sexta-feira, 9 de abril de 2021

Quem faz parte da família real britânica e como ela funciona?


Príncipe Philip em foto de julho de 2020, sorrindo e olhando para o lado

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Príncipe Philip em foto de julho de 2020; ele morreu nesta sexta-feira (09/04) aos 99 anos

O príncipe Philip, duque de Edimburgo, morreu nesta sexta-feira (09/04) aos 99 anos de idade.

Ele foi casado com a rainha Elizabeth 2ª por 73 anos e foi o consorte mais longevo da realeza britânica.

Vamos recapitular pontos básicos para entender a família real britânica.

Quem faz parte da família real?

A rainha é a chefe de Estado do Reino Unido desde 1952, quando seu pai, o rei George VI, morreu. Ela está no poder há mais tempo do que qualquer outro monarca britânico, e é também chefe de Estado de 15 outros países da Commonwealth (a Comunidade Britânica, que reúne antigas colônias).

A rainha, de 94 anos, e seu falecido marido, o príncipe Philip, têm quatro filhos (Edward, Andrew, Anne e Charles), oito netos e nove bisnetos.

Elizabeth e Philip caminhando em direção ao altar, em foto preto e branco

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Ainda princesa, Elizabeth casou com o príncipe Philip em 1947

São também membros da família real britânica:

  • O príncipe de Gales (príncipe Charles), 72, casado com a duquesa da Cornuália (Camilla) — ele é o filho mais velho da rainha e é o próximo na linha de sucessão ao trono;
  • O duque de Cambridge (príncipe William), casado com a duquesa de Cambridge (Catherine) — ele é o filho mais velho do príncipe de Gales e de Diana, princesa de Gales;
  • O duque de Sussex (príncipe Harry) é irmão de William e casado com a duquesa de Sussex (Meghan); no ano passado, o casal anunciou seu afastamento dos deveres da família real, e hoje vive com o filho pequeno, Archie, em Los Angeles (EUA).

Como entrar para a realeza?

Alguém que se casa com um membro da realeza torna-se também membro da família real, ganhando um título.

Por exemplo, Lady Diana Spencer se tornou princesa de Gales quando se casou com o príncipe Charles em 1981.

No entanto, para se tornar rei ou rainha, é preciso ter nascido na família real.

O príncipe Charles é o primeiro na linha de sucessão; seu filho mais velho, o príncipe William, é o segundo; e o filho mais velho de William, o príncipe George, é o terceiro.

Árvore genealógica com fotos e nomes dos membros da família real
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Como são os casamentos reais?

As cerimônias costumam acontecer em lugares tradicionais e grandiosos, atraindo multidões à sua volta.

A rainha e o príncipe Philip se casaram em 1947 na milenar Abadia de Westminster, em Londres.

Mais de seis décadas depois, em 2011, multidões foram às ruas em volta da abadia para celebrar o casamento de William e Catherine Middleton, que então se tornaram o duque e a duquesa de Cambridge.

Kate e William na carruagem, com trajes de casamento
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No dia do casamento, o duque e a duquesa de Cambridge foram levados de carruagem da Abadia de Westminster para o Palácio de Buckingham

Outros membros da realeza, como o príncipe Harry e Meghan Markle, já se casaram na St. George's Chapel, no Castelo de Windsor, que existe há mais de 900 anos.

Bebês reais

Vários membros da realeza nasceram no hospital St. Mary's, em Londres.

Foi lá que a princesa Diana deu à luz ao príncipe William e ao príncipe Harry, e que a duquesa de Cambridge teve seus três filhos: príncipe George, hoje com 7 anos; princesa Charlotte, 5; e o príncipe Louis, 2.

Diana e Charles segurando juntos e olhando para William, bebê, fora do hospital

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O príncipe William nasceu em 1982 no hospital St Mary's, em Londres

O que a família real faz?

O governo britânico é chamado de governo da Sua Majestade, mas a rainha praticamente não tem poder político.

Ela se reúne com o primeiro-ministro uma vez por semana, como um lembrete de seu lugar no governo, mas o primeiro-ministro não precisa de sua aprovação para decisões.

A rainha e outros membros da realeza também cumprem compromissos oficiais — estes muitas vezes representando-a. Por exemplo, o duque e a duquesa de Cambridge realizaram uma visita oficial à República da Irlanda em março passado.

Kate e William descendo do avião

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Em compromisso oficial, o duque e a duquesa de Cambridge foram recentemente à República da Irlanda

Muitos são patronos de instituições de caridade e alguns criaram suas próprios iniciativas, como um programa de incentivo para jovens do duque de Edimburgo.

Membros da família real também têm laços estreitos com as forças armadas. O príncipe William serviu na Força Aérea Real e o príncipe Harry, no Exército.

Harry sentado em terreno árido, mirando uma metralhadora para fora da janela e sorrindo para foto

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Servindo no Exército, o príncipe Harry foi para o Afeganistão

Membros da realeza sempre desempenham compromissos oficiais?

Não. No ano passado, o príncipe Harry e Meghan, duquesa de Sussex, anunciaram que abriram mão de seus deveres como membros da família real, planejando trabalhar para se tornarem financeiramente independentes.

O Palácio de Buckingham confirmou que o casal abriu mão de nomeações militares honorárias e patrocínios reais, que serão redistribuídos aos funcionários da família real.

Harry e Meghan sorrindo e caminhando lado-a-lado

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O duque e a duquesa de Sussex agora vivem nos EUA com o filho pequeno, Archie

O duque de York, príncipe Andrew, se afastou dos deveres reais em 2019 depois de dar uma entrevista à BBC na qual falou de sua amizade com Jeffrey Epstein, condenado por abusos sexuais.

Como a família real é sustentada?

Todos os anos, o governo do Reino Unido repassa à rainha um único pagamento, chamado de Sovereign Grant ("Subsídio Soberano").

A quantia se baseia em 25% da receita do Crown Estate de dois anos antes. A Crown Estate é uma empresa comercial independente — inclui a posse do parque real de Windsor e do autódromo de Ascot, em Berkshire, mas é composta principalmente de propriedades residenciais e comerciais.

O Sovereign Grant, que foi de £ 85,9 milhões para 2020-21, financia deveres reais oficiais e os palácios reais.

O príncipe Charles tem também uma receita advinda do Ducado da Cornuália — um vasto portfólio de propriedades e investimentos financeiros, que rendeu £ 22,3 milhões no ano passado.

Onde moram os membros da Família Real?

Em sacada, membros da família real olham para cima

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Em 2019, membros da família real comemoraram o aniversário da rainha no Palácio de Buckingham

A residência oficial da rainha é o Palácio de Buckingham, em Londres.

Ela geralmente passa os fins de semana e o mês da Páscoa no Castelo de Windsor, em Berkshire. Durante a pandemia de coronavírus iniciada em 2020, ela morou lá — e foi em Windsor que o príncipe Philip morreu.

O príncipe Charles e a duquesa da Cornuália vivem em Clarence House, a menos de 800m do Palácio de Buckingham.

O príncipe William e Catherine, duquesa de Cambridge, também vivem nas proximidades, no Palácio de Kensington.
BBC

Professor Edgar Bom Jardim - PE

quarta-feira, 7 de abril de 2021

Quem era Salomé, a menina que Santo Agostinho transformou em 'mulher sem-vergonha'



A dança de Salomé, de Benozzo Gozzoli

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A dança de Salomé, de Benozzo Gozzoli

Entre os arquétipos femininos da Antiguidade aclamados pela cultura pop nos últimos anos estão Cleópatra, as Amazonas e Afrodite.

Mas Salomé, uma heroína adorada até o início do século 20, caiu em relativo esquecimento. Uma injustiça que deve ser reparada!

Os Evangelhos nos contam sobre o assassinato de João Batista no final de um famoso banquete por volta do ano 29 em que se diz que Salomé dançou. O objetivo da festa era comemorar o aniversário de Herodes Antipas, o tio-avô da jovem e tetrarca, ou seja, governador de alguns territórios no sul do Oriente Médio em nome dos romanos.

A dança de Salomé ocorreu numa das fortalezas de Antipas, em Maqueronte, que o escritor francês Gustave Flaubert (1821-1880), em 'Herodíade', um dos "Três contos" publicados em 1877, muito acertadamente situa a leste do Mar Morto.

Antipas havia prendido e encarcerado João Batista, um pregador popular cujas violentas tiradas contra a ordem estabelecida poderiam ter incitado uma revolta.

João Batista também foi considerado culpado de insultos contra Herodíade, esposa de Antipas.

Herodíade não se cansava de exigir que o insolente profeta fosse morto.

Catedral de Rouen

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Tímpano da Catedral de Rouen, em que Salomé pode ser vista dançando durante o banquete de Antipas e, à direita, entregando a cabeça de São João Batista a Herodíade

Mas Antipas não estava certo disso, porque sabia que João Batista era um homem justo e santo, como podemos ler no Evangelho segundo São Marcos.

O aniversário de Antipas ofereceu a Herodíade o momento propício para atingir o que queria. A esposa do tetrarca compareceu à festa acompanhada da filha Salomé, fruto de um casamento anterior.

Durante o banquete, a filha de Herodíade começou a dançar e agradou a Herodes e seus convidados. O tetrarca, como um gesto de gratidão, lhe fez uma promessa: "Tudo o que você me pedir, eu darei a você, mesmo metade do meu reino."

Então, Salomé, sob a influência de sua mãe, reivindicou "em um prato, a cabeça de João Batista".

O tetrarca não se atreveu a recusar, para não ficar mal diante de seus convidados. Ele imediatamente enviou um guarda para decapitar João Batista em sua cela. E Salomé recebeu a cabeça, que deu à sua mãe.

A princesa Salomé nasceu no ano 18 e, portanto, tinha apenas 11 ou 12 anos naquela época.

O termo grego pelo qual ela é definida no Evangelho é "korasion", um diminutivo neutro de "korè" (menina). A palavra "korasion" não apenas evoca uma garota, mas também a priva de toda feminilidade.

A dança de Salomé não era, portanto, uma dança erótica, a menos que suponhamos que os evangelistas recorressem à ironia.

Ou seja, a hipótese de que uma mulher sedutora estrelasse aquela dança parece improvável, de acordo com as escrituras.

Na origem do mito da dança de Salomé, talvez não houvesse nada mais do que a performance de uma menina por ocasião do aniversário de seu tio-avô.

Banquete de Herodes, de Lucas Cranach o Velho (1531), Hartford, Connecticut

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Banquete de Herodes, de Lucas Cranach o Velho (1531), Hartford, Connecticut

Salomé, uma menina transformada em uma mulher 'sem-vergonha'

Salomé sofre uma metamorfose como figura erótica três séculos após a escrita dos Evangelhos, no Sermão 16 (Pela decapitação de São João Batista) de Santo Agostinho.

Aqui, Salomé mostra os seios no decurso de uma dança frenética: "Às vezes inclina-se de lado e mostra seu flanco perante os espectadores; às vezes, na presença destes homens, mostra os seios".

Dessa forma, Salomé se tornou uma adolescente sem-vergonha e fatal. Como outras figuras semelhantes nas sociedades patriarcais, ela personifica o perigo feminino contra o qual os homens devem se proteger.

A famosa dança pode muito bem ter ocorrido. No entanto, como aponta o historiador americano Harold W. Hoehner, os Evangelhos não atribuem nenhuma conotação erótica à performance de Salomé.

Santo Agostinho tornou-se assim um promotor do destino excepcional de Salomé, cuja condenação logo se tornou uma fantasia. A dança da menina foi um grande sucesso desde a Idade Média.

No tímpano do pórtico de São João, na catedral de Rouen, que Flaubert conhecia bem, a acrobática Salomé se contorce com a cabeça baixa e as pernas levantadas.

No século 15, o pintor italiano Benozzo Gozzoli retrata uma adolescente orgulhosa que não hesita em atrair Antipas com os olhos.

Salomé por Franz von Stuck, 1906

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Salomé por Franz von Stuck, 1906

Atordoado, o tetrarca tem a mão direita imobilizada sobre o coração, enquanto, com a outra, agarra uma faca de cozinha erguida sobre a mesa do banquete, um símbolo fálico discreto que sugere sua excitação.

Salomé também é retratada, repleta de confiança, por Lucas Cranach, o Velho (1531): ela não parece impressionada com a cabeça ensanguentada que carrega no prato, como o troféu de sua vitória, enquanto Antipas faz um gesto de desgosto.

Cranach destaca a oposição entre a beleza orgulhosa de Salomé e o tetrarca, retratado como uma grande figura com um olhar pesado. O artista também brinca com o contraste entre a elegância da jovem virgem e o rosto do profeta decapitado, mesclando erotismo e crueldade em uma obra que pode ser qualificada como sádica.

Ameaça feminina em dobro

Em 1877, quando publicou "Herodíade", Flaubert lembrou o contorcionista no tímpano da Catedral de Rouen. Ele também se inspirou em suas próprias experiências, especialmente na companhia dos dançarinos Kuchuk Hanem e Azizeh, que conheceu no Egito.

A personagem de Salomé expressa tanto a atração quanto o terror causado pelo poder de sedução. A queda do santo simboliza a castração do homem alienado pelo desejo.

Um desejo que enfeitiça e impede qualquer julgamento, despertado pela simples visão de partes do corpo feminino: "Aproximou-se um braço nu, um braço jovem e encantador."

O físico da jovem está fragmentado. Seus vários enredos ou características ajudam a despertar o desejo do espectador: "Os arcos de seus olhos, a calcedônia de suas orelhas, a brancura de sua pele".

A dança dos sete véus, de Gaston Bussière (1925)

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A dança dos sete véus, de Gaston Bussière (1925)

As roupas também são detalhadas, destacando a carne que a torna ainda mais atraente: "Um véu azulado que cobre o peito e a cabeça", "sapatinhos de beija-flor".

Flaubert expressa uma espécie de fetichismo pelos sedutores adornos femininos orientais. Esta imagem foi posteriormente utilizada no cinema, na dança de Brigid Bazlen encarnando Salomé no filme "O Rei dos Reis" (1961), de Nicholas Ray.

Embora o título da história se refira apenas a Herodes, a obra é construída sobre uma duplicação da ameaça feminina por meio das figuras intimamente relacionadas da mãe, verdadeira mestre de cerimônias, e sua filha, não menos formidável, como executora da vontade materna.

É assim que Antipas cai nas redes dessas duas mulheres fatais: a manipuladora e a feiticeira.

Idolatria em baixa

Depois de Flaubert, Salomé ainda povoou o imaginário ocidental por algumas décadas. Em 1891, o escritor irlandês Oscar Wilde inventou o tema da dança dos sete véus para sua obra Salomé, posteriormente trazida para a música pelo compositor e maestro alemão Richard Strauss (1905). A figura de Salomé atingiu então o seu apogeu artístico.

Mais tarde, foi encarnada no cinema por algumas atrizes sulfurosas como Rita Hayworth ("Salomé", de William Dieterle, 1953) ou Brigid Bazlen ("O Rei dos Reis", de Nicholas Ray, 1961). E em 1988, Imogen Millais-Scott desempenhou perfeitamente o papel de uma lolita atrevida em "Salomé" de Ken Russell.

Mas na segunda metade do século 20, o fascínio do público pela dançarina bíblica desaparece em favor de novos ícones femininos ou feministas mais contemporâneas e positivas.

Salomé não é mais um ídolo de nosso tempo.

*Christian-Georges Schwentzel é professor de História Antiga na Universidade de Lorraine (França)

Este artigo foi publicado originalmente no site The Conversation. Clique aqui para ler o artigo original em espanhol.

Professor Edgar Bom Jardim - PE