma proposta de emprego que lhe garantiria US$ 1 mil apenas pela assinatura do contrato. Barnett afirma que a proposta não o tentou porque a remuneração por hora não era tão significativa.

Antes da pandemia, ele conta que trabalhadores em bares na capital americana costumavam receber cerca de US$ 9 por hora. Agora, para atrair a mão de obra, é preciso oferecer algo em torno de US$ 15 por hora. Para ele, a resistência de parte dos chefes em aumentar os salários explica por que há o descasamento entre vagas e desempregados.

"Os empregadores querem oferecer ao trabalhador o mesmo salário de antes da pandemia, mas a realidade mudou. As pessoas não estão dispostas a se arriscar a contrair covid-19 em transporte público, e pagar por carro de aplicativo para ir ao trabalho é caro. Além disso, as escolas estão fechadas, bancar uma babá pra cuidar do seu filho não sai barato. Então, se fosse para receber o mesmo salário de antes, os trabalhadores acabariam tendo que pagar para trabalhar", afirma Barnett à BBC News Brasil.

Filas de desempregados em Nova York

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Muitas pessoas que perderam seus empregos agora recebem seguro-desemprego e outros tipos de assistência governamental

'Efeito preguiça' do seguro-desemprego?

Ele rechaça a tese de que os benefícios de seguro-desemprego oferecidos pela administração do democrata Joe Biden à população americana como forma de mitigar os danos econômicos da pandemia tenham criado o "efeito preguiça" na força de trabalho americana.

De março a setembro de 2021, os Estados Unidos aumentaram e facilitaram o acesso à cobertura assistencial para quem perdeu o emprego durante a pandemia de covid-19. Trabalhadores desempregados que se encaixam nos pré-requisitos do programa recebem 300 dólares por semana, ou US$ 1,2 mil por mês.

Alguns economistas afirmam que isso pode ter colocado um piso alto demais na remuneração para que os pequenos negócios de serviços, como restaurantes e bares, possam competir e retirar os trabalhadores de casa.

"Com o crescimento que estamos vendo na economia, era de se esperar que a geração de empregos mensais no país estivesse na casa do milhão. O número de junho, no entanto, veio apenas em 850 mil americanos recém-empregados. Parece óbvio que o programa de seguro-desemprego está retirando incentivo de certos trabalhadores saírem de casa", afirmou à BBC News Brasil Daniil Manaenkov, economista da Universidade de Michigan.

Os dados disponíveis, no entanto, não provam essa hipótese, ao menos por enquanto. Mais de 20 Estados americanos já cortaram, nas últimas semanas, o programa de seguro-desemprego federal de sua população, na expectativa de que isso aumentasse a busca por ocupação na região.

Os quatro primeiros a tomar essa iniciativa (Alasca, Iowa, Mississipi e Missouri) o fizeram há quase um mês. Ali, no entanto, as buscas por vagas desde então ficaram 4% abaixo da média nacional, de acordo com o site Indeed, um dos maiores agregadores de oportunidades de emprego no país.

Choque estrutural na economia

Ainda assim, Manaenkov acredita que o fim do auxílio federal e o retorno das aulas presenciais, programado para setembro, devem ajustar parcialmente a demanda e a oferta da força de trabalho. Manaenkov afirma, no entanto, que a normalização entre vagas e trabalhadores pode se alongar, já que a pandemia provocou o que ele chama de "choque estrutural na economia".

Loja oferecendo empregos na Califórnia

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Economia dos Estados Unidos continua a se recuperar após a chegada da pandemia, mas cada vez mais empresas reclamam que não conseguem encontrar pessoal

"De repente, setores inteiros - como hotelaria ou limpeza de prédios comerciais - foram drasticamente reduzidos pela covid-19. Esses trabalhadores dispensados tiveram que ser reabsorvidos em outras áreas - delivery de comida, fabricação de máscaras, por exemplo. Voltar à normalidade vai ser um novo choque estrutural", diz Manaenkov.

O bartender Barnett, com experiência de mais de uma década no ramo, é um exemplo disso. Nos períodos em que os bares em que trabalhava ficaram completamente fechados, ele se inscreveu para vagas tão diversas quanto corretor de seguros, vendedor de carros e atendente da varejista Amazon.

"Em dados momentos, era difícil acreditar que aquilo em que eu trabalhei por tantos anos voltaria a existir, que seria seguro. Parte dos meus colegas deixou a área de vez", conta Barnett, que contraiu covid-19 no trabalho e carrega o medo de uma nova infecção, apesar de estar vacinado.

Se tivesse abandonado o ramo de atuação, ele seria mais uma baixa num setor que se ressente da falta de experiência dos candidatos às vagas. Quase 90% dos empresários com vagas abertas disseram ter recebido muito poucas ou nenhuma candidatura de pessoas qualificadas para o trabalho, segundo a pesquisa da Federação Nacional de Negócios Independentes de junho.

O problema da economia americana pode soar ao leitor como bom demais para ser verdade, especialmente quando comparado a cenários como o do Brasil - onde a economia ensaia retomada, a despeito da taxa recorde de 14,7% de desempregados registrada pelo IBGE no primeiro trimestre de 2021. E, de acordo com os especialistas, a saída dos americanos da recessão pandêmica - com salários mais altos e vagas de sobra - é uma realidade "única" e "exclusiva" daquele país.

"A maior parte dos demais países do mundo, à exceção talvez da Alemanha, terão problemas fiscais e de desemprego muito mais graves para lidar", afirma Manaenkov.

  • Mariana Sanches - 
  • Da BBC News Brasil em Washington

Professor Edgar Bom Jardim - PE

sábado, 17 de julho de 2021

Brasil duplica armas registradas em um ano, e mortes violentas crescem na pandemia



Protesto em favor da posse de armas em Brasília em 9 de julho

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Protesto em favor da posse de armas em Brasília em 9 de julho; registro de armamentos praticamente duplicaram em um ano

O Brasil praticamente dobrou em um ano o número de armas registradas em posse de cidadãos, ao mesmo tempo em que as mortes violentas cresceram, a despeito do maior isolamento social durante a pandemia.

Essas são algumas das conclusões da mais recente edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado nesta quinta-feira (15/7) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

Segundo os dados do Sinarm, sistema da Polícia Federal que cadastra posse, transferência e comercialização de armas de fogo, houve 186.071 novos registros em 2020, um aumento de 97,1% em um ano. A maioria desses registros é de cidadãos privados.

A liberação de armas é uma das principais bandeiras defendidas pelo governo Jair Bolsonaro.

Enquanto especialistas em segurança pública apontam que a facilitação no acesso a armas favorece a violência, o governo argumenta que as medidas adotadas visam a desburocratização, a clareza das normas e "adequar o número de armas, munições e recargas ao quantitativo necessário ao exercício dos direitos individuais".


Também mais do que dobrou (aumento de 108%) a autorização de importações de armas de fogo de cano longo, categoria que inclui, por exemplo, carabinas, espingardas e fuzis.

Houve, ainda, alta de 29,6% nos registros de colecionadores, atiradores desportivos e caçadores, os chamados CACs.

"Diversos estudos mostram essa associação grande entre mais armas e homicídios", diz à BBC News Brasil David Marques, coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, embora ele destaque que homicídios são um fenômeno com múltiplas causas no país.

"Essa flexibilização no acesso a armas em curso desde 2019, junto à fragilização dos mecanismos de controle e rastreamento de armas cria um cenário explosivo do ponto de vista dos homicídios."

Abaixo, a BBC News Brasil mostra outros dados de violência no país durante a pandemia e que foram compilados pelo relatório.

Aumento de homicídios

Segundo o Anuário, o Brasil teve um aumento de 4% no número de mortes violentas intencionais em 2020, em comparação com o ano anterior.

Ao todo, 50.033 pessoas foram assassinadas no país no ano passado 78% morreram com ferimentos provocados por armas de fogo.

A maioria das vítimas era homens (91,3%), negros (76,2%) e jovens (54,3%).

Carro da polícia em cena de homicídio no Rio em 2016

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Homicídios cresceram 4% em 2020

O relatório aponta, também, que o Ceará foi o Estado com maior índice de homicídios no país, com 45,2 mortes violentas intencionais por grupo de 100 mil habitantes, seguido por Bahia (44,9) e Sergipe (42,6).

São Paulo é o ente federativo com menor taxa de homicídios, com nove mortes por 100 mil pessoas. Em seguida, vêm Santa Catarina (11,2) e Minas Gerais (12,6).

Letalidade policial

No ano passado, o número de mortos em intervenções da polícia chegou a 6.416 pessoas, uma ligeira alta de 0,3% em relação a 2019.

Segundo o anuário, 98,4% dos mortos eram do sexo masculino, 78,9% eram negros, e 76,2% tinham entre 12 e 29 anos.

O número de vítimas subiu mesmo com uma decisão do STF, de junho de 2020, que proíbe operações policiais em favelas do Rio durante a pandemia. A decisão permite ações apenas em "hipóteses absolutamente excepcionais".

Por outro lado, 194 policiais foram assassinados no país no ano passado, alta de 12,7%. O relatório aponta que 62,7% deles eram negros, 98,4% homens e 58,9% tinham entre 30 e 49 anos. Além disso, 72% dos policiais foram mortos durante o horário de folga.

Violência contra meninas e mulheres

No ano passado, 1.350 mulheres foram mortas em episódios classificados como feminicídio — quando o crime é motivado por violência doméstica ou discriminação por gênero. Alta de 0,7% em relação a 2019.

Segundo a publicação, 61,8% das vítimas eram negras e 74,7% tinham entre 18 e 44 anos. O relatório aponta que 81,5% dos crimes tiveram como acusados companheiros ou ex-companheiros das mulheres.

O número de denúncias de violência doméstica pelo telefone 190 cresceu 16%, chegando a uma por minuto em todo o país. As medidas protetivas de urgência, concedidas pela Justiça, também cresceram 3,6% no período.

Mesmo com aumento das denúncias, a quantidade de boletins de ocorrência de violência doméstica e lesão corporal teve uma queda de 7,4%. Para Marques, com a pandemia, mulheres vítimas de violência podem ter enfrentado uma maior dificuldade de acesso a delegacias especializadas em investigar esses crimes.

Queda nos crimes patrimoniais

No ano passado, o registro de crimes contra o patrimônio também caiu durante a pandemia, sintoma da queda de circulação de pessoas nas ruas.

Segundo o relatório, roubos de veículos tiveram queda 26,9% em relação a 2019. Assaltos a residência caíram 16,6% e a transeuntes, 36,2%. Já roubos de carga e a estabelecimentos comerciais registraram queda de 25,4% e 27,1%, respectivamente.

"Vínhamos notando desde 2019 a redução de crimes patrimoniais, mas alguns tiveram queda mais intensa na pandemia, como roubos a transeuntes. Com certeza a menor circulação de pessoas nas ruas contribuiu para a redução de oportunidades", explica Marques.

  • Leandro Machado e Paula Adamo Idoeta
  • Da BBC News Brasil em São Paulo
Professor Edgar Bom Jardim - PE

domingo, 11 de julho de 2021

Tratado global para controlar poluição por plástico ganha força

Até mesmo os produtores de plástico têm interesse em normas globais que resolveriam as inconsistências entre os países sobre resíduos do material.

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Poluição por plástico nos oceanos deve triplicar até 2040, aumentando a urgência de se encontrar uma solução global.

FOTO DE HANNAH WHITAKER, NAT GEO IMAGE COLLECTION

A simples sacola plástica passou a simbolizar o problema mundial crescente com relação a resíduo plásticos. Contudo, globalmente, existem sete definições do que é considerado uma sacola plástica — o que dificulta as iniciativas para reduzir a proliferação desses resíduos. 

Proibir o uso de sacolas plásticas, assim como de outras embalagens plásticas, é a medida mais comumente utilizada para controlar os resíduos do material. Até o momento, 115 nações adotaram essa abordagem, mas de maneiras diferentes. Na França, é proibido o uso de sacolas com menos de 50 mícrons de espessura. Na Tunísia, é proibido o uso de sacolas com menos de 40 mícrons de espessura.

Esses tipos de diferenças criam lacunas que possibilitam que as sacolas consideradas ilegais cheguem aos vendedores ambulantes e bancas de feira. Em 2017, o Quênia aprovou um projeto de lei de proibição de sacolas mais rigoroso do mundo e teve que enfrentar o contrabando de sacolas ilegais trazidas de Uganda e da Somália. O mesmo aconteceu com a Ruanda. 

Da mesma forma, milhões de mosquiteiros importados dos Estados Unidos para a Ruanda chegaram em embalagens plásticas cuja composição química não foi informada — mesmo após questionamento de um reciclador de Ruanda —  o que impediu sua reciclagem.

Para empresas globais como a Nestlé, que vende produtos alimentícios em 187 países, isso significa cumprir 187 regulamentações nacionais diferentes relacionadas às embalagens plásticas.

Esses são apenas três exemplos de centenas de políticas contraditórias, inconsistências e falta de transparência que estão arraigadas no comércio global de plásticos de tal maneira, que dificultam o controle do acúmulo crescente de resíduos plásticos. As definições não apenas diferem entre os países, como também não existem normas globais para essas práticas, como determinar quais materiais plásticos podem ser misturados em um produto, o que gera um potencial obstáculo para a reciclagem. Não existem métodos internacionalmente aceitos para mensurar o descarte de resíduos plásticos no meio ambiente. Sem padrões equivalentes ou dados específicos, solucionar o problema de resíduos desse material se torna praticamente impossível. 

Mas agora, uma solução pode estar a caminho. Um tratado global para lidar com resíduos plásticos está ganhando apoio crescente. Pelo menos 100 países já demonstraram concordar com esse tratado e os envolvidos nas negociações preliminares estão otimistas de que o acordo possa ser aprovado em um prazo que poderia fazer a diferença, assim como o protocolo de Montreal de 1987 que evitou o esgotamento do ozônio estratosférico.

“Basicamente, os governos não conseguirão fazer o que é necessário se não puderem contar com uma parceria e estrutura internacionais. Não vai dar certo”, afirma Hugo-Maria Schally, chefe da unidade de cooperação ambiental multilateral da Comissão Europeia. “É um problema concreto que exige uma solução concreta, e um acordo global providenciará isso.”

A mensagem de Schally para o setor é direta: “é possível trabalhar com políticas públicas para tornar o plástico sustentável e isso significa que podemos ser parte da solução, ou podemos ficar na defensiva e sermos parte do problema.”



ÁSTICO
Da prospecção ao descarte, entenda como o material é produzido a partir de combustíveis fósseis.

Aumento dos resíduos

O principal argumento contra a tentativa de pressionar um tratado entre as Nações Unidas e seus 193 estados-membros é que as negociações podem se arrastar por uma década ou mais e, com relação ao problema de resíduos plásticos, há pouco tempo a perder. 

Novos resíduos plásticos são produzidos anualmente a uma taxa de 303 milhões de toneladas (275 milhões de toneladas métricas). Até o momento, 75% de todo o plástico já produzido se tornaram resíduo e a produção deve triplicar até 2050. Um novo estudo realizado este ano sugere que o acúmulo de resíduos plásticos nos oceanos também deve triplicar até 2040, em uma média de 32 milhões de toneladas (29 milhões de toneladas métricas) por ano. 

Com números como esses, não é surpresa que nenhum dos países com parcelas mais significativas de liberação de resíduos plásticos no meio ambiente tenha conseguido obter o controle de seus resíduos mal administrados. E embora os tratados globais levem tempo, nenhuma questão ambiental dessa magnitude foi abordada de forma significativa sem um tratado. 

A poluição por plástico está em pauta nas Nações Unidas desde 2012. Em 2019, na última reunião presencial da Assembleia Ambiental da ONU em Nairóbi, as negociações sobre resíduos plásticos foram dificultadas principalmente pelos Estados Unidos, que se opuseram a um tratado vinculativo. O único acordo ao qual se chegou foi o de continuar com as negociações.

Na última década, a situação mudou drasticamente. “Em 2015, nenhum país expressou interesse em buscar um tratado global”, afirmou Erik Lindebjerg, que lidera a campanha de resíduos plásticos do World Wildlife Fund em Oslo. Ele ajudou a supervisionar a publicação do artigo The Business Case for a UN Treaty on Plastic Pollution (Estudo de Caso de Negócios para um Tratado da ONU sobre Poluição por Plástico, em tradução livre), elaborado em parceria com a Fundação Ellen MacArthur, que detalha como um tratado resolveria diversos problemas comerciais. “De certo modo, atingimos um ponto de saturação, então, de repente, é possível observar impactos em todos os setores.”

O setor também voltou atrás em sua oposição.  

“Nossa posição evoluiu de acordo com a situação”, relatou Stewart Harris, executivo do Conselho Americano de Química (ACC, na sigla em inglês), falando em nome do Conselho Internacional de Associações Químicas, uma associação química global da qual o ACC é membro. 

“Estávamos preocupados com a vinculação de um tratado global. Sentíamos que ainda não estávamos prontos para isso”, declarou ele. “Agora, isso mudou. Acreditamos que um instrumento global é necessário para nos ajudar a eliminar resíduos do meio ambiente e auxiliar as empresas a cumprirem compromissos voluntários.”

O que está em negociação 

As negociações preliminares já estão em andamento, todas voltadas para a próxima reunião presencial em Nairóbi, na qual há grandes esperanças de que seja possível chegar a um acordo para prosseguir com as discussões do tratado.

Os países escandinavos tradicionalmente realizam conferências sobre resíduos plásticos, com liderança da Noruega, atual presidente da Assembleia Ambiental da ONU. Mas outros grupos de nações também têm debatido sobre o assunto. Equador, Alemanha, Gana e Vietnã realizaram diversas reuniões, e mais uma está planejada para setembro. Pequenos países insulares, inundados por resíduos plásticos e que podem ser altamente prejudicados com as mudanças climáticas, conduziram suas próprias negociações preliminares.

O objetivo geral das primeiras negociações foi definir uma data limite para eliminação dos plásticos descartados nos oceanos. O restante da pauta está centrado em quatro tópicos, um conjunto congruente de definições e padrões que eliminaria inconsistências: a definição do que é uma sacola plástica; coordenação de metas e planos nacionais; acordo sobre padrões e metodologias de relatório; e criação de um fundo para construção de instalações de gestão de resíduos em locais de maior necessidade em países menos desenvolvidos.

Christina Dixon, oceanógrafa da Agência de Investigação Ambiental, uma organização ambiental sem fins lucrativos com sede em Londres e Washington, salienta que os métodos existentes para gerenciar o mercado de plástico não são sustentáveis. “Precisamos encontrar uma maneira de abordar o problema do plástico através de uma visão global. Temos um material que polui ao longo de todo o seu ciclo de vida e em diversos países. Nenhum país é capaz de enfrentar o desafio sozinho.”

O poder do público — e do diálogo

A opinião pública também está provocando mudanças. A poluição por plástico é uma das três preocupações ambientais mais prementes, junto com as mudanças climáticas e a poluição da água, de acordo com uma pesquisa de 2019 incluída no relatório do Estudo de Caso de Negócios para um Tratado da ONU. Jovens ativistas que foram às ruas em 2019 para protestar contra a falta de medidas referentes a mudanças climáticas também têm se interessado pelo problema de resíduos plásticos. Diversos estudos do setor mostram que as Gerações Z e Y estão pressionando os fabricantes de bens de consumo a aderir práticas de sustentabilidade.

Além disso, existe uma questão simples de que os lados opostos agora se comunicam. 

Em 2019, Dave Ford, ex-executivo publicitário cuja empresa oferecia viagens caras à Antártida, África e outras regiões a líderes corporativos, idealizou um cruzeiro de quatro dias das Bermudas ao mar de Sargaços para realizar uma conferência entre 165 pessoas que trabalham com resíduos plásticos. A lista de passageiros variava entre executivos da Dow Chemical e do Greenpeace. Em uma ação destinada a obter o máximo de publicidade, um ativista do Greenpeace dividiu o quarto com um executivo da Nestlé, o que ficou conhecido a bordo como “dormindo com o inimigo”. 

A ação funcionou. Muitos passageiros do cruzeiro ainda conversam entre si e as tensões que estavam crescendo diminuíram.

“Estamos tentando fazer com que todas as partes, que historicamente lutam entre si, entendam o papel de cada uma”, conclui Ford. “Em muitos casos, eles podem estar mais próximos do que pensam.” 

nationalgeographicbrasil.com/

Professor Edgar Bom Jardim - PE

Conheça Zé de Sofia, o agricultor que, sem apoio nem financiamento, planta de tudo no sertão do Moxotó



José Soare cultiva mais de 13 variedades de frutas e legumes
Crédito: Géssica Amorim/MZ Conteúdo

É num terreno de apenas quatro hectares que o agricultor José Soares, de 60 anos, mais conhecido como Zé de Sofia, cultiva pelo menos 13 variedades de frutas e legumes. Na propriedade, localizada na zona rural do município de Betânia, no sertão do Moxotó, a cerca de 396 quilômetros do Recife, é possível encontrar pés de banana, de manga, mamão, coco, romã, acerola, goiaba, caju, abacaxi, graviola e até culturas ainda mais improváveis para a região, como café e uva.

E isso tudo sem financiamento do governo nem consultoria técnica de organizações não-governamentais.

Zé de Sofia começou a investir nessas culturas há quatro anos, quando voltou de Petrolina, no vale do São Francisco. Há muito tempo, a região se destaca como polo produtor de fruticultura. Por lá, Zé de Sofia morou quase duas décadas e adquiriu conhecimentos que possibilitaram diversificar e aumentar a produção no pedaço de terra que possui no Moxotó. 

Na propriedade, Zé instalou um sistema de irrigação por gotejamento que aprendeu a utilizar em um curso de seis meses que fez no Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), quando ainda morava em Petrolina. As mangueiras que cruzam todo o seu terreno são chamadas de fitas gotejadoras, elas abastecem o solo na medida necessária, com a água de um poço artesiano cuja vazão é de 5 mil litros por hora. Para fazer a água chegar até as raízes das plantas, o agricultor usa uma bomba submersa, que eleva a pressão da água, fazendo com que ela chegue e se espalhe pela superfície com facilidade e constância. 

Ao todo, para fazer a instalação do sistema de irrigação e para iniciar a sua produção, com a compra de mudas e fertilizantes, Zé de Sofia diz ter gastado menos de R$ 10 mil. Ele fez tudo sozinho, desde a instalação da bomba, passando pela marcação dos pontos para estruturar e ligar as fitas gotejadoras, até a plantação e manutenção das mudas. 

José Soare cultiva mais de 13 variedades de frutas e legumes
Crédito: Géssica Amorim/MZ Conteúdo

Sem depender das chuvas

A terra de Zé dá frutos o ano inteiro. O agricultor ousou plantar e cultivar tipos de frutas e hortaliças cujas plantações são pouco comuns no lugar onde vive. Os agricultores vizinhos, por falta de conhecimentos específicos, recursos, incentivo, ou apenas por vontade, optam por culturas sazonais, como feijão, mandioca e milho, dependendo do tempo e da chuva. “No começo, o pessoal me chamava de doido, eu não tinha o apoio de quase ninguém. fui começando devagar, comprar as coisas aos poucos e fui experimentando, pra ver o que dava na terra. Tudo o que eu testei, deu”, conta seu Zé.

É importante dizer que o tipo de conhecimento e as ações que Zé de Sofia adquiriu e desenvolve facilitariam a vida e a produção de muitos outros agricultores que poderiam se alimentar e até mesmo vender o que é possível produzir em suas terras. Apesar de ter sucesso com a sua plantação, Zé, como outros produtores da região, ainda não conta com o apoio e incentivo diretos por parte de instituições que invistam em tecnologia de campo e na difusão de informações técnicas para o manejo correto e saudável da terra.

Pé de café - José Soare cultiva mais de 13 variedades de frutas e legumes
Crédito: Géssica Amorim/MZ Conteúdo

O agricultor ainda não produz alimentos orgânicos nem utiliza as técnicas da agroecologia. As uvas, por exemplo, necessitam de aplicação de fertilizantes químicos. Mas ele pretende que esse seja seu próximo passo.

Para isso, é necessário que ele se conecte a propostas que incentivem e facilitem a troca de conhecimentos entre quem domina técnicas mais saudáveis de cultivo e os pequenos produtores, a exemplo da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA). Esta rede é formada por mais de três mil organizações  que difundem e põem em prática políticas públicas de convivência com o semiárido em 10 estados que integram a região (do norte de Minas Gerais ao sul e leste do Maranhão), conectando pessoas que defendem os direitos e interesses de comunidades e moradores da região.

O principal foco de atuação da ASA é o estoque de água, a agroecologia e a distribuição de sementes e orientação para plantios. Seu programa de maior visibilidade é o P1MC, ou Programa 1 milhão de Cisternas, que garante o acesso a água de qualidade a moradores do semiárido, através da construção de cisternas com placas de cimento, ao lado das casas de famílias que vivem na zona rural da região, para captar e reaproveitar a água das chuvas. 

Fonte MarcoZero.org

Professor Edgar Bom Jardim - PE