quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Secult-PE e Sesc-PE firmam acordo de cooperação técnica para execução da Lei Aldir Blanc


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A Secretaria Estadual de Cultura (Secult-PE) e o Serviço Social do Comércio em Pernambuco (Sesc-PE) assinaram, na última quarta-feira (23), um acordo de cooperação técnica com o objetivo de oferecer um suporte aos munícipios do Estado na execução do Inciso II da Lei Aldir Blanc – que trata dos pagamentos do subsídio mensal aos espaços culturais e aos coletivos que ficarão a cargo das prefeituras. Os detalhes da parceria serão publicados no Diário Oficial de Pernambuco.

Nessa parceria entre as entidades, o Sesc-PE disponibilizará unidades distribuídas por todas as regiões do Estado, além de uma equipe de instrutores e instrutoras para dar suporte remoto sobre o uso do Mapa Cultural de Pernambuco (www.mapacultural.pe.gov.br) a gestores municipais e responsáveis por espaços culturais e coletivos artísticos que vão solicitar o subsídio emergencial presente no inciso II da Lei Aldir Blanc.

Algumas unidades disponibilizadas pelo Sesc-PE são as de Araripina, Belo Jardim, Casa Amarela (Recife), Caruaru, Petrolina, Santo Amaro (Recife), São Lourenço e Triunfo.

Mais de 150 municípios já assinaram o termo de adesão de uso do Mapa Cultural de Pernambuco para utilizar a plataforma para operacionalizar o cadastramento e a concessão dos benefícios previstos na Lei nº 14.017/202, referente aos incisos II e III do seu Artigo 2º, destinados aos municípios.

“Como praticamente todos municípios apresentam dificuldades para mobilizar recursos e pessoal para essa tarefa complexa durante uma pandemia e a Secult-PE não possui estrutura física no Estado para realizar os atendimentos necessários porque também precisa dividir sua atenção com aplicação da renda emergencial, a capilaridade do Sesc em todas as regiões de Pernambuco, e sua expertise sobre o segmento cultural e reconhecida atuação no campo, serão de grande importância para a execução da Lei Aldir Blanc em Pernambuco”, detalha Gilberto Freyre Neto, secretário de Cultura de Pernambuco.

Já de acordo com o presidente do Sistema Fecomércio/Sesc/Senac PE, Bernardo Peixoto, será ofertado suporte aos usuários, que poderão ser tanto pessoas físicas quanto espaços ou coletivos culturais, para acesso ao cadastro no Mapa Cultural de Pernambuco nas localidades onde existirem unidades do Sesc-PE. “Também será viabilizado um treinamento, prioritariamente com professores e instrutores do Sesc-PE, para gestores municipais para fins de execução da Lei Aldir Blanc”, detalha.

LEI ALDIR BLANC EM PE - A Lei 14.017/2020 foi regulamentada pelo Governo Federal pelo Decreto nº 10.464, de 18 de agosto de 2020 e tem o objetivo de auxiliar trabalhadores da cultura e da arte, além de espaços, empreendimentos, organizações, cooperativas, pontos de cultura e iniciativas do setor que tiveram as suas atividades interrompidas pela pandemia da Covid-19.

O texto definiu as ações emergenciais e o valor de R$ 3 bilhões para todo o País, abrangendo, conforme o art. 2º, três categorias: (Inciso I) auxílio financeiro a pessoa física – como o benefício da renda básica emergencial; (Inciso II) subsídio aos espaços e às organizações; e (Inciso III) editais, chamadas públicas e prêmios para propostas realizadas e transmitidas, preferencialmente, em meios digitais e online.

Foram enviados R$ 74 milhões ao Governo do Estado e outros R$ 69 milhões estão sendo destinados aos municípios pernambucanos, totalizando R$ 143 milhões. Os valores correspondentes aos municípios serão repassados diretamente aos cofres das prefeituras.

Vale destacar que o Sesc-PE também é parceiro da Secult-PE na comissão de análise que irá avaliar as propostas dos editais, chamadas públicas e prêmios que surgirão com o Inciso III da Lei Aldir Blanc. O formato desses editais e chamadas públicas será anunciado nos próximos dias.

Para mais informações sobre a Lei Aldir Blanc em Pernambuco, acesse: www.cultura.pe.gov.br/leialdirblanc.


Professor Edgar Bom Jardim - PE

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Secult-PE lança cartilha sobre execução da Lei Aldir Blanc de Emergência Cultural



Divulgação

Divulgação

O documento reúne informações a respeito da Lei Aldir Blanc e de sua execução no Estado de Pernambuco

A Secretaria de Cultura de Pernambuco lança mais um produto que visa reunir todas as informações relativas à execução da Lei Aldir Blanc no Estado. A Cartilha da Lei Aldir Blanc em Pernambuco oferece um material de apoio aos artistas e fazedores de cultura que podem se beneficiar com os recursos que serão geridos pelo Governo de Pernambuco, além de dar transparência a todo processo. Foi disponibilizado para Pernambuco um total de R$ 143.366.541,48 , sendo que ao governo estadual coube o valor de R$ 74.297.673,60, e aos municípios, R$ 69.068.867,88

O documento compila e edita variados conteúdos, gerados por grupos técnicos de trabalho criados no âmbito do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura para a execução da lei 14.017/2020, conhecida como Lei Aldir Blanc de Emergência Cultural. Também tem a contribuição  da Agência de Tecnologia da Informação (ATI) do Governo de Pernambuco, da Secretaria de Cultura de Sergipe, da Rede de Mapas Culturais do Brasil e, em especial, da Secretaria de Cultura do Ceará que, dentre todos os apoios que têm dado à Secult-PE, nos auxilia com seu modelo de cartilha.

Em Pernambuco, a Lei Aldir Blanc está sendo executada através do Mapa Cultural de Pernambuco. Por meio do endereço www.lab.mapacultural.pe.gov.br, o beneficiário que atender aos requisitos para recebimento do Inciso I da lei, que se refere ao benefício de R$ 600 à Pessoa Física, já pode fazer sua solicitação. Na próxima sexta-feira (25), será lançada a inscrição para o Inciso II, referente à solicitação de apoio para equipamentos culturais, empresas culturais sem fins lucrativos, pontos de cultura, etc.

Em sua primeira versão, a cartilha se dirige aos gestores municipais, artistas, trabalhadores e trabalhadoras de todos os segmentos da arte e da cultura de Pernambuco. Seu objetivo é reunir o maior número de informações sobre a Lei Aldir Blanc, desde sua elaboração até as etapas de execução atuais, contribuindo assim para maior compreensão e transparência no processo de sua execução.

O documento destaca ainda os parceiros de Pernambuco que, a partir da troca de ideias e experiências, estão contribuindo para as decisões e estratégias do Estado. A Secult-PE firmou parcerias com os: Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura; Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Culturais das Capitais e Municípios Associados; Fórum de Gestores de Cultura, Associação Brasileira de Municípios; Confederação Nacional Municipalista; Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Cultura-CONECTA; os três Conselhos Estaduais: o de Políticas Culturais, o de Preservação do Patrimônio Cultural e o de Audiovisual, além do Sesc-PE. Internamente, a Secult-PE se associou a diversos órgãos estaduais, para a  criação de uma força-tarefa inédita no setor cultural e artístico, com o fim de garantir uma eficaz execução da Lei Aldir Blanc em Pernambuco.

CONFIRA AQUI A CARTILHA DA LEI ALDIR BLANC.

http://www.cultura.pe.gov.br/

Professor Edgar Bom Jardim - PE

Magazine Luiza: dar vagas só para negros é ‘racismo reverso’?



Divulgação do trainee só para negros do Magazine Luiza


Anúncio do primeiro processo seletivo exclusivo para admissão de trainees negros pelo Magazine Luiza gerou polêmica nas redes sociais

O anúncio do primeiro processo seletivo exclusivo para admissão de trainees negros pelo Magazine Luiza gerou polêmica e dividiu as redes sociais no fim de semana.

De um lado, usuários elogiaram a iniciativa, que viram como uma forma de corrigir a desigualdade racial no mercado de trabalho brasileiro, em que negros (pretos e pardos) ocupam somente 30% dos postos de chefia, apesar de serem mais da metade da população, segundo dados do IBGE. Do outro, houve os que consideraram a ação crime de "racismo" - alguns chegaram inclusive a recorrer ao termo "racismo reverso" para criticar a empreitada da empresa.

Mas do ponto de vista jurídico, quem tem razão?

Segundo especialistas do Direito consultados pela BBC News Brasil, a decisão do Magazine Luiza de contratar apenas funcionários negros como trainees em 2021 se enquadra no que chamam de "ação afirmativa", ou seja, que visa a combater os efeitos acumulados de discriminações ocorridas no passado.

Sendo assim, não poderia ser considerada "crime de racismo", dizem.

As cotas, lembram os especialistas, são um exemplo disso.

Eles destacam ainda que, embora no Brasil todos os cidadãos possuam direitos legais de igualdade, garantida pelo artigo 5º da Constituição, nem todas as pessoas se beneficiam efetivamente deles.

O próprio Magazine Luiza, ao justificar o anúncio do processo seletivo, afirmou que sua intenção era aumentar a diversidade do quadro de funcionários da empresa.

"Atualmente, temos em nosso quadro de funcionários 53% de pretos e pardos. E apenas 16% deles ocupam cargos de liderança. Precisamos mudar esse cenário", disse a empresa no Twitter.

"Por isso, queremos desenvolver talentos negros como nossas futuras lideranças e ajudar a ampliar a voz da negritude no processo de digitalização no Brasil", acrescentou.

Davi Tangerino, advogado criminalista e professor da UERJ e da FGV-SP, diz que embora lei n. 7716/89 tipifique como crime "negar ou obstar emprego em empresa privada", com prisão de dois a cinco anos, "ninguém está obstruindo a contratação de brancos. Entre as várias ações do Magazine Luiza, essa foi dedicada a candidatos negros".

"A medida não foi tomada para impedir a contratação de brancos, mas para promover a igualdade racial dentro dos quadros da empresa. O oposto do que se criminaliza", diz ele à BBC News Brasil.

"A Constituição fala em igualdade e isso não significa que somos iguais, mas devemos ser tratados como iguais. Sabemos que os negros são fortemente excluídos do mercado do trabalho. Como falar em crime de racismo se os brancos ainda são maioria no acesso às vagas de trabalho?", questiona.

"Ou seja, só faz sentido o direito penal intervir numa situação de assimetria de poder. Não podemos, portanto, falar de crime de racismo ou'"racismo reverso'. As minorias não tem o poder de impor essa segregação contra as maiorias."

"O objetivo da ação do Magazine Luiza é a promoção de sociedade igual e justa. Tachá-la de racismo não se sustenta, pois, caso contrário, partindo desse argumento, não poderíamos ter a lei Maria da Penha (de proteção a mulher), direitos para os consumidores, benefícios para empregados, etc", conclui.

Mulheres negras
Legenda da foto,

Negros (pretos e pardos) ocupam somente 30% dos postos de chefia, apesar de serem mais da metade da população, segundo dados do IBGE

Alessandra Benedito, professora na Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), concorda. Segundo ela, "o que a lei permite é desigualar para igualar".

"Ações afirmativas, como a do Magazine Luiza, são uma garantia legal para assegurar igualdade de oportunidades. Ou seja, viabilizam acesso a pessoas que não conseguiram estar no mercado de trabalho de forma igualitária", diz ela à BBC News Brasil.

"Essas ações têm tempo para começar e terminar, e justificativa plausível para sua existência. Vivemos o mito da democracia racial. Sabemos que negros e brancos não estão em pé de igualdade", acrescenta.

Segundo Benedito, uma iniciativa como essa só poderia ser considerada "crime de racismo" se a igualdade de oportunidades já tivesse sido alcançada. Neste caso, a empresa estaria priorizando "deliberadamente" um grupo em detrimento de outro "sem qualquer justificativa plausível".

"Este definitivamente não é o caso", assinala.

Uma nota publicada pelo próprio Ministério Público do Trabalho (MPT) reforça "a importância das ações afirmativas destinadas à promoção de igualdade de oportunidades, ao enfrentamento ao racismo e à promoção da igualdade racial no mercado de trabalho".

"O Ministério Publico do Trabalho reforça o chamamento às empresas para a execução do Projeto Nacional de Inclusão de Jovens Negras e Negros/MPT e pelo respeito às ações positivas tendentes à promoção da igualdade racial no trabalho, no marco do texto constitucional, tratados internacionais e legislação nacional, posto ser o dever institucional desse ramo de Ministério Público defender a ordem legal e constitucional, envidando todos os seus esforços para a tutela do trabalho, pugnando para que trabalhadores, empregadores e sociedade aliem-se nesse propósito maior: realização dos princípios da igualdade e da justiça social", informou o órgão no comunicado.

Segundo o MPT, "já há posição institucional sobre a matéria, consubstanciada na Nota Técnica do GT Raça".

Outro lado

Mas há os que pensam diferente.

No Twitter, os deputados bolsonaristas Carlos Jordy (PSL-SP) e Daniel Silveira (PSL-RJ), disseram que formalizariam uma ação contra o Magazine Luiza, alegando que a empresa estaria cometendo um ato de racismo.

Também na mesma rede social, a juíza do Trabalho Ana Luiza Fischer Teixeira de Souza Mendonça disse que a iniciativa é "inadmissível".

"Discriminação na contratação em razão da cor da pele: inadmissível", escreveu ela no Twitter.

"Na minha Constituição, isso ainda é proibido", acrescentou a juíza, ao responder um comentário feito na publicação.

Horas depois de publicar o tuíte, a magistrada o apagou e fechou sua conta, restringindo o acesso apenas a seguidores.

Antes, ela havia compartilhado uma postagem sobre o programa de trainee que questionava: "E esse racismo, é do bem?". A publicação, do deputado federal Paulo Eduardo Martins (PSC-PR), falava sobre a iniciativa do Magazine Luiza.

Fischer é juíza no TRT-3 (Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais) e integrou a comissão de redação da reforma trabalhista do governo Michel Temer (MDB).

Djamila Ribeiro
Legenda da foto,

Para Djamila Ribero, é 'ilógico' acreditar em 'racismo reverso'

'Espantalho discursivo'

Autora do livro Pequeno Manual Antirracista, a filósofa Djamila Ribeiro diz ser "ilógico" o conceito de "racismo reverso".

"É ilógico acreditar em racismo reverso pois se trata de uma falta de entendimento do que é o racismo como um sistema de opressão", explica.

"Para haver racismo, é preciso haver relações de poder. Quando os oprimidos reivindicam seus direitos normalmente são confrontados pelos opressores que fazem uso da chamada 'lógica da inversão'. Ou seja, acusando aqueles que estão reivindicando direitos legítimos de criar o problema".

"Essa é uma tática muito usual. Isso mostra que no Brasil existe um desconhecimento do que foi a escravidão. Justamente por causa desse legado, que estrutura nossa sociedade, a população negra ainda está alijada de muitos direitos. Ações como essa, do Magazine Luiza, cumprem o princípio de equidade de Aristóteles, que é tratar desigualmente os desiguais para que se possa promover a equidade", acrescenta.

"Se tratarmos igualmente os desiguais, não mudamos o status quo".

Ribeiro chama o racismo reverso de "espantalho discursivo" ou uma "distração".

"Isso não faz o mínimo sentido. Sabemos que o racismo é um sistema de opressão que, no Brasil, desumaniza pessoas negras e indígenas".

"Também pode ser uma distração, uma maneira de distrair para que a gente não foque no debate central, que é o do sistema racista e como ele historicamente vem violentando o povo negro", conclui.

  • Luis Barrucho - 
  • Da BBC News Brasil em Londres
Professor Edgar Bom Jardim - PE

terça-feira, 22 de setembro de 2020

'Apenas a vida de vocês importa?': o desabafo de quem continua isolado em meio a aglomerações no país



Luciana Viegas estava em um quarto de hospital ao lado do filho de três anos, que respirava com a ajuda de um balão de oxigênio — com suspeita de covid-19, depois negada por um teste —, enquanto via no seu celular fotos de amigos em praias e bares.

A professora de educação básica em Várzea Paulista (SP) resolveu desabafar.

"Eu me tranquei durante cinco meses. Eu não fui ao mercado durante quase dois meses. Eu não fiz festa, eu não participei de festa. Cinco meses com duas crianças full time, sobrecarga, choro no portão querendo passear na rua. Segurando firme", escreveu ela em 6 de setembro, em um tuíte que acabou viralizando.

"A gente se cuidou, se preservou. A gente deixou de ver uma pá de gente. Mas para vocês tá suave, né? (...) Só não venha me dizer que você está preocupado. Porque vocês não estão. Não ligam para a vida de ninguém. Apenas a vida de vocês importa."

Final de Twitter post, 1

Ela diz que era um recado principalmente para amigos que haviam acompanhado o sofrimento de Luciana em dezembro de 2019, quando seu mesmo filho havia sido internado na UTI infantil com uma infecção respiratória. Autista e asmático grave, ele chegou ao hospital com baixa saturação de oxigênio e quase teve de ser intubado.

"A gente já passou por essa linha tênue de quase perder o filho por uma doença no pulmão, de ver carrinho de parada cardíaca (desfibrilador) ali, de o médico perguntar se a gente tem fé, e foi desesperador. Meu filho tentava respirar e não conseguia. Ficou uma semana comendo por sonda porque não tinha força no pulmão para comer ou mamar", conta Luciana à BBC News Brasil.

"Isso mudou a gente, e não quero que ninguém passe por isso, ainda mais se você pode causar ou pode evitar (a transmissão)."

Luciana Viegas com o marido e filhos
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Luciana Viegas com o marido e filhos: para proteger a saúde o menino, que tem asma severa, família segue em isolamento rígido

Por isso, Luciana e sua família — o filho de três anos, que já teve alta do hospital, a filha de dois anos e o marido — se mantêm em uma quarentena rígida desde março, totalmente isolados do resto do mundo. Tanto que Luciana ainda não consegue entender totalmente o que fez o filho adoecer dessa vez.

O marido havia parado há meses de trabalhar como motorista de aplicativo, e ela dá aulas online em casa. As vistas da mãe dela são de longe, no portão; os passeios com as crianças, antes frequentes nos fins de semana, agora são só dentro do carro.

"A gente tá se virando. Mas é um estresse", conta Luciana à reportagem.

"Quando fiz o tuíte, estava cansada. Porque vi amigos que acompanharam tudo o que a gente passou no ano passado, e que estão agora saindo, indo para a praia, como se nada estivesse acontecendo, como se não fosse importante (manter o isolamento social) pelas outras pessoas. Fiquei tão chateada com isso. Não ficar em casa é muita sacanagem."

Queda nos índices de isolamento

Luciana e sua família personificam um grupo cada vez menor, menos visível e mais frustrado diante das cenas de aglomeração pelo país e de uma pandemia que não arrefece: o das pessoas que continuam seguindo à risca a quarentena e o isolamento social, para proteger a si mesmas ou pessoas próximas de contraírem o novo coronavírus.

A pesquisa mais recente do Instituto Datafolha sobre o tema, em 19 de agosto, apontava que os níveis de isolamento social estavam no patamar mais baixo desde o início da pandemia.

Em abril, mais da metade dos entrevistados dizia que só saía de casa quando era inevitável. Em agosto, a parcela que caiu para 43%.

A fatia de quem está totalmente isolado e não sai de casa de jeito nenhum caiu de 21% em 17 de abril para 8% em agosto.

Embora esse grupo esteja diminuindo, sua importância foi e ainda é fundamental para manter sob controle os níveis da pandemia no Brasil, explica o epidemiologista Paulo Lotufo, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

Ele acha que, se não tivesse havido o esforço (mesmo que desigual) de isolamento social nos últimos meses, o já altíssimo número de mortes no Brasil teria sido exponencialmente maior.

"As pessoas em isolamento tiveram um papel muito importante, para elas mesmas e para as demais", diz Lotufo à BBC News Brasil.

"Basta ver o exemplo de Manaus (no início da pandemia), onde o vírus teve um avanço incrível, matando tanta gente tão rapidamente, em comparação com São Paulo, onde houve mais disciplina no isolamento social", opina. Apesar de São Paulo ser o Estado com o maior número de mortes do país, seu sistema de saúde não chegou a colapsar, como ocorreu com o amazonense.

Um homem observa o mar Mediterrâneo em Nice, na França, em março
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"As pessoas em isolamento tiveram um papel muito importante, para elas mesmas e para as demais", diz epidemiologista

Ausência de perspectivas

No Rio de Janeiro, o tuíte escrito por Luciana Viegas levou às lágrimas a estudante de psicologia Brenda Cavalcante.

"Me doeu na alma o que ela (Luciana) escreveu, que, apesar de todo o esforço, ela não sabia se o filho estava ou não com covid", conta Brenda à reportagem.

Distantes entre si e sem se conhecer, as duas vivem situação semelhante: também em isolamento social rígido ao lado da filha de seis anos, Brenda está há seis meses sem ter contato físico com os pais (que têm pressão alta e, portanto, são do grupo de risco) e há sete meses sem ver a avó, de 92 anos. E não vê nenhuma luz no horizonte que indique que isso vá mudar em breve.

"O mais difícil é não ter perspectiva", diz. "Meus pais são apaixonados pela minha filha, mas só a veem da varanda. O contato físico com eles faz falta demais. E não sei se vou ter a chance de ver a minha avó com vida ainda."

Brenda Cavalcante
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''Eu realmente não sei como vou conseguir voltar a viver de maneira normal, diante de tanta decepção com o coletivo'', diz Brenda Cavalcante, ainda em quarentena total

E, da mesma forma, Brenda assiste com frustração às cenas de aglomeração no Rio.

"Acabei de ver no Twitter que a praia estava lotada ontem (13/9). Eu realmente não sei como vou conseguir voltar a viver de maneira normal, diante de tanta decepção com o coletivo. Com o governo nem se fala. Mas as pessoas não só fazem (aglomeração), como fazem questão de postar nas redes sociais. E eu que nem vejo a minha família. Mal vou ao mercado", diz.

"Eu tento não julgar, porque sei que as pessoas estão sem perspectiva, e isso acaba banalizando (as mortes na pandemia): 'morreu de covid'. (...) Mas por que a saúde mental deles vale mais do que a minha? A minha filha de seis anos tem medo de chegar perto da avó para não deixá-la doente, e quem tem 40 anos não pode se policiar mais e se isolar?"

O que dá para flexibilizar?

É bom ressaltar que não costuma ser fácil decidir, em âmbito individual, o que pode ou não ser flexibilizado na rotina familiar, profissional e de lazer - em um momento em que o número diário de casos e mortes continua elevado, embora esteja em um patamar menor do que há duas semanas.

Praia no Rio em 3 de setembro
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Pesquisa de agosto apontava que níveis de isolamento social estavam no patamar mais baixo desde o início da pandemia

"Temos de ter muito cuidado, porque a Europa, com sua alta no número de casos, mostra que a doença volta mesmo", afirma o epidemiologista Lotufo. "Apesar que, aqui no Brasil, já tivemos uma intensidade tamanha da pandemia que talvez (o repique) não seja igual (ao dos europeus)."

Lotufo lembra que atividades ao ar livre, com máscara, distanciamento social adequado e uso constante de álcool gel para higienização oferecem baixo risco de contaminação. Isso porque a livre circulação do ar ajuda a dissipar aerossóis e gotículas potencialmente infecciosas - ao contrário de de ambientes fechados, onde o compartilhamento de ar entre as pessoas é muito maior.

Nas praias, embora haja livre circulação de ar, o problema está na grande quantidade de pessoas próximas umas das outras, como tem sido visto em parte do litoral brasileiro nos últimos fins de semana e feriados.

A Associação Médica do Texas preparou um guia avaliando diferentes atividades do dia a dia e quais riscos elas oferecem para a disseminação do novo coronavírus.

Ir à praia, por sinal, é considerada uma atividade de risco moderado pelos autores.

Gráfico de risco de contágio por Covid-19 segundo a atividade realizada

Exaustão da quarentena

No caso de Luciana Viegas, o pulmão frágil do filho faz com que qualquer contato com o mundo externo ainda pareça muito assustador, principalmente porque as recentes idas ao hospital ainda estão frescas na memória da família.

Mas isso não quer dizer que o cotidiano com as crianças esteja fácil.

"Eu estou exausta da quarentena, meu marido também. Às vezes precisamos pegar o carro para dar uma espairecida, ou durmo 12h para descansar. A gente tem um motivador, que é a vida do meu filho, e saber que o que eu não quero que aconteça com meu filho, eu também não quero que aconteça com os demais", diz ela.

"Se eu fosse solteira, sem filhos, e dependesse puramente da minha empatia, não sei se seria 'chata' e 'fiscalizadora de quarentena'. Mas é porque as pessoas não passaram por esse terror que eu passei. Meu desabafo (no Twitter) foi justamente para os amigos que me viram noites e noites chorando desesperada. Ao mesmo tempo, fiquei feliz de ver que várias outras pessoas estão passando pelo mesmo que eu. Que bom que a nossa voz vai ser ouvida, porque as notícias são só sobre as pessoas que estão saindo da quarentena."

  • Paula Adamo Idoeta
  • Da BBC News Brasil em São Paulo


Professor Edgar Bom Jardim - PE