sábado, 30 de setembro de 2017

Como a Finlândia, país referência em educação, está mudando a arquitetura de suas escolas

Escola de plano aberto na Finlândia
Image captionNas novas escolas finlandesas, as paredes são substituídas por divisões transparentes e o plano aberto ganha protagonismo | Foto: Kuvatoimisto Kuvio Oy
Faz anos que a Finlândia se tornou referência mundial em educação, mesclando jornadas escolares mais curtas, poucas tarefas e exames e também adiando o início da alfabetização até que as crianças tenham sete anos de idade.
E, mesmo com um dos melhores resultados globais no PISA (avaliação internacional de educação), o país continua buscando inovações - inclusive na estrutura física das escolas.
Uma das apostas é o chamado ensino baseado em projetos, em que a divisão tradicional de matérias é substituída por temas multidisciplinares em que os alunos são protagonistas do processo de aprendizado.
Parte das reformas é imposta pela necessidade de se adaptar à era digital, em que as crianças já não dependem apenas dos livros para aprender. E tampouco os alunos dependem das salas de aula - pelo menos não das salas de aula atuais.

Adeus às paredes

Por isso as escolas finlandesas estão passando por uma grande reforma física, com base nos princípios do "open plan", ou plano aberto. A busca é, essencialmente, por mais flexibilidade.
As tradicionais salas fechadas estão se transformando em espaços multimodais, que se comunicam entre si por paredes transparentes e divisórias móveis.
O mobiliário inclui sofás, pufes e bolas de pilates, bem diferentes da estrutura de carteiras escolares que conhecemos hoje.
"Não há uma divisão ou distinção clara entre os corredores e as salas de aula", diz à BBC Mundo (serviço em espanhol da BBC) Reino Tapaninen, chefe dos arquitetos da Agência Nacional de Educação da Finlândia.
Interior da escola Kastelli
Image captionDistinção entre salas de aula e corredores deixam de existir | Foto: Kuvatoimisto Kuvio Oy
Desse modo, explica ele, professores e alunos podem escolher o local que considerarem mais adequado para um determinado projeto, dependendo, por exemplo, se ele for individual ou para ser executado em grupos grandes.
Mas não se trata de espaços totalmente abertos, mas sim de áreas de estudo "flexíveis e modificáveis", agrega Raila Oksanen, consultora da empresa finlandesa FCG, envolvida nas mudanças.
"As crianças têm diferentes formas de aprender", diz ela, e por conta disso os espaços versáteis "possibilitam a formação de diferentes equipes, com base na forma como eles prefiram trabalhar e passar seu tempo de estudo".

Diferentes ambientes

O conceito de plano aberto deve ser entendido de forma ampla - não só sob perspectiva arquitetônica, mas também pedagógica.
Segundo a consultora, isso significa que não se trata apenas de um espaço aberto no sentido físico, e sim de um "estado mental".
Alunos em escola de plano aberto na Finlândia
Image captionMobiliário passa a incluir sofás e pufes em vez de tradicionais carteiras | Foto: Kuvatoimisto Kuvio Oy
Tradicionalmente, as salas de aula "foram projetadas para satisfazer as necessidades dos professores", afirma Oksanen.
"A abertura (física) almeja que a escola responda às necessidades individuais dos alunos, permitindo a eles que assumam a responsabilidade por seu aprendizado e aumentem sua autorregulamentação", diz ela. "Os próprios alunos estabelecem metas, resolvem problemas e completam seu aprendizado com base em objetivos."
Vale destacar que a ideia do plano aberto não é totalmente nova.
Na própria Finlândia, as primeiras escolas com esse modelo foram idealizadas nos anos 1960 e 70, como grandes salões separados por paredes finas e por cortinas, explica Tapaninen, da Agência Nacional de Educação da Finlândia.
Escola de plano aberto na Finlândia
Image captionConceito de "plano aberto" não se refere apenas ao ambiente físico, mas a um conceito pedagógico, dizem especialistas | Foto: Kuvatoimisto Kuvio Oy
Mas na aquela época a cultura de aprendizado e os métodos de trabalho não estavam adaptados a esse tipo de ambiente. Além disso, havia reclamações quanto ao barulho e à acústica. Por tudo isso, nos anos 1980 e 90 o pais retomou o modelo de salas de aula fechadas.
Agora, um dos objetivos da reforma do sistema educacional finlandês é desenvolver novos ambientes de aprendizado e métodos de trabalho.
A ideia é que espaços físicos inspirem o aprendizado, mas não é preciso limitar-se à escola ou mesmo a um lugar físico.
"(As aulas) devem usar outros espaços, como a natureza, museus ou empresas", explica Tapaninen.
"Videogames e outros ambientes virtuais também são reconhecidos como ambientes de aprendizagem. A tecnologia tem um papel crescente e significativo nas rotinas escolares, permitindo aos alunos envolver-se com mais facilidade no desenvolvimento e na seleção de seus próprios ambientes."
Alunos em escola de plano aberto na Finlândia
Image captionPlano aberto visa, por exemplo, incentivar a autonomia dos alunos | Foto: Kuvatoimisto Kuvio Oy

Sem sapatos

A escolha pelo modelo trouxe desafios: o barulho e a luz intensificados pelo plano aberto, por exemplo, precisam ser levados em conta na criação de um bom ambiente de aprendizado.
"O uso de carpete no chão eliminou o ruído causado pelos móveis e pelo caminhar das pessoas", explica o arquiteto.
E as escolas se converteram em espaços "sem sapatos": os alunos ficam descalços ao entrar ou usam calçados leves.
Escolas mais abertas podem ser também mais vulneráveis, o que desperta preocupações com segurança.
"Já tivemos na Finlândia casos de invasores que atacaram escolas, matando estudantes e professores", explica Tapaninen.
Ele se refere, por exemplo, ao caso de um estudante de 18 anos que dez anos atrás disparou contra seus colegas em uma escola em Tuusula, deixando oito mortos.
Por conta disso, cada escola finlandesa é obrigada a ter um plano de segurança com base na análise de riscos, criar rotas de fuga em cada espaço e fazer simulações de ataques para preparar os alunos.
Fachada da escola Kastelli, projetada pelo escritório de arquitetura Lahdelma & Mahlamäki
Image captionFachada da escola Kastelli; segundo arquiteto, centros de ensino têm autonomia para escolher modelos que considerem mais apropriados | Foto: Kuvatoimisto Kuvio Oy
Mas, segundo Tapaninen, a abertura das escolas "ajuda a orientação a rotas de fuga, mais do que em salas de aula fechadas e em corredores".
A Finlândia tem 4,8 mil centros de ensino básico e superior. Anualmente, o país está reformando ou construindo entre 40 e 50 espaços, explica o arquiteto. E a maior parte deles segue o conceito de plano aberto.
"As escolas e seus usuários podem escolher livremente seu próprio conceito de ambiente de aprendizado, dependendo da visão local, do plano de estudos, da cultura de trabalho e de seus métodos", diz ele. "Aparentemente, a tendência de abertura nos ambientes educativos está se tornando a favorita (das escolas)."
Professor Edgar Bom Jardim - PE

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Menina de 10 anos grava seu próprio estupro para que adultos acreditem em denúncia

Menina assustadaDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionCaso chocou a sociedade uruguaia e promotora pediu que ele sirva de alerta para que as crianças sejam escutadas com mais atenção
"É algo que deve envergonhar a todos nós", disse a promotora uruguaia Mariela Nuñez sobre um caso de abuso sexual que chocou seu país: o de uma menina de dez anos que gravou os estupros a que foi submetida pelo pai de uma amiga para que os adultos acreditassem nela.
A menina costumava brincar e escutar música na casa da amiga da mesma idade, na cidade de Artigas, norte do Uruguai.
Segundo Nuñez, o pai da amiga "aproveitava momentos em que a esposa estava trabalhando, mandava a filha ao mercado para ficar a sós com a menina e começava a tocar suas partes genitais".
O abuso se repetiu diversas vezes ao longo de um ano, tendo sido testemunhado pela filha do abusador em alguns momentos, de acordo com as investigações.
Tanto que as duas meninas articularam juntas o plano de gravar os estupros.
"(A filha) disse à amiguinha que sabia o que seu pai estava fazendo com ela, que tinha muito medo do pai e que ninguém acreditaria nelas, motivo pelo qual planejaram filmar tal situação, algo que conseguiram fazer depois de várias iniciativas", afirmou Nuñez, de acordo com a imprensa uruguaia.
Notebook como o distribuído pelo governo uruguaio aos estudantes do paísDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionMeninas gravaram abusos com a 'ceibalita', como é chamado o notebook distribuído pelo governo uruguaio aos estudantes do país

'Mais frequente do que acreditamos'

Em comunicado, a promotora uruguaia pediu que o caso sirva de alerta para que as crianças sejam escutadas com mais atenção.
"Esse ato valente de uma menininha estuprada deveria servir não apenas para que se faça justiça, mas sim para que toda a sociedade tome consciência de que essas coisas acontecem com mais frequência do que acreditamos e que as crianças não mentem, não inventam", afirmou, segundo a imprensa local.
"É um caso extremamente doloroso que mostra a visão das crianças sobre o mundo adulto. Essa visão de que não acreditamos em sua palavra, a ponto de (a menina) submeter-se voluntariamente à violação para registrá-la. Não dá para separar o lado de promotora do de mãe e avó. (...) As consequências desse caso são imensuráveis. Arruinou a vida de duas meninas."
Nuñez disse também que o acusado era "uma pessoa respeitada, de classe média, de quem ninguém suspeitaria uma atitude semelhante. Ele só negava (o estupro), mesmo diante das provas. Custou muito até que admitisse e não deu uma explicação. Eu mesma tive de sair do interrogatório para conter minha própria ira e cumprir com a minha função".

Laptop escolar

As meninas, que não foram identificadas, gravaram os abusos com uma "ceibalita", como são chamados os notebooks que o governo uruguaio entrega a todos os estudantes do país.
O caso chegou à Justiça depois que a menina mostrou os vídeos à tia. Em seguida, o pai da vítima denunciou os abusos.
O acusado, identificado apenas pelas iniciais JCSB, é um homem de 62 anos, sem antecedentes criminais. Ele foi preso. Se condenado, sua pena pode variar de dois a seis anos de reclusão.
Sua mulher e outro filho também chegaram a ser detidos, mas foram libertados, segundo a Justiça, pela ausência de "elementos que demonstrassem que eles tinham conhecimento dos fatos".
Menina cobrindo o rostoDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionCrianças são comumente desacreditadas por adultos na hora de denunciar abusos, diz especialista
Especialistas no tema explicam que casos de abuso infantil muitas vezes ocorrem dentro de casa - e muitas vezes não são denunciados. Há também os casos que, mesmo reportados, deixam de ser punidos por falta de provas.
Segundo Andrea Tuana, da associação uruguaia El Paso, que combate a violência doméstica e sexual, "a realidade é que conhecemos pouco da magnitude real do problema", já que existe uma subnotificação de casos.
"Há uma grande quantidade de adultos que admitem ter sofrido abusos na infância e conta que, na época da denúncia, não acreditaram neles", diz ela à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC.
"O caso dessa menina demonstra que não acreditamos na palavra das crianças, não as escutamos. O problema é cultural: é não querer aceitar que o abuso sexual existe."
De BBC
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Como vive a única família brasileira na Coreia do Norte


Embaixada do Brasil em PyongyangDireito de imagemMRE
Image captionBrasil mantém embaixada na capital norte-coreana, Pyongyang, desde 2009; família de Schenkel mora nos andares de cima

"É um funcionário corajoso, cumprindo bem o seu papel, sobretudo para nos dar informações sobre aquilo que acontece num ponto nevrálgico da política mundial. E nós vamos mantê-lo lá", disse há duas semanas em Pequim o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes, quando questionado sobre o possível fechamento da embaixada brasileira em Pyongyang, capital da Coreia do Norte.
Na ocasião, o país, liderado por Kim Jong-un, havia acabado de testar a poderosa bomba H, seu mais significativo teste nuclear até então. Depois disso, ainda lançou um míssil de médio alcance que sobrevoou o Japão.
O "funcionário corajoso" a que Nunes se referiu é o gaúcho Cleiton Schenkel, de 46 anos, atualmente encarregado de negócios da embaixada. Morando com a mulher, também servidora pública (em licença), e seu filho pequeno há pouco mais de um ano em Pyongyang, ele é o único integrante do corpo diplomático brasileiro no país que se tornou o principal foco de tensão global.

Schenkel e funcionários norte-coreanosDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionSchenkel foi chamado de 'funcionário corajoso' por chanceler brasileiro, Aloysio Nunes

Os três são, atualmente, a única família brasileira vivendo na Coreia do Norte. Fora eles, só há mais uma brasileira: a mulher do embaixador da Palestina. Ela nasceu no Brasil e tem cidadania, mas saiu do país ainda criança.
"Temos a exata noção da sensibilidade da situação. Não vivemos com medo ou em pânico. Mas não se pode negar que estamos apreensivos, especialmente por causa do atual momento", diz ele em entrevista por telefone à BBC Brasil, durante a qual se evitou tocar em assuntos políticos ou polêmicos.
Na semana passada, durante a Assembleia Geral da ONU em Nova York, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, fez um discurso com duras críticas ao regime norte-coreano. Segundo ele, "se os Estados Unidos forem forçados a defender a si mesmos ou seus aliados, não teremos outra escolha senão totalmente destruir a Coreia do Norte".
Trump também zombou de Kim Jong-un, que descreveu como "o homem-foguete em uma missão suicida".
O líder norte-coreano reagiu, dizendo que Trump pagaria caro por seu "discurso excêntrico".
"Seja lá o que Trump estivesse esperando, ele irá enfrentar resultados além de sua expectativa. Eu certamente e definitivamente irei domar o mentalmente perturbado senil dos EUA com fogo", afirmou Kim Jong-un, prometendo medidas "do mais alto nível".
Há 11 anos no Itamaraty, com passagens por Harare (Zimbábue) e Genebra (Suíça), Schenkel chegou a Pyongyang em junho do ano passado, pouco antes da saída do embaixador Roberto Colin, hoje em Tallinn (Estônia). Passou, então, a comandar sozinho a representação diplomática, que conta com seis funcionários locais e fica no térreo da casa de dois andares onde mora com a família. A embaixada brasileira foi inaugurada em 2009.
"Minha função é, predominantemente, de observação política. O Brasil é o único país das Américas com embaixadas nas duas Coreias. Nossa presença aqui nos permite formar uma visão própria sobre as questões na península", destaca.

Michel Temer e Kim Jong-unDireito de imagemAFP
Image captionComércio entre Brasil e Coreia do Norte totalizou cerca de R$ 34 milhões em 2016

Trabalho e lazer

Munido de seu inseparável chimarrão, Schenkel trabalha de 9h às 18h todos os dias, quando atualiza os colegas de Brasília sobre os desdobramentos da política norte-coreana. Ocasionalmente, tem reuniões com membros do governo ou com representantes dos outros postos e organizações internacionais no país.
Apesar das sanções internacionais, o Brasil é um dos países que ainda negocia com a Coreia do Norte. No ano passado, segundo dados do Mdic (Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços), o fluxo comercial foi de US$ 10,75 milhões (cerca de R$ 34 milhões em valores atuais) - bem aquém do auge de 2008, quando somou US$ 375,2 milhões.
No tempo livre, Schenkel dedica-se a assistir aos jogos de seu time do coração, o Grêmio, pela internet, ouvir MPB e passear com a família pelas ruas do bairro diplomático, onde a embaixada está localizada. A família também costuma frequentar um clube restrito à comunidade internacional, que conta com piscina, academia e área de lazer. O acesso ao bairro é minuciosamente controlado: só entra quem é diplomata ou funcionário das 24 embaixadas em Pyongyang.
São poucas as opções de lazer, contudo. Na vizinhança, há poucos restaurantes e um único centro de compras para estrangeiros, com barbearia, supermercado e lojas de roupa. Produtos internacionais, como queijos, vinhos e cervejas, estão disponíveis, mas em pequena quantidade. Ali também é possível se comunicar mais facilmente em inglês.
Tampouco há entretenimento ocidental. Cinemas, por exemplo, só passam filmes locais - sem legenda. Produções de Hollywood são vetadas.
A internet também não é completamente livre, mas sites como Google, Facebook ou Instagram não são bloqueados.
"Acabamos ficando bastante em casa pelas peculiaridades do país", conta.
Ele diz sentir falta da comida brasileira, especialmente do "churrasco".

Cleiton Schenkel
Image captionEstrangeiros não usam moeda local, o won, diz Schenkel (Crédito: Arquivo pessoal/Cleiton Schenkel)

"É difícil encontrar o tipo de corte que temos no Brasil. E as carnes não têm a mesma qualidade do que a nossa. Mas cozinhamos arroz e feijão para matar a saudade", explica.
Estrangeiros também não usam a moeda local, o won. Todos os gastos só podem ser feitos em euro, dólar ou yuan chinês. A única exceção fica por conta de uma feira - a Tong-il ("Unificação", em coreano) que acontece em um grande pavilhão fora do bairro diplomático, onde a família costuma comprar frutas e verduras frescas.
"Ali a gente se comunica basicamente por mímica. O valor é assinalado na calculadora. Tiramos o dinheiro e fechamos o negócio", resume.
Uma situação curiosa envolvendo a barreira do idioma, por exemplo, aconteceu quando Schenkel obteve sua permissão para dirigir no país.

Cleiton Schenkel
Image captionDiplomata gaúcho Cleiton Schenkel vive com mulher e filho pequeno em Pyongyang há pouco mais de um ano; eles são a única família brasileira na Coreia do Norte (Crédito: Arquivo pessoal/Cleiton Schenkel)

"No caminho ao local onde faria o teste, percebi que meu intérprete revisava anotações. Não sabia que haveria prova escrita. 'Mas eu não deveria ter estudado?', perguntou. 'Não necessariamente. Sou eu quem tenho de dar a resposta certa em coreano', respondeu o tradutor", lembra.

Limitações

Embora tenham livre circulação dentro do bairro diplomático, fora dele a movimentação é limitada - e usualmente monitorada e, dependendo do local, acompanhada por funcionários do governo norte-coreano. É preciso pedir autorização para frequentar os museus e até usar o metrô.
O mesmo acontece se a família quiser deixar Pyongyang para ir às praias na costa leste, por exemplo, a cerca de duas horas de carro da capital norte-coreana.
Para quem vem de fora, chegar à isolada Coreia do Norte também não é tarefa fácil. A imensa maioria dos voos parte de um único lugar: a China, a principal aliada do país.
Por essa razão e pela distância do Brasil, os Schenkels ainda não receberam nenhuma visita de parentes. A maioria das que ocorreram foi de colegas do Itamaraty servindo na Ásia.

Bandeiras do Brasil e da Coreia do Norte
Image captionSegundo dados da ONU, Brasil foi 8º maior importador de produtos norte-coreanos do mundo no ano passado

Diferença cultural

Schenkel conta que, além das peculiaridades locais, a principal diferença que sentiu ao chegar à Coreia do Norte foi o que chamou de "cultura militar" do povo.
"Eles são muito disciplinados. Existe uma cultura militar que é muito forte aqui e isso se reflete em toda a sociedade", conta.
"É normal passar de carro diante de um ponto de ônibus aqui e ver 50 norte-coreanos esperando pelo transporte em fila indiana. Outros povos asiáticos têm costume parecido, mas não deixa de surpreender", acrescenta.
Em meio à intensificação da guerra retórica entre a Coreia do Norte e os Estados Unidos, Schenkel diz estar "acompanhando de perto" os últimos desdobramentos.
Por enquanto, o retorno ao Brasil não está nos planos do diplomata e de sua família.
Questionado pela BBC Brasil sobre um possível fechamento da embaixada brasileira em Pyongyang, o Itamaraty afirmou, em nota, que "dedica atenção constante àqueles postos nos quais possam vir a ocorrer situações capazes de colocar em risco nacionais brasileiros".
"O Ministério das Relações Exteriores mantém contato permanente com toda a rede de postos no exterior. Nesse contexto, os setores apropriados do Ministério vêm mantendo diálogo regular com o Encarregado de Negócios do Brasil em Pyongyang", informou o órgão.
Professor Edgar Bom Jardim - PE

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Desigualdade atrapalha crescimento e corrói a coesão social, diz FMI

Desigualdade
Garotos chineses jogam cartas em uma vila para migrantes do interior do país em Pequim, em 7 de setembro. A desigualdade se alastra
Em duas manifestações diferentes realizadas nos últimos dias, o Fundo Monetário Internacional (FMI) destacou que a crescente desigualdade social é um fator desestabilizador para a coesão social e política dos países e também atrapalha o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) das nações.
Uma das indicações desta ideia pelo FMI está no texto Growth That Reaches Everyone: Facts, Factors, Tools ("Crescimento que atinge a todos: fatos, fatores e ferramentas", em tradução livre), publicado no blog do fundo em 20 de setembro. O documento é assinado por Rupa Duttagupta, vice-diretora do Departamento de Estudos Econômicos Mundiais do FMI, Stefania Fabrizio, segunda no comando do Departamento de Estratégia, Políticas Públicas e Revisão, e Davide Furceri e Sweta Saxena, economistas seniores do fundo.
No texto, o quarteto lembra que, nas últimas décadas, o crescimento da economia mundial elevou os padrões de vida e criou inúmeras oportunidades de emprego, tirando milhões da pobreza, mas destacam que a "desigualdade aumentou em diversas economias avançadas e permanece teimosamente alta em muitas que ainda estão se desenvolvendo". Isso é preocupante, lembram os economistas, pois pesquisas deixam claro que a persistente falta de inclusão social "pode afetar a coesão social e prejudicar a sustentabilidade do próprio crescimento".
O estudo destaca que a desigualdade salarial cresceu "fortemente" em muitos lugares e que no mundo desenvolvido isso se deu entre os anos 1990 e a metade dos anos 2000. Nas economias emergentes, a desigualdade salarial caiu em muitos países, mas ainda é muito alta. O Brasil é um exemplo evidente disso. Na segunda-feira 25, a ONG Oxfam Brasil mostrou que os seis brasileiros mais ricos detêm a mesma fatia da renda nacional que os 100 milhões mais pobres.
Além da desigualdade salarial, lembra o FMI, a falta de inclusão se manifesta por meio de acesso desigual a empregos e serviços básicos, como educação e saúde; por altas taxas de mortalidade em segmentos específicos da população (caso de jovens e negros no Brasil); pela falta de acesso ao sistema bancário e financeiro; e pela desigualdade de gênero, que "levou a diferenças persistentes em [níveis] de saúde, educação e renda entre homens e mulheres em grandes partes do mundo". Este também é o caso do Brasil, onde as mulheres trabalham em média 5 horas a mais que os homens e recebem 76% do salário.
O FMI lembra também que a tecnologia e a integração econômica trouxeram muitos benefícios a diversas economias, como aumento de produtividade e redução de preços, o que beneficiou os mais pobres, mas lembra que a tecnologia "aumentou a demanda quase que exclusivamente por trabalho qualificado, enquanto o comércio em algumas oportunidades deslocou os trabalhadores menos qualificados".
Os economistas afirmam que a resposta a esses problemas não é parar reformas que aumentem a produtividade e o crescimento, mas "focar em políticas que oferecem oportunidades para todos".
Entre os exemplos estão gastos em infraestrutura, como estradas, aeroportos, a malha energética e educação; a ampliação de acesso a serviços financeiros, o que facilita o consumo e o investimento; auxílio na busca por empregos; uma política fiscal que garanta crescimento inclusivo, reduzindo as desigualdades educacionais e de saúde entre diversos grupos, e que promova benefícios sociais, como transferências de renda para proteger os mais vulneráveis. Este último caso existe no Brasil, sob o nome de Bolsa Família.
Obstáculo para o crescimento
Cinco dias depois da publicação do artigos dos economistas, Tao Zhang, vice-diretor-gerente do FMI, destacou que a redução da classe média em economias avançadas, como os Estados Unidos, em meio ao aumento da desigualdade, está prejudicando o crescimento global. Ele fez as afirmações à agência AFP.
A previsão do fundo é que a economia mundial avance 3,5% em 2017, um patamar baixo em termos históricos. Para os EUA, a previsão é de 2,1%, mas Zhang lembrou que mais da metade das famílias norte-americanas têm rendimentos mais baixos do que tinham no ano 2000. Essa desigualdade de renda, afirmou Zhang, está pesando sobre o consumo global, reduzindo-o em cerca de 3,5% nos últimos 15 anos, disse ele. "Isso representa um importante obstáculo ao aumento da demanda", afirmou. "Todos nós estamos conscientes das ramificações sociais e políticas que acompanharam essas mudanças na distribuição da renda familiar", afirmou. 
Pobreza Filipinas
Contraste: em frente ao centro financeiro de Manila, capital das Filipinas, uma área de pobreza extrema (Foto: Noel Celis / AFP)
Assim como os quatro economistas do fundo, Zhang pediu programas específicos de assistência social, aumento da educação e formação profissional, salário mínimo mais elevado, apoio à assistência à infância, bem como maior assistência previdenciária aos pobres como formas de combater a desigualdade.
Mudança de postura?
O fato de o FMI destacar o papel deletério da desigualdade é significativo pois a instituição teve papel decisivo para desenhar as diretrizes da economia atual, como o foco prioritário no crescimento e a integração comercial.
Ao lado do Banco Mundial e do Tesouro dos EUA, o FMI é uma das instituições que compôs o chamado consenso de Washington que impôs um receituário único a diversos países que envolviam estabilização macroeconômica, abertura das economias ao comércio e aos fluxos de investimento e a expansão das forças de mercado na economia doméstica, por meio, por exemplo, de privatizações.
Este receituário, como o próprio FMI reconhece agora, produziu desigualdade e instabilidade política, um cenário para o qual diversos grupos políticos alertaram quando essas políticas começaram a ser aplicadas e seus efeitos, sentidos. Mais recentemente, muitos analistas colocam a crescente desigualdade como um dos fatores para o fortalecimento de alternativas políticas populistas, como Donald Trump nos Estados Unidos e o Brexit, no Reino Unido.
Em 2015, o FMI já havia alertado para os danos que a desigualdade trazia, com a publicação do documento Causas e consequências da desigualdade de renda em uma perspectiva global, assinado por cinco economistas. No relatório, o grupo contestava a ideia de que o enriquecimento dos mais ricos contagiaria o resto da sociedade, a chamada trickle down economics, base conceitual das políticas neoliberais que tomaram o mundo a partir das eleições de Margaret Thatcher e Ronald Reagan justamente por meio do FMI e do Banco Mundial.
No documento, os economistas defendiam políticas de distribuição de renda para retomar crescimento, como programas assistenciais e impostos sobre grandes fortunas.
Em 2016, o mesmo FMI trouxe novamente a questão à tona, com a publicação do artigo Neoliberalism: Oversold?, em sua revista trimestral Finance & Development. O texto aborda especificamente os efeitos de duas políticas neoliberais, a remoção das restrições ao movimento de capitais (liberalização das contas de capital) e a consolidação fiscal (“austeridade” para reduzir déficits fiscais e o nível da dívida) e reconhece que seu receituário tem efeitos nocivos no longo prazo, acentuando a desigualdade.
O fato de o FMI reconhecer o desastre das políticas que ajudou a implantar não significa, no entanto, que elas vão retroceder. Após a publicação do artigo Neoliberalism: Oversold?CartaCapital entrevistou o sociólogo alemão Wolfgang Streeck, autor do livro Tempo Comprado: A Crise Adiada do Capitalismo Democrático, no qual discute as causas e efeitos da crise de 2008.
Streeck destacou que o artigo era uma "expressão da impotência" do fundo diante da crise econômica. "Não há nada ali que possa ser uma sugestão para substituir o neoliberalismo como regime de acumulação de capital – e acumulação de capital é do que se trata o capitalismo", afirmou. Para Streeck, estamos em um mundo "no qual as velhas receitas não estão funcionando mais, embora, ao mesmo tempo, não tenhamos novas receitas plausíveis ou viáveis".
"O FMI sempre insiste na ideia de que os países devem honrar suas obrigações com os credores e não seria possível ser de outra maneira. Mas isso pode ser feito de duas formas: cortando gastos com os cidadão (austeridade!) ou estimulando o crescimento econômico", afirmou. "Na ausência de crescimento econômico, o FMI sempre irá pregar o caminho da austeridade. E uma vez que ninguém sabe como restaurar o crescimento econômico em condições socialmente aceitáveis, artigos como este, que parecem fascinantes, não passarão de artigos de pesquisa", disse.
Professor Edgar Bom Jardim - PE