segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Nascida há mais de 500 anos, ideia de renda básica para todos ganha força na pandemia


Pessoas fazem fila para coletar auxílio emergencial em meio à pandemia de coronavírusDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionPessoas fazem fila para coletar auxílio emergencial em meio à pandemia de coronavírus

"Os ladrões são condenados a um suplício cruel e atroz, quando seria preferível assegurar a subsistência de cada um, de maneira a que ninguém se encontrasse diante da necessidade de roubar para ser, em seguida, executado."

Assim o viajante português Rafael Hitlodeu defende, no início da obra Utopia, escrita pelo filósofo e estadista britânico Thomas More (1478-1535), a distribuição de meios básicos de subsistência à população para impedir que cidadãos precisem roubar para sobreviver.

O diálogo acontece entre o personagem ficcional Hitlodeu e a versão literária do próprio autor, no início do livro publicado em 1516. Nele, através dos relatos do viajante, o escritor descreve a ilha de Utopia, uma sociedade supostamente ideal por meio da qual More satiriza a realidade política e social da Inglaterra de seu tempo.

Foi esse livro que o ex-senador, hoje vereador Eduardo Suplicy (PT-SP) enviou ao presidente Jair Bolsonaro no início do mês de julho, com a recomendação no Twitter de que "melhor do que distribuir armas será assegurar a Renda Básica de Cidadania para todas as pessoas".

A obra foi tão influente que chegou a inaugurar um gênero literário, caracterizado pela criação de sociedades ficcionais utópicas ou, seu contrário, distópicas. Entre filósofos e economistas, é também visto como ponto de partida para a ideia da renda básica, que volta a ser discutida em meio à pandemia do coronavírus, responsável por milhões de desempregados em todo o mundo.

O trecho da obra teria inspirado o humanista e amigo de More, Juan Luis Vives, a escrever em 1526 o relatório De Subventione Pauperum (sobre a ajuda aos pobres), no qual propunha à prefeitura de Bruges, na Bélgica, criar uma lei que garantisse a todos os cidadãos um auxílio independente dos lucros individuais do trabalho.

"Mesmo aqueles que dissiparam suas fortunas em um modo de vida dissoluto — por meio de jogos, prostitutas, luxos excessivos, gula e apostas — devem receber alimentação, pois ninguém deveria morrer de fome", escreve.


Vives, um dos primeiros a defender a renda básica, sugeria que ela se baseasse nas condições de trabalho de cada um, combinando ao auxílio a busca por um emprego ou o aprendizado de uma profissão que permitisse aos necessitados ganhar o próprio pão.

Embora a proposta do autor não tenha sido implantada em Bruges, a discussão persistiu, sendo mais tarde abraçada por figuras como o filósofo Condorcet (1743-1794), o político Thomas Paine (1737-1809) e o filósofo e matemático Bertrand Russell (1872-1970).

A renda básica através dos séculos

Abrigado na casa de uma amiga enquanto fugia da perseguição em plena Revolução Francesa, o Marquês de Condorcet escreveu, em 1793, Ensaio de um Quadro Histórico do Progresso do Espírito Humano, um de seus trabalhos mais famosos.

No último capítulo, o autor defende a distribuição de uma renda fixa para as famílias pobres cujos pais cheguem à velhice sem meios de continuar trabalhando para sustentá-las.

A ideia precederia a seguridade social, "garantindo àqueles que chegam à velhice um seguro produzido por suas economias e aumentado pelas de indivíduos que, ao fazer o mesmo sacrifício, morrem antes do momento de colher seus frutos".

Amigo de Condorcet e também perseguido durante a Revolução Francesa, o filósofo americano Thomas Paine, um dos fundadores dos Estados Unidos, publicou em 1797 o panfleto Justiça Agrária, ainda em solo francês.

No texto, Paine propunha "um fundo nacional, pago a todas as pessoas ao chegarem aos 22 anos, no valor de 15 libras esterlinas" e "dez libras por ano por toda a vida para todos que passarem dos 50, para permitir que vivam a velhice sem miséria, e deixem o mundo de forma decente".

Esse valor seria conseguido por meio de uma taxa paga por proprietários de terras sobre sua herança e chegaria a todos, ricos ou pobres, pois, segundo Paine, esta não era caridade, e sim uma restituição pelo uso da terra, que deveria ser coletivo.

Mais de um século depois, em 1918, seria a vez do filósofo Bertrand Russell sugerir, no livro Caminhos da liberdade, um futuro em que "uma pequena renda, suficiente para as necessidades, deve ser garantida para todos, trabalhem ou não, e uma renda maior, determinada pela quantidade de mercadorias produzidas, deve ser dada aos que estão dispostos a se engajar em algum trabalho considerado útil pela comunidade".

Entre os vários defensores de um modelo de renda básica ao longo do século 20, o economista americano Milton Friedman foi um dos mais proeminentes. Adepto da economia liberal, Friedman sugeria a criação de um imposto de renda negativo, em que aqueles com rendimentos mais baixos receberiam pagamentos do governo em complemento à sua renda.

Thomas PaineDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionThomas Paine propunha 'um fundo nacional, pago a todas as pessoas ao chegarem aos 22 anos, no valor de 15 libras esterlinas'

"Esse sistema garantiria uma renda mínima para todas as pessoas em necessidade, causando o mínimo dano possível ao seu caráter, sua independência ou aos seus incentivos para melhorar suas condições", escreve no livro Livre para Escolher.

Um grupo de estudiosos e pesquisadores criou em 1986 a Rede Europeia de Renda Básica, hoje de escopo mundial e que se dedica ao estudo e ensino de questões ligadas à renda básica. Entre seus fundadores, o filósofo e economista belga Philippe Van Parijs é atualmente considerado um dos principais defensores da ideia no mundo.

A partir da década de 1990, com o avanço da automatização e a substituição de trabalhadores por robôs, alguns estudiosos passaram a defender a renda básica como forma de compensar a mudança no mercado de trabalho. A ideia também foi recentemente defendida por figuras famosas, como o economista Thomas Piketty e o empreendedor bilionário Elon Musk.

"Hoje em dia, as perspectivas de criação massiva de empregos são acompanhadas de precariedade", afirma Tatiana Roque, professora do Instituto de Matemática da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e vice-presidente da Rede Brasileira de Renda Básica, que reúne estudiosos com o objetivo de educar a população sobre o tema.

"Esse fenômeno da precarização do trabalho, que decorre em grande parte da automação, faz com que se pense em uma forma de proteção social que não dependa do emprego."

Experiências pelo mundo

"A proposta da renda básica está tendo no mundo experiências formidáveis", afirma o ex-senador Eduardo Suplicy, que há 30 anos luta pela implantação do sistema no Brasil.

Em entrevista à BBC, ele conta que visitou projetos em países como Quênia, Namíbia e o Estado do Alasca, nos EUA.

"Também há experiências na Finlândia, na província de Ontário, no Canadá, em Barcelona, onde o debate está muito forte, na França, na Índia, na Coreia do Sul".

O Alasca é um dos lugares onde a renda básica existe há mais tempo e em maior escala — desde 1982, seus mais de 700 mil habitantes recebem um valor anual, que varia de acordo com os rendimentos dos royalties do petróleo. Em 2019, foram US$ 1.609 por pessoa.

"Em 1980, o Alasca era o mais desigual dos 50 Estados norte-americanos. Atualmente, ele e o Utah são os dois Estados mais igualitários dos EUA, e hoje significa suicídio político para qualquer liderança propor o fim desse sistema", declara Suplicy.

Um outro experimento recente com a renda básica, realizado na Finlândia entre 2017 e 2018, teve resultados ambíguos. Embora os dois mil finlandeses desempregados que receberam um auxílio mensal de 560 euros tenham apresentado queda nos níveis de estresse e insegurança, a pesquisa apontou pouca diferença na perspectiva de emprego em comparação com aqueles que não passaram pela experiência.

No Brasil, o município de Maricá, no Rio, começou a implementar no final de 2013 um projeto de renda básica a nível municipal. Em 2019, após a incorporação de programas de distribuição de royalties do petróleo do município ao Renda Básica, houve a mudança no perfil dos créditos e 42,5 mil pessoas passaram a ser atendidas.

Pessoas com renda familiar de até três salários mínimos podem receber o benefício mensal. O valor é pago em mumbucas, moeda social criada em 2014 para estimular a economia local.

"Durante a pandemia, a cidade aumentou o benefício de R$ 130 para R$ 300 e implementou medidas como empréstimo para empresas, pagamento de salários a funcionários de empresas pequenas e distribuição de cestas básicas", conta o economista e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Fabio Waltenberg, que coordena um projeto de pesquisa na cidade.

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Image captionO Alasca é um dos lugares onde a renda básica existe há mais tempo e em maior escala — desde 1982, seus mais de 700 mil habitantes recebem um valor anual

Seu imenso litoral, com extensão de 46 km, garante a Maricá o posto de cidade brasileira que mais recebe recursos com a exploração do petróleo, o que permite a realização do experimento.

"Eles tiveram uma resposta rápida à pandemia porque são um município muito rico e já tinham uma estrutura montada. A prefeitura tomou a decisão de ampliar o benefício e na semana seguinte já estava na conta de todos."

A ideia é que até 2022 todos os 161 mil habitantes de Maricá, sem distinção, estejam recebendo o benefício.

A pandemia e o caso brasileiro

Aprovada e sancionada desde 2004, a lei da renda básica da cidadania, proposta por Suplicy, nunca chegou a ser implementada no Brasil. Segundo o documento, brasileiros e estrangeiros que vivem no país há pelo menos cinco anos devem ter direito a um benefício suficiente para atender despesas básicas com alimentação, educação e saúde.

Em todo o mundo, apesar das várias experiências, nenhum país chegou a adotar a política a nível nacional.

Para Tatiana Roque, os principais pontos de resistência à ideia estão vinculados à questão do trabalho e à taxação necessária para que ela seja implementada. "Muita gente acha que os direitos sociais devem ser vinculados ao emprego ou isso desestimularia o trabalho. A outra resistência é financeira, embora esteja cada vez mais claro que a saída é tributar os mais ricos, para que haja uma redistribuição de renda."

Eduardo SuplicyDireito de imagemDIVULGAÇÃO
Image captionEx-senador Eduardo Suplicy, que há 30 anos luta pela implantação do sistema no Brasil

Com a pandemia e os auxílios financeiros instituídos em boa parte do mundo, o debate sobre a renda básica se ampliou. No Brasil, a questão vem sendo discutida por economistas e políticos, com propostas que variam desde a continuidade do auxílio emergencial até planos mais amplos de distribuição de renda.

De acordo com Waltenberg, a discussão é atemporal pois lida com preocupações bastante humanas.

"A questão da automação do trabalho não era forte há algumas décadas, mas a renda básica já era discutida. Enquanto uma pessoa de esquerda está preocupada com a igualdade, a de direita se preocupa com a liberdade, e a renda básica pode ser enxergada por esses dois caminhos. Hoje a pandemia mostrou que uma parcela da população é vulnerável economicamente. Então a motivação central para o debate muda, mas no fundo é sempre a mesma: a garantia de uma segurança econômica mínima."

No caso brasileiro, o pesquisador da FGV Daniel Duque acredita que a discussão ainda é inicial e precisa avançar para que seja definido se a renda básica é ou não o melhor modelo.

"Muitos defendem que não é o caminho, que é preciso criar programas mais focados em crianças, por exemplo. Então ainda devemos levar anos para desenvolver uma política de apoio social de maior orçamento."

Suplicy, que enxerga o Bolsa Família como um primeiro passo para implantar um programa mais amplo no futuro, vê com otimismo o debate atual e comemora o lançamento de uma frente parlamentar para coordenar a discussão sobre o tema no Congresso.

"Na minha vida, tenho duas montanhas a remover. A primeira é reconquistar diariamente a minha companheira, a segunda é instituir a renda básica de cidadania no Brasil. E eu acredito que vou conseguir remover as duas montanhas."

Professor Edgar Bom Jardim - PE

domingo, 2 de agosto de 2020

Por que os EUA têm os piores índices de pobreza do mundo desenvolvido

Dois meninos olham para foto, em área de banco de alimentosDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionMilhares de famílias dependem da ajuda de bancos de alimentos nos EUA

Este é um dos grandes paradoxos dos nossos tempos: os Estados Unidos, país mais rico do mundo, têm alguns dos piores índices de pobreza no grupo dos países desenvolvidos.

Mais de meio século depois que o presidente Lyndon B. Johnson declarou "guerra incondicional à pobreza", os EUA ainda não descobriram como vencê-la.

Desde a declaração de Johnson, em 1964, o país teve conquistas surpreendentes, como chegar à Lua ou gestar a internet. Entretanto, nesse período, conseguiu uma tímida redução no índice de pobreza, que caiu de 19% para cerca de 12%.

Isso significa que quase 40 milhões de americanos vivem abaixo da linha oficial de pobreza.

O problema é muito maior e mais antigo do que se vê na atual pandemia do novo coronavírus, que também vem revelando e intensificando questões sociais do país — os EUA têm o maior número de casos de covid-19 no mundo e agora enfrentam os piores níveis de desemprego desde a Grande Depressão de 1930.

Até hoje, segundo estudiosos, o aumento da pobreza foi contido nos EUA graças a uma expansão histórica de subsídios do governo.

Mesmo antes da crise na saúde, o país já destinava anualmente bilhões de dólares a programas de combate à pobreza, em quantias até maiores do que o Produto Interno Bruto (PIB) de alguns países da América Latina.

"Essa é a ironia: seria uma coisa se fôssemos um país pobre e realmente não pudéssemos fazer muito a respeito. Mas temos os recursos", diz Mark Rank, professor da Universidade de Washington em St. Louis, considerado um dos maiores especialistas em pobreza nos EUA, à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC.

Questão cultural: o tabu do fracasso individual

Homem e mulher consertando bicicleta em acampamentoDireito de imagemAFP
Image captionNos EUA, 40 milhões de pessoas vivem abaixo da linha da pobreza

Pesquisadores apontam para duas razões fundamentais por trás da pobreza nos Estados Unidos: uma tem a ver com simbologia e a outra é pragmaticamente econômica.

Primeiro, os EUA carecem de uma rede de assistência social forte ou programas de apoio à renda como outros países.

Os programas de assistência social que os Estados Unidos implementaram nas últimas décadas, como vale-alimentação ou seguro desemprego, permitiram reduzir em alguns pontos a pobreza, mas são considerados limitados.

Fatores culturais são geralmente lembrados para explicar isso.

"Nós tendemos a ver a pobreza nos EUA como um fracasso individual, ou seja, como se as pessoas não tivessem trabalhado duro o suficiente. Como se tivessem tomado decisões ruins ou não tivessem talento o suficiente. Assim, é algo como: cabe a você se erguer", afirma Rank.

"O resultado é que realmente não fazemos muito em termos de políticas sociais para tirar as pessoas da pobreza."

Somam-se a isso as desigualdades raciais: as minorias sofrem desproporcionalmente no país.

Enquanto 11% das crianças brancas nos EUA vivem na pobreza, essa taxa chega a 32% para crianças negras e 26% para crianças latinas, segundo dados do censo levantados pelo Centro de Dados Kids Count.

"A pobreza é frequentemente vista como um problema para os não-brancos, e isso também reduz a vontade de ajudar os outros", diz Rank.

"Existem estudos mostrando que em países mais homogêneos em termos de raça e etnia, existe uma rede de segurança mais robusta, porque as pessoas veem os outros como semelhantes — tendo maior probabilidade de querer ajudar."

Pessosas negras em fila para receber alimentosDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionDesigualdade nos EUA é ainda mais presente e sofrida entre os negros

Maior desigualdade

Por outro lado, especialistas apontam para um fator econômico: a deterioração do mercado de trabalho americano para aqueles com salários mais baixos, que representam cerca de 40% do total e sofreram perdas em seus ganhos reais nas últimas décadas.

As razões vão do enfraquecimento dos sindicatos às transformações tecnológicas.

Assim, a desigualdade de renda e riqueza nos EUA aumentou e é maior do que em quase qualquer outro país desenvolvido, de acordo com o Council on Foreign Relations, um centro de pesquisas em Washington.

Christopher Wimer, codiretor do Centro de Pobreza e Política Social da Universidade de Columbia, argumenta que, nos EUA, "as oportunidades no mercado de trabalho tendem a ir para pessoas com formação superior e que se beneficiaram do crescimento econômico".

"E grande parte desse crescimento econômico não foi compartilhado nas faixas de renda ou escolaridade que vêm abaixo", contou à BBC News Mundo.

Operadores em bolsa de valores de Nueva YorkDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionApenas alguns segmentos da população americana, como aqueles com acesso ao ensino superior, se beneficiaram das conquistas econômicas do país nas últimas décadas

'Uma escolha política'

Mas houve sim, nas últimas décadas, alguns avanços sociais — como níveis mais altos de escolaridade e queda na mortalidade infantil.

Além disso, especialistas alertam que o cálculo do índice oficial de pobreza nos EUA se baseia apenas em renda, sem contar com auxílios do governo como créditos fiscais, cupons de alimentos ou assistência habitacional.

Um estudo recente de Wimer e outros pesquisadores de Columbia projetou que, sem ajuda emergencial aprovada na pandemia de coronavírus, a taxa de pobreza do país teria saltado de 12,5% antes da crise para 16,3%.

Mas esses benefícios, que incluem cheques semanais de US$ 600 a trabalhadores afetados pela pandemia, expiraram no final do mês. Sua continuidade depende de um acordo entre o Congresso e a Casa Branca.

Antes da covid-19, especialistas já alertavam que o país era condescendente com níveis muito altos de pobreza.

"Os Estados Unidos são um dos países mais ricos, poderosos e tecnologicamente inovadores do mundo. Mas nem sua riqueza, nem seu poder, nem sua tecnologia estão sendo usados ​​para resolver a situação em que 40 milhões de pessoas continuam vivendo na pobreza", indicou no final de 2017 o então relator especial das Nações Unidas para a pobreza extrema e direitos humanos, Philip Alston.

Entre outras coisas, Alston observou que os EUA tinham a maior mortalidade infantil no mundo desenvolvido, que a expectativa de vida de seus cidadãos era menor e menos saudável do que em outras democracias ricas.

E também que sua pobreza e desigualdade estavam entre as piores no clube dos países ricos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), além de uma taxa de encarceramento entre as mais altas do mundo.

"No fim das contas", afirmou ele, "particularmente em um país rico como os EUA, a persistência da pobreza extrema é uma escolha política feita pelos que estão no poder".

Criança na porta de uma casa pobreDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionNo mundo desenvolvido, EUA também chama a atenção por indicadores preocupantes em relação às crianças

Luke Shaefer, diretor da iniciativa Poverty Solutions da Universidade de Michigan, defende políticas mais simples nos EUA e com uma abordagem mais universal.

Um estudo realizado por ele e outros especialistas da universidade indicou que os Estados Unidos investem US$ 278 bilhões (mais de R$ 1,4 trilhões) por ano em programas governamentais de combate à pobreza, sem contar os gastos com saúde.

Somando-se programas de saúde para os mais pobres, como o Medicaid, o investimento anual chega a US$ 857 bilhões (mais de R$ 4,4 trilhões), ou seja, mais do que o PIB da Argentina e do Chile somados.

"Muitos desses dólares não estão indo realmente para os mais pobres", alerta Shaefer.

As eleições presidenciais de novembro podem dar aos EUA uma nova oportunidade para repensar como melhorar esses gastos, acreditam aqueles que se dedicam ao tema há anos.

"Existem pessoas da esquerda e da direita falando que essa abordagem (atual) não está funcionando. Temos que fazer algumas coisas de maneira diferente, precisamos simplificar", diz ele.

"Tenho alguma esperança de que possamos progredir."

Professor Edgar Bom Jardim - PE

A morte não é um número

Muitos mistérios cercam a vida. Não haverá tempos transparentes. Sempre as dúvidas sacudirão os mais ingênuos. Nascemos, andamos, corremos, morremos.Há distrações, impasses, loucuras, cavernas, moradias descontruídas. O fim chega e derrota o desejo de inquietação. Em tempos de crises, alguns não ligam para morte e acionam as estatísticas. Há especialistas em fazê-las sofisticadas. As dores são apagadas por informes nada dignos de elogios.

Cada morte anuncia muitas dores e saudades fluentes. Mas querem dados e dispensam os sentimentos. Basta ler os jornais para observar as estratégias tortas daqueles que assassinam cinicamente. Parecem contar piadas, quando as lágrimas inundam ou e o coração bate lento. Existem governantes que jogam para fora todas as extremas dificuldades e se mostram como comediantes em busca da ascensão. Ofendem os comediantes, empurram a sociedade para o caos, ornamentam a desigualdade.

A complexidade da vida provoca idas e vindas, não é fácil de continuar acreditar em revoluções mágicas. Há quem lute e tente evitar os desenganos. No entanto, quem pode esquecer as guerras, as pandemias, os fascistas debochados. A contabilidade fria é criminosa, disfarça destruições, transforma a sociedade com rituais apáticos.A morte está passando por todos os tempos e possui significados, para além das intrigas e dos fanáticos, superam expectativas que afirmam ser sagradas..

Inventar esconderijos para sentimentos é desfazer afetos. A coisificação é uma condenação e uma manipulação para desviar a história para formalidades. Não à toa que a política submerge.Ela se fascina pela grana e justifica o genocídio, consolida patrocínios. Não se trata de drama. A história não se estende sem a multiplicidade. É preciso elucidá-la e não forçar a censura com dogmas com poeira da hipocrisia. Há brechas no muro do autoritarismo.Olhe com atenção.

Antônio Rezende


Professor Edgar Bom Jardim - PE

O apelo de uma professora pelo não retorno às aulas: “Não vamos colocar nossas vidas em risco”



A cidade de SP caminha com a aprovação de lei que estabelece medidas para a retomada das aulas. Doria anunciou previsão para 8 de setembro

A professora de História da rede municipal de São Paulo Silvia Ferraro protagonizou uma cena que viralizou nas redes sociais. Durante uma votação da Câmara dos Vereadores na quarta-feira 30, a docente interrompeu os parlamentares para protestar contra a volta das aulas presenciais da rede, em meio à pandemia do coronavírus.

“Presidente, não pode votar esse projeto hoje. São as nossas vidas de professores que estão em risco. Eu sou professora do chão de escola, nós professores estamos morrendo de covid-19, a maioria da população, os pais, os estudantes, são contra esse projeto. Nós não queremos voltar. Nós não vamos colocar nossas vidas em risco. Pelo amor de deus, gente!”, protestou.

Seu desabafo foi direcionado ao presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Legislação Participativa (CCJ), da Câmara dos Vereadores, que conduzia votação sobre a legalidade do PL 452/2020, de autoria do prefeito Bruno Covas, que estabelece, entre outros pontos, medidas para o retorno às aulas presenciais no município de São Paulo.

O PL, no entanto, foi aprovado em primeiro turno, por 32 votos favoráveis e 16 contrários, e vai para uma segunda votação definitiva que deve ocorrer na próxima quarta-feira, 5.

Sem detalhar uma data exata para o retorno, embora o governador João Doria e o prefeito Bruno Covas tenham sinalizado uma volta a partir de 8 de setembro nas redes estadual e municipal, o texto do PL fala sobre um processo de retorno às aulas que “deverá contemplar  a recuperação das aprendizagens e atendimentos especializados para os estudantes, abrangendo medidas pedagógicas excepcionais, programas de acompanhamento aos estudantes e profissionais de educação”.

Ainda sobre o tema, o projeto fala sobre a previsão de instituir um programa de atendimento à saúde do professor, com acompanhamento psicológico, para “mitigar absenteísmo”, evitando que os estudantes fiquem sem professores em sala de aula, e possibilitando condições para que professores afastados possam voltar a esses ambientes.

Para Ferraro, a proposta é “imoral” e não dialoga com o desejo da maioria das comunidades escolares do município. “Ainda temos índices altos da pandemia. Além disso, não há uma especialista que assegure que nosso retorno não levará a um quadro de mais contaminações e mortes”, avalia, ao expor a dificuldade que terão para garantir que crianças e adolescentes mantenham o distanciamento recomendado em meio à pandemia.

A docente, que leciona na Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Anália Franco, na zona leste de São Paulo, afirma que a maioria dos profissionais de sua unidade não querem retornar às aulas presenciais e afirmou que contam com o apoio da direção escolar.

“Realizamos assembleias com os trabalhadores da escola, e entre os participantes – 52 funcionários de um total de 60 – todos sinalizaram o não retorno. Esse documento foi protocolado e entregue à diretoria regional de ensino.” Ferraro afirma que as famílias também preferem deixar seus filhos em casa, nesse momento.

As manifestações contra o retorno não se limitam à rede municipal. Na quinta-feira 30, professores da rede estadual organizaram uma carreata com mais de 200 veículos que partiram do estádio do Morumbi rumo ao Palácio dos Bandeirantes, em ato organizado pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp). Os carros traziam adesivos com as frases “em defesa da vida” e “salário e auxílio emergencial já”.

“Queremos que prevaleça o bom senso”

A professora Silvia Ferraro afirma que, caso as escolas reabram, os professores não terão escolha. “Se não voltarmos, ficaríamos com faltas e [com salários] descontados. A última alternativa seria entrar em um movimento de greve para brigar por nossas vidas, coisa que não acho necessário no momento. Queremos que prevaleça o bom senso e os apontamentos da comunidade científica que vem  dizendo que não é o momento do retorno”.

A Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz), vinculada ao Ministério da Saúde, e que representa o Brasil junto à vacina produzida pela Universidade de Oxford, divulgou uma nota técnica no dia 22 de julho alertando para os riscos da volta às aulas, chamando a atenção para o perigo do fim do isolamento social.

“A volta às aulas pode representar um perigo a mais para cerca de 9,3 milhões de brasileiros (4,4% da população total) que são idosos ou adultos (com 18 anos ou mais) com problemas crônicos de saúde e que pertencem a grupos de risco de Covid-19. Isso porque eles vivem na mesma casa que crianças e adolescentes em idade escolar (entre 3 e 17 anos)”, afirmou a fundação, que estimou a população de risco com base na Pesquisa Nacional de Saúde (PNS 2013), que foi realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em parceria com o Laboratório de Informação em Saúde (LIS) da Fiocruz.

O estudo mostrou que quase 3,9 milhões (1,8% da população do país) de adultos com idade entre 18 e 59 anos que têm diabetes, doença do coração ou doença do pulmão residem em domicílio com pelo menos um menor em idade escolar (entre 3 e 17 anos).

Já a população idosa (60 anos e mais) que convive em seu domicílio com pelo menos um menor em idade escolar chega a quase 5,4 milhões de pessoas (2,6% da população).

A fundação é taxativa ao dizer que o retorno da atividade escolar “coloca os estudantes em potenciais situações de contágio”.

“Mesmo que escolas, colégios e universidades adotem as medidas de segurança (e elas sejam cumpridas à risca), o transporte público e a falta de controle sobre o comportamento de adolescentes e crianças que andam sozinhos fora de casa representam potenciais situações de contaminação por covid-19 para esses estudantes. O problema é que, se forem contaminados, esses jovens poderão levar o vírus Sars-CoV-2 para dentro de casa e infectar parentes de todas as idades que tenham doenças crônicas e outras condições de vulnerabilidade à Covid-19, representando uma brecha perigosa no isolamento social que essas pessoas mantinham até agora”.

A nota técnica Populações em risco e a volta as aulas: Fim do isolamento social, ainda alerta para o fato de que “a discussão sobre a retomada do ano letivo no país não segue um momento em que é clara a diminuição dos casos e óbitos e ainda apresenta um agravante, que é a desmobilização de recursos de saúde e o desmonte de alguns hospitais de campanha”.

A doutora em Psicologia Ana Maria de Araújo Melo, que já foi membro membro do Fórum Municipal de Educação Infantil de São Paulo, ainda chama a atenção para as demandas das crianças de 0 a 3 anos, que frequentam as creches do País, em meio ao cenário.

“O contato, as interações dessa faixa etária são feitas corporalmente, o gesto vale muito, a comunicação gestual é privilegiada neste momento. Então, dizer que a gente não vai ter contato, que dormir, comer, dentro de creche será controlado é impossível. A criança pequena aprende na hiperinteração, interage entre os pares e com os adultos”, avalia.

O Estado de São Paulo tem um acumulado de 529,006 casos confirmados de coronavírus, e 22.710 mortos, segundo os dados do Conselho Nacional de Saúde (Conass) divulgados na quinta-feira 30.

Nos três últimos dias, as confirmações de novos casos ficaram acima de 10 mil. No dia 30 foram mais 14.809 casos, no dia 29, 13.896; e no dia 28, 12.647. Também no período, o estado manteve mais de 300 mortes por dia. No dia 30, 321; no dia 29, 330; e no dia 28, 383. A cidade de São Paulo tem ao todo 193.684 casos confirmados e 9470 óbitos.

Vale lembrar que os casos de coronavírus estão concentrados em segundo lugar no estado do Ceará (171.648), seguido do Rio de Janeiro (163.642), Bahia (161.630), Pará (153.350) e Minas Gerais (12.415).

As famílias poderão escolher mandar ou não os filhos para as escolas?

Para que os familiares e responsáveis, de fato, tenham o poder da escolha de mandar ou não os estudantes para a escola, sem prejudicá-los, será necessária uma alteração na lei. Isso porque de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), as crianças entre 4 e 5 anos, da educação infantil, devem ter frequência mínima de 60%; já para os alunos dos ensinos fundamental e médio, a frequência obrigatória é de 75%.

O Conselho Municipal de Educação de São Paulo sinalizou que está elaborando uma resolução nesse sentido e que o documento deve sair em um período de 15 dias. Com isso, alunos das escolas públicas e particulares da cidade de São Paulo não seriam penalizados por faltas e poderiam continuar acompanhando os conteúdos à distância.

Ao G1, a presidente do conselho municipal, Rose Neubauer, disse que, no caso, as famílias terão que assinar um termo de responsabilidade, tanto no caso de a criança voltar para a escola, como para permanecer com a educação remota.

“Ele [o responsável] vai ter que assinar um termo tanto se a criança voltar, quanto se a criança ficar com a educação domiciliar. Ele sempre vai ter que assinar um termo. Mas é importante pra Prefeitura e pra Secretaria de Educação ter esse termo porque ela tem que se planejar, ver quantas crianças não vão voltar e aí ela vai ter que fazer um planejamento para acompanhar essas crianças em casa”, afirma Rose.

CartaCapital encaminhou questões ao Conselho Estadual de Educação sobre como o tema será encaminhado, mas não obteve respostas até o fechamento da reportagem.

As redes estadual e municipal de São paulo já apresentaram seus protocolos para a retomada das aulas, documentos que detalham protocolos de higiene e desinfecção, de organização dos ambientes, e demais práticas de segurança.

Os documentos mencionam a responsabilidade das famílias em medir a temperatura das crianças diariamente antes de enviá-las para a escolas. A recomendação é que elas não sejam encaminhadas se a temperatura estiver acima dos 37,5ºC.

“Se houver dor no corpo, tosse, dor abdominal, diarreia, dor no peito, manchas pelo corpo ou febre (37,5° C ou superior), a criança não entrará na escola”, destaca o protocolo da prefeitura.

A rede também diz que a família terá um papel ativo de explicar aos estudantes sobre a necessidade do distanciamento social.

Estruturas precárias

Para a presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), Professora Bebel (PT), os documentos não levam em consideração a precariedade das escolas estaduais.

“A estrutura das escolas é precária. Muitas vezes, não possuem ventilação adequada e têm salas improvisadas. Existem escolas inteiras precisando de reforma. Tem escola que não conta sequer com uma pia nos banheiros, e muito menos papel higiênico. Como falar em protocolo de segurança?”, questionou em entrevista ao portal R7.

O Sindicato dos profissionais em Educação no Ensino Municipal de São Paulo (Sinpeem) partilha da preocupação e se coloca contra o projeto de retomada das aulas presenciais.

Para o sindicato, tanto o protocolo de segurança da prefeitura quanto o PL de Bruno Covas “ignoram a realidade das unidades educacionais, suas condições, estrutura, logística, recursos humanos, condições de higiene, organização e funcionamento”.

No site do Sinpeem há uma chamado para que as escolas preencham um dossiê que servirá para mapear a realidade das redes. No documento, que o sidicato pede que seja preenchido até o dia 7 de agosto, há questões como, “quantos alunos a unidade tem?”, “quantos alunos por turno?”, “disponibilidade de portões para fluxo de entrada e saída”, “metragem do pátio”, entre outras.

Ana Maria Melo mostra preocupação com a estrutura ofertada para a educação infantil pública que se dá majoritariamente pelas redes conveniadas.

“As condições de equipamento são muito precárias, temos problemas de ventilação muito sérios, de banheiros, torneiras em quantidade, descarga que as crianças não têm acesso. Ou seja, são problemas históricos que antecedem a pandemia. Denunciamos frequentemente a situação de calamidade não só de trabalho, mas também pelo fato que as crianças frequentem esses espaços”, critica.

Ela ainda estende os apontamentos às estruturas prediais das escolas particulares. “Se você observar, em cada esquina da cidade de São Paulo e nas capitais brasileiras, você vai ter sobradinhos escrito educação infantil. Há centenas de escolinhas em educação infantil. O grupo das escolas para a elite, que se dizem prontas para o retorno, é muito pequeno. E elas esquecem que, se abrirem, condenarão as outras que não dispõem da mesma estrutura. O grupo da elite só pensa nas necessidades da elite. E, convenhamos, que as crianças de zero a seis anos desse grupo estão bem, obrigada, em casas de campo, praia”, coloca, em crítica à recente campanha do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Rio de Janeiro (Sinepe-Rio) pela volta às aulas nas escolas particulares.

Outras críticas ao PL de Covas

O PL 452/2020 de autoria do prefeito Bruno Covas que está em processo de aprovação na Câmara dos Vereadores também considera entre as estratégias de retorno a oferta de aulas extras, no contraturno escolar, como rota de correção das aprendizagens; a aprovação automática dos alunos; a contratação emergencial de professores; e a permissão para a prefeitura repassar recursos às famílias dos estudantes para a compra de material escolar e de uniformes a partir de 2021.

O texto do Executivo ainda autoriza a prefeitura a contratar vagas de ensino infantil para suprir a crescente demanda ocasionada pela crise.

Antes da primeira votação na CCJ, a procuradoria da Câmara recomendou que a Comissão considerasse o projeto ilegal por não observar as limitações impostas ao executivo em ano eleitoral e nem a lei de responsabilidade fiscal.

Para o Sinpeem, o projeto de lei “tem por principal objetivo se aproveitar da situação de emergência para avançar na privatização da educação infantil, mesmo processo que já resultou na terceirização do atendimento da educação infantil para as crianças entrem de zero a três anos. Agora querem terceirizar/privatizar também o atendimento de crianças de 4 e 5 anos, atendidas por nossas EMEIs”. O sindicato já sinalizou a entrega de substitutivos e emendas ao texto aprovado em primeira votação.

“O SINPEEM vai continuar na luta pressionando pela não retomada das aulas sem as medidas sanitárias, testagem e condições materiais, recursos e equipamentos que protejam a saúde e a vida, além de se posicionar contra a terceirização da educação infantil”.

Carta Capital

Professor Edgar Bom Jardim - PE