terça-feira, 3 de outubro de 2017

As instituições estão funcionando? 5 momentos em que o equilíbrio entre Poderes deu 'tilt'


Estátua representa a Justiça em frente ao STF
Image captionEstátua representa a Justiça em frente ao STF; caso de Aécio Neves evidenciou embate com o Legislativo | Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF

A cada nova escalada da crise brasileira, autoridades apressam-se a garantir: "as instituições estão funcionando". Mas estariam funcionando bem? Sucessivos embates entre os Poderes da República - Executivo, Legislativo e Judiciário - indicam que o equilíbrio entre eles têm dado "tilt", ou seja, sinais de falha. E o risco que isso traz, destacam analistas ouvidos pela BBC Brasil, é o de perda de confiança na democracia.
O mais recente episódio de tensão gira em torno do afastamento do senador Aécio Neves (PSDB-MG), determinado há uma semana em decisão apertada da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, que entendeu que o tucano usa seu mandato para atrapalhar a operação Lava Jato.
Como não há previsão na Constituição autorizando que a corte suspenda o parlamentar, o Senado pretende votar nesta terça-feira um requerimento para derrubar a decisão do STF.
Para Rubens Glezer, professor de Direito Constitucional da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o equilíbrio entre os poderes começou a falhar na controversa prisão do senador Delcídio do Amaral (ex-PT-MS) e se aprofundou em outros momentos.
Ele cita as decisões contraditórias do Supremo ao primeiro barrar a nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como ministro de Dilma Rousseff para depois autorizar a de Moreira Franco no governo de Michel Temer - ambas suspeitas de servir para lhes dar foro privilegiado.
Na sua avaliação, a crise que o país atravessa não decorre de um desenho ruim de funcionamento das instituições brasileiras, mas da "má qualidade dos atores nas três esferas de Poder".
"Temos um Legislativo e um Executivo altamente comprometidos com escândalos de corrupção e uma Suprema Corte que, em vez de estabelecer regras claras, interfere nessa relação voluntariamente, casuisticamente", critica.

O senador afastado Aécio Neves
Image captionSenado pretende analisar hoje caso de Aécio | Foto: Wilson Dias/Ag. Brasil

O cientista político José Alvaro Moisés, professor da USP, ressalta que é normal haver certa tensão entre as instituições, já que o princípio do "equilíbrio entre os Poderes" prevê justamente que cada um atue para conter excessos dos outros. "O problema é quando se passa desses patamares normais de tensão, o que talvez esteja acontecendo", nota ele.
Em meio aos sucessivos embates entre Poderes, pesquisa do Instituto Datafolha divulgada neste domingo mostrou queda no percentual dos eleitores brasileiros que concordam com a noção de que a democracia é sempre melhor do que outras formas de governo - o índice caiu de 66% em dezembro de 2014 para 56% agora.
"Se há uma desconfiança persistente nas instituições, isso passa para a democracia. É muito grave, pois pode vir a solapar a legitimidade da democracia", afirma Moisés.
Nesse cenário, ainda que sob muitas críticas, tem aumentado o discurso a favor de uma "intervenção militar". "Algo inimaginável há três anos", nota Glezer.
Confira abaixo os principais momentos de tensão protagonizados entre os Poderes nos últimos anos e como eles revelam falhas nas relações institucionais.

1) Prisão de Delcídio


Delcídio do Amaral
Image captionPara especialista, prisão de Delcídio representa comprometimento do Judiciário com a agenda anticorrupção | Foto: Jane de Araújo/ Ag. Senado

Delcídio do Amaral, então líder do governo Dilma no Senado, foi preso por decisão unânime do Supremo em novembro de 2015, acusado de atrapalhar as investigações da Lava Jato. Ele foi gravado oferecendo R$ 50 mil mensais à família de Nestor Cerveró para tentar convencer o ex-diretor da Petrobras a não fechar um acordo de delação premiada.
A decisão dividiu juristas e gerou reação de parte dos senadores, já que a Constituição prevê que parlamentar só pode ser preso em flagrante ou por crime inafiançável (terrorismo, racismo, tráfico de drogas, entre outros).
Apesar disso, o Senado confirmou por 59 a 13 a manutenção da prisão. Delcídio depois firmou acordo de delação premiada e ganhou o benefício da prisão domiciliar, mas acabou cassado por seus pares.

Senado vota perda de mandato de Delcídio
Image captionDecisão do STF sobre Delcídio gerou reação de parte de senadores | Foto: Moreira Mariz/Ag. Senado

"A prisão do Delcídio é o momento em que Judiciário assume a agenda anticorrupção, mas faz isso com soluções excepcionais, de ocasião. Foi também uma chancela (do Supremo) de que havia corrupção no governo, o que teve reflexo no processo de impeachment", afirma Glezer.
Por outro lado, o professor considera que a decisão de ministros do STF de não prender Aécio, embora seu caso se assemelhe ao de Delcídio, mostra um certo "voluntarismo" nas decisões que não seria positivo.

2) Nomeação de Lula


Dilma Rousseff mostra Termo de Posse de Lula como ministro
Image captionDecisão monocrática de Gilmar Mendes derrubou nomeação de Lula como ministro da Casa Civil | Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

Encurralada por enormes manifestações de rua, Dilma decidiu em março de 2016 colocar Lula como ministro da Casa Civil. O ato, no entanto, acabou barrado por decisão monocrática do ministro do STF Gilmar Mendes, que considerou que a nomeação do ex-presidente visava lhe dar foro privilegiado, tirando as investigações contra ele da primeira instância.
A decisão foi fundamentada em gravação de telefone entre Dilma e Lula que o juiz Sergio Moro tornou pública - posteriormente, o Supremo considerou a divulgação desse grampo ilegal.
Já em fevereiro de 2017, pedido semelhante contra a nomeação de Moreira Franco ministro de Temer foi rejeitado monocraticamente por outro ministro do Supremo, Celso de Mello.
Para o professor da FGV, o grande problema nesse caso foi não ter havido uma decisão colegiada do Supremo, o que poderia ter evitado a incongruência das decisões.
"O ministro Gilmar Mendes tomou monocraticamente uma decisão inédita de barrar um ministro, com efeito que era de 'tudo ou nada' para o governo vigente, e nunca levou o caso ao plenário. Depois outro ministro toma decisão oposta no caso Moreira Franco. Mais uma vez é uma situação de voluntarismo, de falta de controle e de falta de regra (no Supremo)", destaca Glezer.

3) Afastamento de Eduardo Cunha


Eduardo Cunha em sessão da Câmara
Image captionCunha se transformou em um dos personagens mais controversos do país | Foto: Ag. Brasil

Cunha foi afastado em maio de 2016 da Presidência da Câmara e do seu mandato de deputado, acusado de usar o cargo para atrapalhar investigações da Lava Jato e o andamento do processo que poderia levar a sua cassação no Conselho de Ética da Casa.
Outro argumento usado pelo relator do caso, o falecido ministro Teori Zavascki, para fundamentar o afastamento foi que Cunha era réu em uma ação penal no Supremo e por isso não poderia estar na linha sucessória da Presidência da República, ou seja, no comando da Câmara.
Sua decisão foi referendada pelos outros dez ministros - o mesmo argumento, porém, depois acabou rejeitado pela corte para afastar Renan Calheiros do comando do Senado (ver mais abaixo).
Mas a principal controvérsia nesse tipo de ação de afastamento, que está em discussão novamente no caso de Aécio, é que a Constituição não prevê a possibilidade de afastamento do mandato por decisão do STF - a princípio, apenas os próprios parlamentares podem cassar seus pares.
Como já havia um movimento na Câmara para cassar Cunha, a maioria dos deputados ficou a favor da intervenção do Supremo e o peemedebista acabou sendo cassado em setembro do ano passado.

4) Afastamento de Aécio


Os presidentes do Senado, Eunício Oliveira, e da Câmara, Rodrigo Maia, deixam reunião com Cármen Lúcia no STF
Image captionOs presidentes do Senado, Eunício Oliveira, e da Câmara, Rodrigo Maia, deixam reunião com Cármen Lúcia no STF; presidente da corte tenta amenizar crise entre poderes | Foto: Marcelo Camargo/Ag. Brasil

No entanto, um dos problemas do afastamento de Cunha, considera Glezer, é que o STF criou uma nova forma de intervenção no Legislativo, mas sem prever "mecanismos de controle" sobre ela. É justamente a controvérsia que apareceu agora, no caso de Aécio, sobre o Senado poder ou não derrubar a decisão da Corte.
Para alguns juristas, se a Constituição permite que o Senado pode reverter uma decisão de prisão, então também deve poder derrubar o afastamento.
"A lógica do sistema de freios e contrapesos (entre os Poderes) é de que se você tem um poder interferindo no outro, o que é normal, possa haver uma reação de algum dos outros poderes", afirma Glezer.
O Supremo acabou marcando para o dia 11 o julgamento que analisará se o Senado pode derrubar a decisão da corte - a presidente Cármen Lúcia decidiu dar urgência ao caso para tentar amenizar a crise com o Legislativo.
Já Moisés considera que a reação do Senado é muito mais um movimento corporativista de autoproteção. Embora Aécio tenha sido gravado em uma conversa com o dono da JBS, Joesley Batista, pedindo R$ 2 milhões e também descrevendo sua atuação para tentar frear a Lava Jato com novas leis no Congresso e intervenções na Polícia Federal, o Senado nem mesmo abriu um processo contra ele no Conselho de Ética.
"Essas decisões do STF estão num contexto de nova fase que está se vivendo no Brasil de levar ao cumprimento da lei e fazer com que a lei coíba a impunidade. Eu interpretaria muito mais nessa linha do que um erro jurídico", afirmou.
A defesa de Aécio diz que os R$ 2 milhões eram apenas um pedido de empréstimo e questiona a legalidade da delação da JBS.

5) Afastamento de Renan Calheiros


Renan Calheiros
Image captionCom apoio da mesa diretora do Senado, Calheiros decidiu não cumprir decisão do STF | Foto: Marcelo Camargo/Ag. Brasil

Em dezembro de 2016, o ministro do STF Marco Aurélio decidiu afastar Calheiros da Presidência do Senado, sob a justificativa de que ele não poderia estar na linha sucessória da Presidência da República sendo réu em ação penal no Supremo, um dos argumentos usados contra Cunha.
Com apoio da mesa diretora do Senado, Renan decidiu não cumprir a determinação até que o plenário do STF decidisse se mantinha ou não a liminar de Marco Aurélio. Os senadores fizeram fortes críticas à interferência no comando da Casa por meio de uma decisão monocrática.
A maioria da corte acabou decidindo a favor de Renan, determinando que ele poderia continuar no comando do Senado, mas não poderia assumir a Presidência na ausência de Temer ou do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Nessa hipótese, que não chegou a ocorrer, o comando do país ficaria temporariamente nas mãos da presidente do STF, Cármen Lúcia.
Para Glezer, o "voluntarismo" e o excesso de decisões monocráticas do Supremo acaba provocando a erosão da autoridade da corte, com o consequente desrespeito de decisões. Outra determinação individual de Marco Aurélio, mandando a Câmara dar seguimento ao pedido de impeachment contra Temer, também nunca foi cumprida.
Fonte:BBC Mariana Schreiber 
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Compesa vai liberar água até o dia 16 de outubro em Bom Jardim


Moradores da cidade de Bom Jardim  reclamam  da demoram  para liberação do abastecimento de água. Com as recentes crises no abastecimento provocado pelas estiagem dos últimos  5 anos a cidade já teve um colapso total no abastecimento. Visando regularizar essa situação a Compesa fez a integração do abastecimento dos sistema Palmeirinha e Siriji que já  se encontra em funcionamento. A programação é de 15 com água e 15 dias sem água para Bom Jardim. Das 08: 00 horas de hoje, até o dia 16 de outubro, o abastecimento será liberada nas torneiras para a cidade de Bom Jardim.  Moradores reclamam que a conta chega e o líquido  precioso é coisa rara. Com informações do Escritório Compesa local.
Fique por Dentro:
A nova adutora  percorrerá  37 quilômetros com água da Barragem de Siriji, em Vicência, na Zona da Mata Norte, até se integrar ao Sistema Palmeirinha, situado em Bom Jardim, para  atender aquelas quatro cidades do Agreste pernambucano, a região mais castigada com a pior seca dos últimos 100 anos. Além disso, ajustes estão sendo projetados para que a água também possa atender outras cidades do Agreste Setentrional, enquanto não for construída a Adutora do Alto Capibaribe.
Professor Edgar Bom Jardim - PE

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Protesto pelo uso medicinal de derivados da maconha ocorreu durante debate sobre gratificações do Pacto Pela Vida

Óleo de maconha é feito de forma natural e usado para reduzir crises e amenizar dor / Foto: Wilson Maranhão/Ascom Edilson Silva
Óleo de maconha é feito de forma natural e usado para reduzir crises e amenizar dor
Foto: Wilson Maranhão/Ascom Edilson Silva
Da Editoria de Política

Em um protesto em defesa do uso farmacêutico de derivados de cannabis, um grupo de mães deu óleo de maconha para os filhos durante uma audiência pública da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe). Dez crianças portadoras de doenças raras receberam o produto, que é feito de forma natural e usado para reduzir crises e amenizar a dor.
A manifestação ocorreu durante um debate sobre a proposta de gratificação de policiais civis e militares. Uma emenda do deputado Joel da Harpa (Podemos) incluía a maconha no rol de drogas cuja apreensão permite o recebimento do benefício, como a cocaína e o crack. Além das mães, um médico e representantes de movimentos sociais também se manifestaram contrários à gratificação para apreensão da substância.
Ao final do debate, o próprio Joel se comprometeu a discutir a revisão da proposta com os demais parlamentares, apesar de sustentar que o tráfico tem papel central na crise de segurança que o Estado atravessa. Ele ressaltou que é preciso criar mecanismos para punir os traficantes que não mirem os usuários. "Se fosse eu no lugar de vocês, faria a mesma coisa. Plantaria também", afirmou para as mães.

SEM ADOLESCENTES

Relator do projeto na Comissão de Constituição e Justiça, o deputado Antônio Moraes (PSDB) disse que não incluir no texto a emenda de Joel. Responsável por convocar o debate, o deputado Edilson Silva considerou a posição de Joel uma vitória.
Mais cedo, o governo do Estado também havia anunciado, por meio de nota, a retirada de outro trecho polêmico da proposta, o que incluía a detenção de adolescentes em conflito com a lei entre as medidas que poderiam servir para a gratificação.
Professor Edgar Bom Jardim - PE

No Brasil, afirma professor, o preconceito é dissimulado e aversivo

Adilson Moreira
"A discriminação é vista como ato individual, não como fator institucional"
Adilson José Moreira sempre quis entender os mecanismos que perpetuam o racismo. A curiosidade tornou-se o principal objeto de suas investigações acadêmicas desde a graduação na Universidade Federal de Minas Gerais.
Doutor pela prestigiosa Universidade Harvard, Moreira acaba de lançar O Que É Discriminação?, livro que esmiúça o conceito de direito antidiscriminatório, disciplina obrigatória nas faculdades do ramo nos Estados Unidos e praticamente desconhecida no Brasil.
O racismo, explica o professor na entrevista a seguir, muda constantemente para alcançar o propósito de perpetuar as vantagens socioeconômicas de um grupo de indivíduos sobre outro.
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"Quando não se resolve o passado, estamos condenados a repeti-lo"

CartaCapital: O que é discriminação?

Adilson José Moreira: Sempre pensamos na discriminação como algo ligado à ideia de intencionalidade e arbitrariedade. Não é inteiramente equivocado, mas o problema é que essa concepção tradicional de discriminação que ainda influencia as discussões sobre justiça social, tanto entre leigos quanto entre integrantes do Judiciário, está associada à vontade de indivíduos.
CC: Como assim?

AJM: Atos discriminatórios são vistos como meros comportamentos individuais. Em razão disso, não consideramos o aspecto institucional, estrutural, o papel de autores públicos e privados. Também ficamos cegos aos processos de exclusão social que não dependem da vontade individual.
Compreendemos a ideia de discriminação como todo tipo de tratamento, consciente ou inconsciente, intencional ou não intencional, que coloca determinados grupos em uma situação de desvantagem social.
O elemento central é exatamente a ideia de desvantagem e isso pode ocorrer, repito, tanto em função de comportamentos intencionais quanto de processos que operam independentemente da vontade de indivíduos.
CC: racismo no Brasil tem características próprias?

AJM: Sim. O racismo que existiu no século XIX não é o mesmo que existiu no XX, que não é o mesmo de hoje. O racismo tem um aspecto dinâmico e um propósito específico, garantir as vantagens econômicas materiais do grupo racial dominante. Ele pode assumir diversas formas, inclusive a da negação.
Ou seja, o projeto racial brasileiro, curiosamente, opera como uma ideologia antirracista, a ideia da democracia racial. O racismo no Brasil tem essa característica de ser encoberto, mas também aversivo. Há uma defesa pública da igualdade, mas no espaço privado os indivíduos só mantêm contato com gente da mesma raça.
Além disso, frequentemente nos deparamos com exemplos nítidos de racismo institucional, caso da prisão do Rafael Braga ou da declaração do comandante da Rota, segundo quem os moradores dos Jardins não podem ser tratados da mesma forma que os habitantes da periferia. Muitos negam que esses casos possam ser classificados como racismo. Sempre há a vontade, a intenção, de mascarar a discriminação no Brasil.
CC: Como o senhor interpreta o crescimento nos Estados Unidos da direita xenófoba e racista?

AJM: O sentimento de superioridade racial aflora em indivíduos de diferentes classes sociais, níveis educacionais e espectros ideológicos. Ele não é um distúrbio psicológico, mas um comportamento aprendido e consiste em uma sensação de superioridade biológica e moral, como se brancos devessem sempre estar na parte superior da escala econômica e o Estado fosse obrigado a fazer o possível para manter essa diferença.
Não bastasse, as crises econômicas açulam os movimentos extremistas. No caso específico dos Estados Unidos, desde a eleição à Presidência da República de Ronald Reagan, nos anos 80 do século passado, os republicanos recorrem à estratégia de promover o ódio e o desprezo raciais para fins eleitorais.
CC: O senhor vê semelhanças entre essas manifestações nos Estados Unidos e o que acontece no Brasil?

AJM: Sim, sem dúvida. O discurso de ódio tem sido amplamente utilizado no País. Prosperou nas eleições de 2014 e durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Faço um trabalho de campo em áreas periféricas da cidade de São Paulo e ouço discursos que ligam problemas pessoais aos homossexuais.
Encontro negros que acreditam que suas dificuldades são produto de uma vingança divina. Pergunto: “Mas, veja, o casamento entre pessoas do mesmo sexo tem apenas três anos. Enfrentamos as consequências do racismo há 500. Então, qual a relação entre o casamento de pessoas do mesmo sexo e o fato de que sua esposa morreu de violência obstétrica, por exemplo?”
Muitas lideranças religiosas utilizam abertamente o discurso de ódio contra homossexuais para defender um programa político ultraconservador que atende aos interesses do capital. Nada é mais interessante para o grande capital do que um eleitorado contrário à expansão de direitos sociais e individuais.
CC: Como o combate ao racismo e à homofobia se conectam? 

AJM: Uma das teorias mais relevantes que descrevo em meu livro é aquela da interseccionalidade. Essa teoria surgiu na década de 1980 e foi formulada pela professora Kimberlé Crenshaw, quando ela analisou a situação das negras vítimas de violência doméstica. É uma situação complicada, pois a negra é discriminada no mercado de trabalho por ser mulher e por ser negra, o que a coloca em uma situação de vulnerabilidade social.
Os sistemas de opressão social não operam sozinhos. Negros e negras homossexuais sofrem, além do racismo, com a homofobia. Quando as vítimas de violência contra homossexuais são negras, asiáticas ou indígenas, a crueldade dos agressores é muito maior. A raça é um fator que tende a gerar ainda mais violência.
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Funcionários dos Correios em Pernambuco optam pela continuação da greve


Após 13 dias, os funcionários dos Correios em Pernambuco continuam em greve. Foi o que ficou decidido em nova assembleia do Sindicato dos Trabalhadores dos Correios e Telégrafos de Pernambuco (Sintect-PE) realizada nesta segunda-feira (2). A liminar do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que considerou abusiva a paralisação, na última semana, foi criticada pelos sindicalistas.

Segundo o diretor de imprensa do Sindicato dos Trabalhadores e Telégrafos de Pernambuco (Sintect-PE), Eliomar Macaxeira, serão aumentadas as frentes de panfletagem e a comunicação por carros de som, no Grande Recife.
Macaxeira diz que os trabalhadores seguiram todos os trâmites legais necessários à deflagração da greve. Em julho, a federação nacional dos funcionários do setor entregou um calendário à empresa, em que já constava previsão de greve para o dia 18 de setembro, caso as negociações não fossem concluídas.

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O diretor de imprensa afirma que os Correios cancelaram três encontros com as lideranças trabalhistas durante o mês de agosto, adiando o início das tratativas para o mês passado.
“O Sintect-PE entende que a população fica prejudicada no processo, mas queremos trazer as pessoas para o nosso lado”, disse Macaxeira. Segundo ele, trabalhadores estão sobrecarregados depois dos Planos de Demissão Voluntária da empresa. Em Pernambuco, seriam necessários pelos 750 novas contratações para suprir o desfalque.

Funcionários reivindicam também aumento de 8% dos salários. A respeito da privatização do setor, planejada pelo Governo Federal, o Sintect afirma que o papel dos Correios é social, em lugares que a iniciativa privada não tem interesse de chegar. 
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Referendo na Catalunha: a região já foi independente alguma vez na história?

Manifestante com bandeira da catalunhaDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionEspecialistas se dividem quando o assunto é dizer se a Catalunha já foi independente
O desejo da Catalunha de ser uma República independente desencadeou uma das piores crises políticas da história da Espanha.
Cerca de 90% dos 2,2 milhões de pessoas que foram às urnas no domingo escolheram o "sim" no referendo sobre a independência, que teve a participação de 42% do eleitorado.
No entanto, o governo central não reconhece a legalidade da consulta popular e fez de tudo para impedir sua realização. Forças nacionais de segurança foram acionadas para conter eleitores - autoridades locais afirmam que mais de 900 pessoas ficaram feridas.
Diante de tanto embate, muita gente tem se perguntado se a Catalunha alguma vez na história foi independente.
Essa resposta não é simples e tampouco há consenso entre pesquisadores se a mais rica região da Espanha luta atualmente para conquistar ou retomar sua independência.
Ilustração da invasão de Barcelona
Image captionTropas dos Bourbons invadiram Barcelona, mas foram derrotadas na disputa pelo trono espanhol | Instituto Cartográfico da Catalunha

Conceito diferente

Integrantes do Instituto de Estudos Catalães (IEC em catalão), entidade privada com sede em Barcelona e fundada no início do século 19, volta à Idade Média para tentar responder a questão.
"A Catalunha foi independente (no passado), se levarmos em conta as circunstâncias políticas e históricas de cada momento", disse à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC, o advogado e historiador Josep Cruanyes, do ICE.
Para ele, "é possível afirmar que no período que vai dos séculos 12 e 13 até o século 18 a Catalunha foi um Estado independente".
Jordi Casassas, também do ICE, destaca que "independência", da forma como entendemos hoje, é um conceito moderno.
"Mas é evidente que na Idade Média, a Catalunha, com o Reino de Aragão, foi uma área independente, que tinha parlamento próprio, sistema jurídico próprio e um código comercial copiado por todo o mundo mediterrâneo. Portanto, foi uma área independente."
O parlamento próprio ao qual Casassas se refere são as Cortes catalãs que, assim como as valencianas, se mantiveram ativas, embora a forma como foram convocadas tenha sido considerada irregular durante toda a Idade Média. Foram dissolvidas após a Guerra da Sucessão (1701- 1714), travada pela herança do trono real da Espanha após a morte do então rei Carlos 2º, em 1700.
Retrato de Felipe 5ª e sua família
Image captionA maioria dos catalães não apoiou Felipe 5º na Guerra da Sucessão | Foto: Museu do Prado
Em 1714, com o coroamento de Felipe 5º de Bourbon, a Catalunha perdeu órgãos de autogoverno - e esse é um dos pontos de controvérsia entre historiadores em relação à independência da região.
Xosé Manoel Núñez Seixas, da Universidade de Santiago de Compostela e especialista em nacionalismo, diz não ser possível afirmar que a Catalunha foi totalmente independente.
"Ela foi uma nação plena antes de 1714, com Estado próprio? Eu diria que não, porque os estados-nação somente existem, do meu ponto de vista, a partir do final do século 18, quando o titular da soberania deixa de ser o rei e passam a ser cidadãos com direitos iguais perante a lei."

Quem escreve a história

Há quem acredite que, entre 1705 e 1714, a Catalunha esteve lutando pela independência. Para Núñez Seixas, porém, "do ponto de vista histórico, isso não se sustenta".
"Faz parte da historiografia catalã o mito de que 1714 representou a perda da independência, mas não foi assim", argumenta.
A luta que Núñez Seixas se refere é a guerra entre dinastias que colocou Felipe de Bourbon e Carlos da Áustria em lados opostos pela disputa do trono. Segundo o especialista, essa guerra não foi entre Espanha e Catalunha.
Mas, como os catalães apoiaram o lado derrotado, muitos acreditam que no período da Guerra de Sucessão a Catalunha brigava com a Espanha pela independência.
Josep María Fradera, professor de história da Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona, também nega que a Catalunha tenha sido independente em algum momento, mas admite que o descontentamento por fazer parte da Espanha aumentou com o fim da Guerra da Sucessão.
O conflito, diz ele, deu fim às instituições da Catalunha de forma intransigente, e muitos catalães se sentiram derrotados - mas ele salienta que não todos, pois também havia na Catalunha quem apoiasse os Bourbons.
Ainda assim, as instituições catalãs que sobreviviam até ali foram castigadas.
Duas jovens caminham enroladas na bandeira catalãDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionJovens se mobilizaram pelo referendo da Catalunha
Fradera também fornece outra análise.
"Todas as sociedades precisam fabricar sua própria versão da história. Não apenas a Catalunha, mas todas. Mas como ela está experimentando um momento de grande tensão, evidentemente isso fica mais acentuado", diz ele.
"O que se fala da Espanha como sendo uma unidade desde os reis católicos é também uma construção ideológica que pouco tem a ver com a realidade, que é muito mais complexa. Nem a Espanha foi uma nação independente, mesmo porque a própria Espanha como tal (conhecemos hoje) não existia."

Autonomia

Ao longo de sua história, a Catalunha, cuja capital é Barcelona, transformou-se numa das regiões mais prósperas e produtivas da Espanha, e sua história tem quase mil anos.
Entre 1936 e 1939, quando aconteceu a Guerra Civil espanhol, a região já tinha ampla autonomia em relação ao governo central. Mas isso mudou com a ditadura de Francisco Franco (1939-1975).
Quando Franco morreu, o nacionalismo catalão reacendeu, e a região voltou a gozar de autonomia sob a Constituição de 1978.
Uma legislação de 2006 garantiu ainda mais poder ao governo regional, dando à Catalunha o status de "nação" - mas isso foi revertido em 2010 pela Corte Constitucional espanhola.
Em 2015, separatistas venceram a eleição para o governo local e decidiram realizar o referendo com base em uma votação não oficial de novembro de 2014, quando 80% dos votantes deram sinais de apoio à independência catalã.
Professor Edgar Bom Jardim - PE