quarta-feira, 24 de julho de 2019

Chuva causa mortes, deslizamento de barreiras e alagamentos no Grande Recife


Cinco pessoas morreram em razão das chuvas que atingem a Região Metropolitana do Recife desde a madrugada desta quarta-feira (24), segundo o Corpo de Bombeiros. O temporal também derrubou barreiras e árvores, e causa diversos pontos de alagamento, que dificultam a circulação dos ônibus.
De acordo com Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac) as chuvas no Grande Recife e Zona da Mata devem diminuir de intensidade, mas persistem durante todo o dia.
As mortes registradas pelos Bombeiros ocorreram na Estrada do Passarinho e em Águas Cumpridas, em Olinda, e também no bairro de Dois Unidos, no Recife. Na Estrada do Passarinho, ocorreu um deslizamento de terra.
O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), que foi acionado para socorrer feridos, registrou deslizamento de barreiras no Alto Nova Olinda, em Olinda; na Rua do Bosque, em Paulista, e em Caetés, Abreu e Lima.
G1.
Professor Edgar Bom Jardim - PE

terça-feira, 23 de julho de 2019

PF prende suspeitos de hackear celular de Moro




A Polícia Federal abriu a Operação Spoofing nesta terça-feira, 23, e prendeu quatro suspeitos de invadir o celular do ministro da Justiça, Sergio Moro. A ação foi determinada pelo juiz da 10ª Vara Federal de Brasília, Vallisney de Souza Oliveira.

Além de Moro, procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato no Paraná foram hackeados. Supostos diálogos mantidos no auge da investigação entre eles e o então juiz Sergio Moro foram vazados e publicados pelo site The Intercept. Moro e os procuradores não reconhecem a autenticidade das mensagens a eles atribuídas.

A PF cumpriu quatro mandados de prisão temporária e sete de busca e apreensão em São Paulo, em Araraquara e Ribeirão Preto. Os mandados foram cumpridos pelo delegado da PF Luiz Flávio Zampronha, que investigou o escândalo do Mensalão.

"As investigações seguem para que sejam apuradas todas as circunstâncias dos crimes praticados", informou a PF.

Spoofing, segundo a Federal, é um tipo de falsificação tecnológica que procura enganar uma rede ou uma pessoa fazendo-a acreditar que a fonte de uma informação é confiável quando, na realidade, não é. A operação mira uma "organização criminosa que praticava crimes cibernéticos".

Moro teve o aparelho celular desativado em 4 de junho, após perceber que havia sido alvo de ataque virtual. O celular do ministro foi invadido por volta das 18h. Ele só percebeu após receber três telefonemas do seu próprio número. O ex-juiz, então acionou investigadores da Polícia Federal, informando da suspeita de clonagem.

O último acesso de Moro ao aparelho foi registrado no WhatsApp às 18h23 daquele dia.
Com informações do Diario de Pernambuco
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Fora Moro:Manifesto assinado por juristas exige a renúncia de Sérgio Moro


Em manifesto organizado pelo Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), juristas se reuniram para denunciar as nulidades dos processos conduzidos pela Lava Jato, a prisão ilegal do ex-presidente Lula, bem como protestar pela renúncia imediata do ministro Sergio Moro no Ministério da Justiça.
O documento que reúne alguns professores da própria Faculdade ocorre depois que vazamentos de conversas entre o ex-magistrado e procuradores da força tarefa vieram a público. No conteúdo, Moro coordenava estratégias da acusação, escolhia quem não seria acusado, entre outras condutas.
“O juiz aconselhou, repreendeu e até mesmo executou o papel dos procuradores em determinados momentos. O próprio Moro reconhece e mesmo reafirma sua postura quando diz que não vê nada de errado nos diálogos, embora diga que não se lembra dos textos precisos das mensagens”, afirma o manifesto.
A bem da verdade, os diálogos revelados pelo Intercept apenas confirmam aquilo que quase todos já sabiam: Moro agiu politicamente na Lava-Jato.
Dentre os signatários, estão a colunista da editoria de Justiça da CartaCapital, Valdete Souto Severo, presidenta da Associação Juízes para a Democracia, Celso Antônio Bandeira de Mello, professor Titular de Direito Administrativo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Juarez Cirino dos Santos, professor aposentado da Universidade Federal do Paraná, entre outros

FOTO: LULA MARQUES

Leia o manifesto:

CONTRA A PARCIALIDADE ABUSIVA NA OPERAÇÃO LAVA JATO: PELA RENÚNCIA IMEDIATA DO MINISTRO SÉRGIO MORO!
Hoje é impossível qualificar como democrático qualquer regime que não garanta aos seus cidadãos um arsenal jurídico sólido, diversificado e contraposto aos desvios do arbítrio estatal, que podem ser, indevidamente, incorporados à figura do juiz.
A imposição de nítidas barreiras aos poderes (inclusos os poderes jurisdicionais) é fundamental para que se possa afirmar, por extensão, um terreno de exercício lúdico e pleno da liberdade; única condição em que os indivíduos podem dispor de uma convivência que seja, ao mesmo tempo, harmônica entre si, segura perante o Estado e autônoma em suas decisões individuais e coletivas.
A combinação desses valores, respeitando seu delicado equilíbrio, é o que tradicionalmente sustenta e chancela as democracias ao redor do mundo. Princípios como a impessoalidade, o contraditório e o devido processo legal visam garantir a segurança jurídica dos indivíduos e a soberania de suas deliberações legítimas. Devem ser, portanto, rigorosamente obedecidos, já que o objetivo é justamente evitar a corrosão do equilíbrio democrático.
Infelizmente, essa reflexão faltou ao ex-juiz federal e hoje Ministro da Justiça Sérgio Moro, quando, em nome de supostas boas razões – que, muitas vezes, não passavam de caprichos pessoais, vontades irrefreáveis e convicções alucinantes –, conduziu de maneira antiética e criminosa a Operação Lava-Jato. Não por coincidência, seus atos contribuíram para que o país desembocasse em saídas obscurantistas, incertas, e para que nossa democracia, que já era bastante debilitada, esteja, hoje, ainda mais fragilizada.
Os vazamentos divulgados pelo site The Intercept revelaram para toda a população um Moro maquiavélico, obstinado em seus interesses e pouco comprometido com a Constituição. Ao longo do processo em que prendeu o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Moro manteve promíscua e ilegal colaboração com o Ministério Público Federal (representantes da denúncia), de forma a ocasionar flagrante desequilíbrio e exposição de parcialidade. O juiz aconselhou, repreendeu e até mesmo executou o papel dos procuradores em determinados momentos. O próprio Moro reconhece e mesmo reafirma sua postura quando diz que não vê nada de errado nos diálogos, embora diga que não se lembra dos textos precisos das mensagens. No essencial, a reiterada troca de mensagens, que revelam uma participação orgânica na atuação dos acusadores, confessa.
A sanha persecutória foi tamanha que mesmo alguns procuradores estranharam os modos “inquisitivos” de Moro, cujos “resultados” haviam justificado os atropelos procedimentais durante toda sua carreira e que, no caso da Lava-Jato, ensejaram até mesmo a adição de fatos à denúncia. Trata-se de afronta da mais alta gravidade à ordem jurídica estabelecida: o que Moro fez não é só eticamente reprovável, mas ilegal.
A bem da verdade, os diálogos revelados pelo Intercept apenas confirmam aquilo que quase todos já sabiam: Moro agiu politicamente na Lava-Jato. O vazamento criminoso realizado pelo juiz em 2016 dos áudios de conversas particulares entre Dilma e Lula, somado à condução coercitiva despropositada do ex-presidente e à notória seletividade dos atos investigados, entre tantos outros episódios vergonhosos, não deixam dúvidas sobre os propósitos do inquisidor.
Moro instrumentalizou seus ofícios para tirar Lula da corrida presidencial e favorecer Jair Bolsonaro, segundo colocado nas pesquisas. Auferiu, por conta disso, contrapartida direta ao ser indicado para o cargo de Ministro da Justiça. Ao lado dos inúmeros abusos necessários para atingir esse objetivo, suficientemente expostos nos vazamentos do Intercept, foi preciso criar um cenário de espetacularização em torno da Operação Lava-Jato, justamente para ofuscar os absurdos ocorridos ao longo de seus capítulos cinematograficamente batizados.
O Intercept trouxe à tona demonstrações de que a parcialidade de Moro nos processos da Lava-Jato não era uma covardia “apenas” porque jogava um jogo de cartas marcadas, “apenas” porque usava o peso na máquina estatal para extrair confissões, ou “apenas” porque fez política sem ter sido escolhido para isso. Moro foi covarde, inclusive, ao escolher suas vítimas – quis poupar, a exemplo disso, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso de suas investigações para não “melindrar o apoio de alguém que é importante”, em suas palavras.

Hoje conhecemos quais são os destinos reservados aos atalhos tentados na longa e árdua estrada do fortalecimento de nossas instituições. Sabemos que o desrespeito aos pactos constitucionais fere duramente o tecido de nossa combalida democracia, e que ela costuma morrer antes que consigamos estancar a sangria dos medos presentes em nosso cotidiano: do desemprego, da inflação, da fome, do favoritismo, da exclusão, do racismo, do feminicídio, do machismo, da homofobia e de qualquer forma de exploração e de opressão
Por isso, o Centro Acadêmico XI de Agosto, que desde logo se colocou contra os abusos irresponsáveis cometidos pela Lava-Jato, agora, a luz dos vazamentos do Intercept, lança esse abaixo-assinado reivindicando (i) a renúncia imediata do Ministro da Justiça Sérgio Moro, (ii) a nulidade dos processos conduzidos na Lava-Jato e, por consequência, (iii) liberdade imediata para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a fim de que seja submetido a um julgamento justo, seguida a regularidade procedimental e obedecidos os parâmetros constitucionais.
Entendemos que essas ações não resolverão todos os enormes e graves problemas do país da noite para o dia, mas, ainda assim, constituem um exercício corajoso de lucidez em meio ao caos e ao obscurantismo. Em outras palavras, lançamos este apelo em nome da razoabilidade e da luta pelas garantias democráticas.
FOTO: FABIO RODRIGUES POZZEBOM/AGÊNCIA BRASIL
Assinam:
Juarez Cirino dos Santos – Presidente do Instituto de Criminologia e Política Criminal (ICPC), Conselheiro Estadual Titular da OAB, advogado criminal militante e professor aposentado de Direito Penal da UFPR.
José Eduardo Cardozo – Ex-Ministro da Justiça e Advogado-Geral da União durante o governo Dilma Rousseff, advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Carol Proner – Membro da Secretaria Internacional da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), Co-Diretora do Programa Máster-Doutorado Oficial da União Européia, Derechos Humanos, Interculturalidad y Desarrollo e professora de Direito Internacional da UFRJ.
Sérgio Salomão Shecaira – Ex-presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e penitenciária e do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), membro do Conselho de Direção da Associação Internacional de Direito Penal (AIDP), secretário adjunto para a América Latina da Sociéte Internacionale de Défense Sociale e professor titular de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
Maurício Stegemann Dieter – Coordenador do CPECC (Centro de Pesquisa e Extensão em Ciências Criminais, da Universidade de São Paulo), Professor Doutor de Criminologia e Direito Penal da Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Professor convidado do Programa de Doutorado em Ciências Penais da Facultad de Ciencias Jurídicas y Sociales da Universidad San Carlos de Guatemala, do Programa de Mestrado da Universidad Autónoma Latinoamericana, em Medellín, Colômbia, e da Pós-Graduação da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Westminster em Londres.
Valdete Souto Severo – Presidenta da Associação Juízes para a Democracia (AJD), professora, coordenadora e diretora da FEMARGS – Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do RS.
Alamiro Velludo Salvador Netto – Ex-Presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça (CNPCP/MJ). Ex-Presidente da Comissão de Direito Penal da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional São Paulo (OAB/SP) e Professor Titular de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
Ari Marcelo Solon – Livre-docente, doutor e mestre em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), instituição da qual é atualmente professor. Membro do Instituto Brasileiro de Filosofia.
Jorge Luiz Souto Maior – Professor e Ex-chefe do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da USP. Coordenador, desde 2013, do Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital – GPTC-USP.
Gilberto Bercovici – Professor Titular de Direito Econômico e Economia Política da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (Departamento de Direito Econômico, Financeiro e Tributário).
José Augusto Fontoura Costa – Professor e Chefe do Departamento de Direito Internacional e Comparado da Universidade de São Paulo (USP).
Celso Antônio Bandeira de Mello – Advogado, Professor Titular de Direito Administrativo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo desde 1968, fundador do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo e autor de inúmeros livros de Direito Público.
Roberto Delmanto – Advogado criminalista, autor de inúmeros livros sobre Direito Penal e conselheiro do Instituto Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e o Tratamento do Delinquente (ILANUD).
De www.cartacapital.com.br
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Entenda por que a internet está se desintegrando



Sombra de pessoa sobre códigos de programaçãoDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionRússia e China começaram a falar publicamente sobre uma 'internet soberana' por volta de 2011
Em 1648, foi assinada uma série de tratados conhecidos em conjunto como Paz de Vestfália, encerrando 30 anos de guerra na Europa e levando ao surgimento dos Estados soberanos. O direito estatal de controlar e defender seu próprio território tornou-se a base fundamental de nossa ordem política global e permaneceu inconteste desde então.
Em 2010, uma delegação de países - incluindo a Síria e a Rússia - chegou a uma obscura agência das Nações Unidas com um pedido estranho: levar essas mesmas fronteiras soberanas ao mundo digital.
"Eles queriam permitir que os países atribuíssem endereços de internet fossem atribuídos país por país, da mesma forma que os códigos de país eram originalmente designados para números de telefone", diz Hascall Sharp, consultor de política digital que era na época diretor de políticas da gigante de tecnologia Cisco.
Depois de um ano de negociações, o pedido não deu em nada: criar tais fronteiras teria permitido que as nações exercessem rígido controle sobre seus próprios cidadãos, contrariando o espírito aberto da internet como um espaço sem fronteiras, livre dos ditames de qualquer governo individual.
Quase uma década depois, esse espírito parece uma lembrança antiga. As nações que saíram da ONU de mãos vazias não desistiram da ideia de colocar uma parede ao redor do seu canto no ciberespaço. Elas simplesmente passaram a última década buscando formas melhores de tornar isso uma realidade.
A Rússia já explora uma nova abordagem para criar um muro de fronteira digital e aprovou dois projetos de lei que exigem medidas tecnológicas e legais para isolar a internet russa. O país faz parte de um número crescente de nações insatisfeitas com uma internet construída e controlada pelo Ocidente.
Embora os esforços russos dificilmente sejam a primeira tentativa de controlar quais informações podem e não podem entrar em um país, sua abordagem representa uma mudança em relação ao que foi feito no passado.
"As ambições da Rússia vão mais longe do que as de que qualquer outro país, com as possíveis exceções da Coreia do Norte e do Irã, no sentido de fraturar a internet global", diz Robert Morgus, analista de segurança cibernética do centro de estudos americano New America Foundation.
Protesto na RússiaDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionAs políticas de internet cada vez mais restritivas da Rússia provocaram protestos em todo o país
A abordagem da Rússia é um vislumbre do futuro da soberania na internet. Hoje, os países que buscam o mesmo não são mais apenas os suspeitos autoritários de sempre - e estão fazendo isso em níveis mais profundos do que nunca.
Seu projeto é auxiliado tanto pelos avanços da tecnologia quanto pelas crescentes dúvidas sobre se a internet aberta e livre foi uma boa ideia. Os novos métodos abrem a possibilidade não apenas de países construírem suas próprias pontes levadiças, mas também de alianças entre países que pensam da mesma forma para criar uma internet paralela.

O que há de errado com a internet aberta?

É sabido que alguns países estão insatisfeitos com a coalizão ocidental que tradicionalmente dominou a governança da internet.
Não são apenas as filosofias defendidas pelo Ocidente que os incomodam, mas o modo como essas filosofias foram incorporadas na própria arquitetura da rede, que é famosa por garantir que ninguém possa impedir que alguém envie algo a outra pessoa.
Isso se deve ao protocolo-base que a delegação que foi à ONU em 2010 tentava contornar: o TCP/IP (protocolo de controle de transmissão/protocolo de internet) permite que as informações fluam sem nenhuma ressalva quanto a geografia ou conteúdo.
Não importa qual informação esteja sendo enviada, de que país ela esteja vindo ou as leis do país que vai recebê-la. Tudo o que importa é o endereço de internet ao final da comunicação. É por isso que, em vez de enviar dados por caminhos predeterminados, que podem ser desviados ou cortados, o TCP/IP envia pacotes de informações do ponto A ao ponto B por qualquer via necessária.
É fácil rejeitar objeções a essa configuração como os gritos agonizantes de regimes autoritários em face de uma força global de democratização - mas os problemas que surgem não afetam apenas eles. Qualquer governo pode se preocupar com códigos maliciosos como vírus chegando a instalações militares e redes de água e energia, ou com a influência de notícias falsas sobre o eleitorado.
Protesto na RússiaDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionEmbora governos possam alegar que a soberania na internet protege seus cidadãos contra vírus e outras ameaças, muitos temem perder a liberdade da 'internet aberta'
"Rússia e China só entenderam um pouco mais cedo do que os demais o possível impacto que um ecossistema de informação massivo e aberto teria sobre os humanos e a tomada de decisões, especialmente no nível político", diz Morgus.
A visão destes países é que cidadãos de um país são uma parte tão crítica de sua infraestrutura quanto usinas de energia e precisam ser "protegidos" de informações supostamente maliciosas - neste caso, notícias falsas, em vez de vírus.
Mas não se trata de proteger os cidadãos tanto quanto de controlá-los, diz Lincoln Pigman, pesquisador da Universidade de Oxford e do Centro de Política Externa, em Londres.

Uma internet soberana

Rússia e China começaram a falar publicamente sobre uma "internet soberana" por volta de 2011 ou 2012, quando uma onda de protestos começava a se consolidar em território russo e as revoluções nascidas abalavam regimes autoritários.
Convencidos de que essas revoltas haviam sido instigadas por Estados ocidentais, a Rússia buscou impedir que influências revolucionárias atingissem seus cidadãos - essencialmente criando postos de controle em suas fronteiras digitais.
Mas instaurar uma soberania na internet não é tão simples quanto se desligar da rede global. Isso pode parecer contraintuitivo, mas, para ilustrar como esse movimento seria contraproducente, não é preciso olhar além da Coreia do Norte.
Um único cabo conecta o país ao resto da internet global. Você pode desconectá-lo com o apertar de botão. Mas poucos países considerariam implementar uma infraestrutura semelhante. De uma perspectiva de hardware, é quase impossível.
"Em países com conexões ricas e diversificadas com o resto da internet, seria virtualmente impossível identificar todos os pontos de entrada e saída", diz Paul Barford, cientista da computação da Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos, que mapeia a rede de tubos e cabos por trás da internet global.
Mesmo que a Rússia pudesse de alguma forma encontrar todos os pontos pelos quais as informações entram e saem do país, não seria muito interessante bloqueá-los, a menos que também quisessem se separar da economia mundial. A internet é agora uma parte vital do comércio no mundo, e a Rússia não pode se desconectar desse sistema sem prejudicar sua economia.
Cabo de internet é instaladoDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionA internet na maioria dos países depende de muitos pontos de entrada físicos
A solução parece ser manter alguns tipos de informação fluindo livremente enquanto se impede o fluxo de outras.
Mas como esse tipo de soberania na internet pode funcionar, dado a natureza do TCP/IP?
A China tem tradicionalmente liderado esse controle de conteúdo online e emprega filtros com o chamado "Grande Firewall" para bloquear certos endereços de internet, palavras, endereços de IP e assim por diante. Esta solução não é perfeita: é baseada em programas de computador, o que significa ser possível projetar formas de contorná-la, como as redes privadas virtuais e sistemas de prevenção de censura, como o navegador Tor.
Além disso, o sistema chinês não funcionaria para a Rússia. Por um lado, "depende muito das grandes empresas chinesas retirarem esse conteúdo de circulação", diz Adam Segal, especialista em segurança cibernética do Conselho de Relações Exteriores dos Estados Unidos, enquanto a Rússia é "mais dependente de empresas de mídia social americanas".
Grande parte da vantagem da China também se resume à estrutura física com a qual internet é construída. A China, desconfiada da nova tecnologia ocidental desde o início, só permitiu que pouquíssimos pontos de entrada e saída para a internet global fossem feitos em suas fronteiras, enquanto a Rússia foi inicialmente bastante receptiva e, hoje, está repleta destas conexões. A China simplesmente tem menos fronteiras digitais para ficar de olho.
Chineses olham para seus celulares no metrôDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionO 'Grande Firewall' da China permite que o governo tenha algum controle sobre as informações que entram no país, mas isso pode ser contornado

Tentativa russa de isolamento

A Rússia está, portanto, trabalhando em um método híbrido que não depende inteiramente de equipamentos nem de programas - em vez disso, manipula o conjunto de processos e protocolos que determinam se o tráfego da internet pode se mover de sua origem para o destino pretendido.
Os protocolos da internet especificam como todas as informações devem ser tratadas por um computador para serem transmitidas e roteadas pelos cabos globais. "Um protocolo é uma combinação de diferentes coisas - como dados, algoritmos, endereços de IP", diz Dominique Lazanski, que trabalha na governança da internet e presta consultoria sobre desenvolvimento de seus padrões.
Um dos mais fundamentais é o padrão DNS - o catálogo de endereços que informa à internet como traduzir um endereço de IP, por exemplo, 38.160.150.31, para um endereço de internet legível como o bbcbrasil.com, e aponta o caminho para o servidor que hospeda esse IP.
É no DNS que a Rússia está mirando. O país previa testar em abril uma forma de isolar o tráfego digital de todo o país, para que as comunicações via internet por seus cidadãos permanecessem dentro dos limites geográficos do país, em vez de percorrer o mundo.
O plano - que foi recebido com ceticismo por grande parte da comunidade de engenheiros - é criar uma cópia dos servidores de DNS da Rússia (a lista de endereços atualmente sediada na Califórnia) para que o tráfego dos cidadãos fosse dirigido exclusivamente para sites russos ou versões russas de sites externos. Isso enviaria os russos para o buscador Yandex se quisesse acessar o Google, ou a rede social VK em vez do Facebook.
Para estabelecer as bases para isso, a Rússia passou anos promulgando leis que forçam empresas internacionais a armazenar todos os dados dos cidadãos russos dentro do país - levando algumas empresas como a rede LinkedIn a serem bloqueadas ao se recusarem a cumprir isso.
"Se a Rússia tiver sucesso em seus planos de um DNS nacional, não haverá necessidade de filtrar informações internacionais. O tráfego de internet russo nunca precisá sair do país", diz Morgus, analista da New America Foundation.
"Isso significa que a única coisa que os russos - ou qualquer um - poderiam acessar de dentro da Rússia seria a informação que está hospedada dentro da Rússia, em servidores fisicamente presentes no país. Isso também significaria que ninguém poderia acessar informações externas, seja isso dinheiro ou o site da Amazon para comprar um lenço."
A maioria dos especialistas reconhece que o principal objetivo da Rússia é aumentar o controle sobre seus próprios cidadãos. Mas a ação também pode ter consequências globais.
Site exibe produtos em tela de tabletDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionGovernos que buscam ter 'soberania digital' precisam achar uma forma de controlar quais informações entram no país sem bloquear transações econômicas
As abordagens adotadas pela Rússia e pela China são muito caras para países menores, mas isso não significa que isso não os influencie. "A disseminação, particularmente de políticas repressivas ou da arquitetura iliberal da internet, é como um jogo de imitação", diz Morgus.
Sua observação é confirmada por uma pesquisa feita por Jaclyn Kerr no Laboratório Nacional Lawrence Livermore, um centro de pesquisa federal dos Estados Unidos baseado na Universidade da Califórnia.
A extensão e alcance do controle da internet por regimes autoritários são determinados por três fatores. Primeiro, pelas soluções que estão disponíveis. Segundo, se o regime pode se dar ao luxo de implementar qualquer uma das opções disponíveis. A terceira variável - "as políticas selecionadas pelos Estados que são uma referência para este regime" - é o que explica por que isso é descrito como um jogo de imitação: quais recursos os parceiros endossaram ou escolheram? Isso muitas vezes depende da atitude destes países de referência ao controle da internet.
Em relação à primeira variável, os vizinhos da Rússia, como as repúblicas da Ásia Central, poderiam se conectar apenas à versão russa da internet. Isso expandiria as fronteiras desta rede para sua periferia, diz Morgus.

Os tomadores de decisão digitais

Em relação à terceira variável, a lista de países que se sentem atraídos por uma governança da internet mais autoritária parece estar crescendo.
Nem todos se enquadram perfeitamente entre os que defendem uma "internet aberta" e os "autoritários repressivos" quando se trata de como eles lidam com a internet.
Israel, por exemplo, encontra-se nitidamente entre os dois extremos, como Morgus destacou em um artigo publicado no ano passado. Esse estudo mostra que, nos últimos quatro anos, os países que são os "maiores tomadores de decisão digitais" - Israel, Cingapura, Brasil, Ucrânia, Índia, entre outros - têm se aproximado cada vez mais de uma abordagem mais soberana e fechada quanto à circulação de informação.
As razões para isso são variadas, mas vários desses países estão em situações semelhantes: Ucrânia, Israel e Coreia do Sul, que vivem em um estado perpétuo de conflito, dizem que seus adversários estão usando a internet contra eles.
Alguns especialistas acham que o uso estratégico da rede - em especial, das mídias sociais - se tornou como a guerra. Mesmo a Coreia do Sul, apesar de sua reputação de nação aberta e global, desenvolveu uma técnica inovadora para reprimir informações ilegais online.
Mas os tomadores de decisão podem realmente copiar o modelo da China ou da Rússia? Os meios tecnológicos da China para sua soberania são muito idiossincráticos para países menores seguirem. O método russo ainda não está totalmente testado. Ambos custam no mínimo centenas de milhões para serem criados.
Indiano lê jornalDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionA Índia é considerada um dos ' tomadores de decisão digitais' que podem influenciar o destino da internet
Dois dos maiores países dentre estes, Brasil e Índia há muito tempo buscam uma maneira de lidar com a internet global de forma independente dos "valores de abertura" do Ocidente ou das redes nacionais fechadas.
"Sua internet e valores políticos estão no meio do caminho deste espectro", diz Morgus. Durante a maior parte da última década, ambos tentaram encontrar uma alternativa viável para as duas versões opostas da internet que vemos hoje.
Essa inovação foi sugerida em 2017, quando o site de propaganda russo RT informou que Brasil e Índia se uniriam a Rússia, China e África do Sul para desenvolver uma alternativa que eles chamavam de internet dos Brics. A Rússia alegou que estava criando a infraestrutura para "protegê-los da influência externa".
O plano fracassou. "Tanto a Rússia quanto a China estavam interessadas em promover os Brics, mas os demais estavam menos entusiasmados", diz Lazanski. "Em especial, a mudança de liderança no Brasil fez isso sair dos trilhos."

A internet que está sendo construída pela China

Alguns veem bases sendo lançadas para uma segunda tentativa sob o disfarce do projeto de "Rota da Seda do Século 21" da China para conectar a Ásia à Europa e à África com a construção de uma vasta rede de corredores terrestres, rotas marítimas e infraestrutura de telecomunicações em países como Tajiquistão, Djibuti e Zimbábue.
Segundo estimativas do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos de Londres, a China está envolvida em cerca de 80 projetos de telecomunicações em todo o mundo - desde a instalação de cabos até a construção de redes centrais em outros países, contribuindo para uma rede global significativa e crescente de propriedade chinesa.
Pessoa olha para mapa em telaDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionAlguns países podem se separar e construir sua própria infraestrutura independente da internet ocidental
Uma possibilidade é que um número suficiente destes países se una à Rússia e à China para desenvolver uma infraestrutura semelhante a ponto de poderem se sustentar economicamente sem fazer negócios com o resto do mundo, o que significa que poderiam se isolar da internet ocidental.
Os países menores podem preferir uma internet construída em torno de um padrão não ocidental e uma infraestrutura econômica construída em torno da China pode ser a "terceira via" que permitiria aos países participar de uma economia semiglobal e controlar certos aspectos da experiência de internet de suas populações.
Sim Tack, analista do grupo de inteligência Stratfor, nos Estados Unidos, argumenta que uma economia da internet autossustentável, embora possível, é "extremamente improvável".
Maria Farrell, da Open Rights Group, uma organização dedicada a promover a liberdade na internet, não acha que isso é exagero, embora uma internet isolada possa ter uma forma ligeiramente diferente.
A iniciativa da China, diz ela, oferece aos países "tomadores de decisão" pela primeira vez uma opção de acesso online que não depende da infraestrutura de internet ocidental.
"O que a China tem feito é criar não apenas um conjunto inteiro de tecnologias, mas sistemas de informação, treinamento de censura e leis para vigilância. É um kit completo para executar uma versão chinesa da internet", diz ela.
É algo que está sendo vendido como uma alternativa crível a uma internet ocidental que cada vez mais é "aberta" apenas no nome.
"Nações como Zimbábue, Djibuti e Uganda não querem entrar em uma internet que é apenas uma porta de entrada para o Google e o Facebook" para colonizar seus espaços digitais, diz Farrell.
Esses países também não querem que a "abertura" oferecida pela internet ocidental seja uma forma de prejudicar seus governos por meio da espionagem.
Juntamente com todos os outros especialistas entrevistados para este artigo, Farrell reiterou como seria insensato subestimar as reverberações em curso das revelações feitas Edward Snowden sobre a coleta de informações feita pelo governo americano - especialmente porque elas minaram a confiança dos países "tomadores de decisão" em uma rede aberta.
"Os países mais pobres, especialmente, ficaram muito assustados", diz ela. "Isso confirmou que tudo que nós suspeitávamos é verdade."
Assim como a Rússia está trabalhando para reinventar o DNS, a internet autoritária da iniciativa chinesa oferece aos países acesso aos protocolos de internet da China. "O TCP/IP não é um padrão estático", aponta David Conrad, diretor de tecnologia da Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números, que emite e supervisiona os principais domínios de internet e administra o DNS. "Está sempre evoluindo. Nada na internet é imutável. "
Mas a evolução da internet global é cuidadosa e lenta e baseada em consenso. Se isso mudar, o TCP/IP pode seguir por outros caminhos.
Por mais de uma década, China e Rússia têm pressionado a comunidade da internet a mudar o protocolo para permitir uma melhor identificação de emissores e destinatários, acrescenta Farrell, algo que não surpreenderá ninguém que esteja familiarizado com a adoção em massa do reconhecimento facial para rastrear cidadãos no mundo físico.

Contágio ocidental

Mas talvez os países autoritários tenham menos trabalho a fazer do que imaginam. "Cada vez mais países ocidentais são forçados a pensar sobre o que significa a soberania na internet", diz Tack.
Na esteira da recente interferência eleitoral nos Estados Unidos e da prática bem documentada dos governos russos de semear discórdia nas mídias sociais ocidentais, os políticos ocidentais acordaram para a ideia de que uma internet livre e aberta pode realmente prejudicar a própria democracia, diz Morgus.
"A ascensão paralela do populismo nos Estados Unidos e em outros lugares, somada a preocupações com o colapso da ordem internacional liberal, fez muitos dos tradicionais defensores da internet aberta recuarem."
Cartaz de protesto contra mudanças na internetDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionAmeaças à 'internet aberta' continuam a gerar respostas acaloradas - mas alguns especialistas acreditam que a mudança é inevitável
"Não se trata de classificar países como ruins ou bons - isso diz respeito a qualquer país que queira controlar suas comunicações", diz Milton Mueller, que dirige o Projeto de Governança da Internet na Universidade Georgia Tech, nos Estados Unidos.
"A pior coisa que vi ultimamente é a lei britânica de danos digitais." Esta proposta inclui a criação de um órgão regulador independente, encarregado de estabelecer boas práticas para as plataformas de internet e punições caso elas não sejam cumpridas.
Essas "boas práticas" limitam tipos de informação - pornografia de vingança, crimes de ódio, assédio e perseguição, conteúdo carregado pelos prisioneiros e desinformação - de forma semelhantes às recentes leis russas sobre internet.
De fato, as próprias multinacionais temidas pelos países "tomadores de decisão" atualmente podem estar ansiosas por serem recrutadas para ajudá-los a alcançar suas metas de soberania da informação.
O Facebook recentemente capitulou diante de uma pressão crescente, exigindo regulamentação governamental para determinar, entre outras coisas, o que constitui conteúdo prejudicial, "discurso de ódio, propaganda terrorista e muito mais".
O Google está trabalhando fornecer uma internet aberta no Ocidente e um mecanismo de busca com censura no Oriente. "Suspeito que sempre haverá uma tensão entre os desejos de limitar a comunicação, mas não limitar os benefícios que a comunicação pode trazer", diz Conrad.
Sejam as fronteiras da informação elaboradas por países, coalizões ou plataformas globais de internet, uma coisa é clara: a internet aberta com a qual seus criadores sonharam já acabou. "A internet não tem sido uma rede global há muito tempo", diz Lazanski.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.
Professor Edgar Bom Jardim - PE