quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Presidente do FMI contradiz Meirelles e afirma que prioridade deve ser combate à desigualdade social


Henrique Meirelles e Christine Lagarde em DavosDireito de imagemAFP/EPA
Image captionDepois da fala de Meirelles, Lagarde falou que 'economistas' disseram que a desigualdade social não era problema deles

Após ouvir o ministro da Fazenda brasileiro, Henrique Meirelles, defender a necessidade de adotar amargas reformas, como o governo Michel Temer tem feito no país, a presidente do FMI (Fundo Monetário Internacional), Christine Lagarde afirmou nesta quarta-feira que a prioridade das políticas econômicas precisa ser o combate à desigualdade social.
O comentário de Lagarde ocorreu durante a participação de ambos em um painel do Fórum Econômico Mundial, que ocorre em Davos, na Suíça.
Questionado pela moderadora sobre como convencer a classe trabalhadora a aceitar reformas que exigirão dela "grandes sacrifícios", Meirelles havia dito que o Brasil, diferentemente dos países ricos, não tem a tradição de uma classe média sólida, o que tornaria necessário o pacote de medidas - que inclui a instituição de teto para os gastos públicos, afetando áreas como saúde e educação.
"Nos países em desenvolvimento temos uma dinâmica diferente, não temos uma história de classe média crescente ou grande parte da população sendo classe média, como é nos países desenvolvidos. Isso é um fenômeno recente no Brasil", afirmou o ministro.
"Nos últimos quinze anos, vimos a proporção da classe média na população dobrar. E isso aconteceu ao longo da última década. Por causa da recessão que vimos nos últimos anos, essa dinâmica se inverteu, mas isso é um problema de curto prazo", disse Meirelles.
Lagarde respondeu na sequência.
"Não sei por que as pessoas não escutaram a mensagem (de que a desigualdade é nociva), mas certamente os economistas se revoltaram e disseram que não era problema deles. Inclusive na minha própria instituição, que agora se converteu para aceitar a importância da desigualdade social e a necessidade de estudá-la e promover políticas em resposta a ela", afirmou a francesa.

Lagarde em DavosDireito de imagemEPA
Image captionLagarde disse que prioridade das políticas econômicas deve ser combate à desigualdade

Desigualdade no foco

Meirelles também havia argumentado que os problemas brasileiros são recentes.
"Isso se deve à recessão dos últimos anos e está afetando a classe média e, em particular, a de baixa renda. Em resumo, a saída para uma economia como a brasileira é voltar a crescer de novo, criando empregos novamente e se modernizando abrindo o mercado de forma a se tornar mais eficiente", afirmou.
"Estamos em um outro momento do que as economias ricas. Estamos estabelecendo a classe média, fazendo ela crescer com a abertura da economia", defendeu.
Em sua fala, porém, Lagarde destacou que a desigualdade social precisa estar no centro das atenções dos economistas se eles quiserem um crescimento sustentável e, como consequência, uma classe média forte.
"Nosso argumento é de que, se há excesso de desigualdade, isso é contraprodutivo para o crescimento sustentável ao qual os membros do G-20 aspiram", disse.
"Se quisermos um pedaço maior de torta, precisamos ter uma torta maior para todos, e essa torta precisa ser sustentável. O excesso de desigualdade está colocando travas nesse desenvolvimento sustentável", afirmou, retomando a mensagem central do discurso de abertura que fez no Fórum de 2013.

Desemprego e Quarta Revolução Industrial

Um estudo do próprio FMI de 2013, assinado pelos especialistas Jaejoon Woo, Elva Bova, Tidiane Kinda e Y. Sophia Zhang, aponta que políticas de controle de gastos públicos resultam na geração de desemprego a curto prazo, o que contribui para a contração da classe média e o aumento do fosso social entre ricos e pobres.
O estudo mostra que pacotes de ajustes fiscais como o adotado pelo Brasil podem ter resultados adversos, dependendo das estratégias escolhidas na gestão pública.
"Pacotes de cortes nos gastos públicos tendem a piorar mais significativamente a desigualdade social, do que pacotes de aumentos de impostos", afirma o levantamento.

Manifestação em São Paulo contra a PEC 241, que estabelece um teto para os gastos públicosDireito de imagemREUTERS
Image captionEstudo do FMI mostrou que pacotes de ajustes com os implantados por Temer resultam em desemprego

O documento de 2013 revisou políticas de ajuste fiscal executadas durante os últimos 30 anos por países desenvolvidos e em desenvolvimento.
A conclusão foi de que o primeiro reflexo de cortes nos gastos públicos é um aumento do desemprego e consequente aumento da desigualdade social, indicador medido pelo índice Gini - um coeficiente Gini 0 representa a plena igualdade, enquanto que 1 é o máximo de desigualdade.
Na média, um corte nos gastos da ordem de 1% do PIB gera aumento de 0.19 ponto percentual no nível de desemprego durante o primeiro ano, enquanto o aumento da desigualdade no índice Gini oscila de 0,4% a 0,7% nos dois primeiros anos, afirma o estudo.
Em termos amplos, é o desemprego gerado pelo corte nos gastos o grande vilão.
"De forma aproximada, cerca de 15% a 20% do aumento de desigualdade social por conta de pacotes fiscais ocorrem por causa do aumento de desemprego", diz o relatório.

Políticas públicas

No debate em Davos, Lagarde recomendou a escolha cautelosa de políticas públicas no contexto da quarta revolução industrial, de modo que governos como o do Brasil não olhem apenas para os desafios imediatos da globalização, mas se preparem para o futuro de longo prazo.
"Estamos agora em um momento muito oportuno para colocar em prática as políticas que sabemos que irão funcionar (…) Um momento de crise, como o ministro (Meirelles) disse, é o momento de avaliarmos as políticas que estão em ação, o que mais podemos fazer, que tipo de medidas tomamos para reduzir a desigualdade social?", questionou a presidente do FMI.
"Qual tipo de redes de apoio social temos para as pessoas? Qual o tipo de educação e treinamento que oferecemos? O que temos em ação para responder não apenas à globalização, mas às tecnologias que irão descontinuar e transformar o ambiente de trabalho no longo prazo?", acrescentou.
"Há coisas que podem ser feitas: reformas fiscais, reformas estruturais e políticas monetárias. Mas elas precisam ser graduais, regionais, focadas em resultados para as pessoas e isso provavelmente significa busca uma maior distribuição de renda do que há no momento", reforçou Lagarde.

Visitantes no Forum Econômico de DavosDireito de imagemAFP
Image captionEm debate em Davos, presidente do FMI recomendou escolha cautelosa da políticas públicas

À BBC Brasil o professor e ex-ministro do Planejamento e do Trabalho Paulo Paiva afirmou que a produtividade é o grande desafio que o Brasil tem pela frente para a retomada do crescimento e, a julgar pela história recente, os ventos demográficos não estão a favor do país.
"O crescimento econômico é composto de crescimento da força de trabalho e da produtividade. Tivemos dois períodos distintos na nossa história recente: de 1950 a 1980 e de 1980 até hoje", introduziu.
"De 1950 a 1980 a economia brasileira cresceu a uma taxa média de 7% ao ano. Se eu decompor esse número em crescimento da força de trabalho e ganho de produtividade, houve um aumento de 2,8% do PIB por causa da população e 4,2% de ganho de produtividade, que inclui melhor qualificação do trabalhador e ambiente de trabalho."
"De 1980 pra cá, decompondo o crescimento da mesma forma, 0,9% se de deu pelo aumento da população e 1,5% pelo ganho de produtividade. Então isso dá 2,4% de crescimento médio anual do PIB", acrescentou.
"O problema é que a partir de 2015-30 a população não vai mais crescer, então se o Brasil não fizer nada (para aumentar o ganho de produtividade) está fadado a um crescimento de 1,5% ao ano. Essa é a visão mais dramática que temos pela frente e você pode imaginar o impacto dessa quarta revolução industrial numa situação dessa."

Vendendo o Brasil

Depois do painel, Meirelles participou de entrevista coletiva em conjunto com o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn.
No encontro com a imprensa, ele buscou vender a ideia de que o Brasil está em plena recuperação - e de que é um bom momento para investidores estrangeiros aportarem no país.
O ministro reforçou que as reformas da Previdência e trabalhista irão permitir ao Brasil se beneficiar ainda mais da globalização.
"No caso dos emergentes, a globalização foi definitivamente positiva. No caso do Brasil especificamente, o que precisamos fazer é reformar a economia para obtermos maiores vantagens da globalização, porque esse não foi o caso até o momento", afirmou.
"O crescimento brasileiro no passado foi muito baseado no mercado doméstico. Temos que aproveitar melhor a globalização como outros emergentes o fizeram, e estamos caminhando nessa direção."
O Presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, fez questão de apontar que o Brasil têm reservas da ordem de 20% do seu PIB e deverá utilizar esse recurso para manter as taxas cambiais dentro do esperado, amortecendo qualquer ataque ou volatilidade inesperada em relação ao real.

Meirelles e Michel TemerDireito de imagemAFP
Image captionMeirelles participou de coletiva em Davos, onde vendeu ideia de que Brasil está em plena recuperação

Meirelles também afirmou que a entrada de capital estrangeiro continua forte e que, diferentemente de outros emergentes, não se desenha no horizonte brasileiro o risco de uma fuga de capitais, conclusão que pesou para a decisão de cortar em 0,75 ponto percentual a Selic (taxa básica de juros) anunciada na semana passada.
"Não estamos vendo uma saída de capital que exija que o Brasil use suas reservas para segurar o valor de sua moeda. Muito pelo contrário, estamos em uma posição equilibrada. Estamos em uma recuperação econômica", afirmou.
"Apenas para dar os números que sustentam isso: o investimento estrangeiro direto no país está próximo de 4,4% do PIB e o deficit de conta corrente é de pouco mais de 1,1%, então há uma grande diferença, um é quatro vezes maior que outro", concluiu Goldfajn.
Fonte BBC Brasil
Professor Edgar Bom Jardim - PE

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Negros jamais aceitarão voltar à era pré-Obama, diz professor de Harvard


Ronald Sullivan, professor de direito na Universidade de HarvardDireito de imagemDIVULGAÇÃO
Image captionPara Ronald Sullivan, Obama poderia 'ter dado mais perdões a condenações por tráfico de crack e cocaína, que advêm de um regime racista e desproporcional'

Oito anos após sua eleição gerar imenso entusiasmo entre americanos negros, Barack Obama deixa o cargo sem atender todas as expectativas do grupo, mas ainda assim deixará um legado duradouro para minorias raciais nos EUA, diz Ronald Sullivan, professor de direito na Universidade Harvard.
Diretor do Centro de Justiça Criminal da universidade, Sullivan afirma que a passagem de Obama pela Casa Branca influenciará várias gerações de americanos, que crescerão sabendo que um negro pode chegar à Presidência.
"Hoje há meninas e meninos com aspirações que jamais teriam antes", ele diz à BBC Brasil.
Em 2008, Sullivan participou de um comitê que assessorou a campanha de Obama na área de justiça criminal e, após a vitória, foi conselheiro em sua equipe de transição.
Como professor e advogado, tornou-se um ardoroso defensor de uma reforma no sistema penal que reduza os níveis de negros presos. Hoje, segundo um levantamento do The New York Times, um entre cada seis negros adultos nos EUA foi morto ou está na prisão (boa parte das condenações são por tráfico).
Leia os principais trechos da entrevista.
BBC Brasil - A vitória de Obama em 2008 gerou muita esperança entre negros americanos. As expectativas foram alcançadas?
Ronald Sullivan - Acho que muitas delas foram e muitas outras, não. A presidência de Obama esteve à altura do entusiasmo extraordinário que levou à sua primeira eleição? Claramente não. Mas acho que algumas daquelas expectativas eram irrealistas. Apesar disso, o governo dele teve grandes avanços e melhorou de várias formas as vidas de afro-americanos no país.
BBC Brasil - Pode citar exemplos?
Sullivan - Por causa da crise, a taxa de afro-americanos desempregados havia dobrado no começo do primeiro mandato, até 2010, mas caiu tremendamente desde então, embora ainda seja maior que em qualquer outro grupo étnico.
Na área da justiça criminal, o Departamento de Justiça foi o mais ativo na defesa de direitos de minorias no que diz respeito à polícia e outras autoridades estaduais desde os anos 1960 e o movimento dos direitos civis.

Manifestantes pedem permanência do ObamacareDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionSullivan: 'Com o Obamacare, mais afro-americanos puderam receber seguro-saúde do que em qualquer governo anterior - e os seguros eram tanto acessíveis quanto abrangentes'

Com o Obamacare, mais afro-americanos puderam receber seguro-saúde do que em qualquer governo anterior - e os seguros eram tanto acessíveis quanto abrangentes.
Mas uma das maiores conquistas deste governo é a simbologia de haver um afro-americano no Salão Oval. Nos últimos oito anos, crianças cresceram sabendo que uma pessoa negra pode se tornar presidente. Isso faz uma diferença enorme. Hoje há algumas meninas e meninos com aspirações que jamais teriam antes.
Haverá gerações e gerações de pessoas de cor que não aceitarão que as estruturas as deixem para trás. Esse é um legado duradouro e impossível de ser exagerado.
BBC Brasil - Há áreas em que ele poderia ter feito mais quanto às relações raciais?
Sullivan - Ele certamente poderia ter feito mais na área da justiça criminal. Eu gostaria que ele tivesse dado mais perdões a condenações por tráfico de crack e cocaína, que advêm de um regime racista e desproporcional.
BBC Brasil - Como Obama lidou com o movimento Black Lives Matter e as dezenas de protestos motivados pela morte de negros desarmados em abordagens policiais?
Sullivan - Ele lidou de modo muito cuidadoso. Ele sempre afirmou que é o presidente de todas as pessoas, não só de algumas. Então ele tentou articular cada argumento com o argumento do outro lado.
Mas não concordei com a retórica dele que parecia sugerir que havia uma equivalência moral entre os argumentos legítimos do Black Lives Matter e argumentos de alguns sindicatos de policiais, que se diziam sob ataque. Não acho que haja equivalência moral entre os dois lados.
BBC Brasil - Alguns críticos dizem que ele demorou muito a falar mais abertamente sobre o tema racial e que algumas das suas principais políticas para melhorar a vida de minorias só foram adotadas no final do seu segundo mandato. São críticas válidas?
Sullivan - Não entendo a crítica de que ele levou muito tempo a falar de raça. Parece-me que ele falou disso desde sua candidatura, mas acho justo dizer que as políticas especificamente voltadas a afro-americanos vieram muito tarde.

Manifestação do movimento Black Lives MatterDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionProfessor de Harvard diz que Obama respondeu 'com cuidado' a movimento Black Lives Matter, 'dizendo que é o presidente de todas as pessoas, não só de algumas'

O presidente tem uma filosofia geral de que marés altas levantam todos os barcos. Traduzindo, ele achava que se adotasse políticas que fossem úteis para pessoas na pobreza ou classe média, os afro-americanos nesses grupos seriam beneficiados. Não acho que isso deu tão certo assim na prática.
O ponto é que o presidente nunca evitou questões que impactam a comunidade afro-americana, mas teve uma abordagem particular, que ele acreditava ser politicamente palatável e pragmática, e tentou tirá-la do papel.
BBC Brasil - Em seu último discurso como president, em Chicago, Obama disse que os brancos precisam entender que os efeitos da escravidão ainda estão presentes, mas também disse que os negros devem tentar ver as coisas do ponto de vista de brancos que se sentem ameaçados por mudanças culturais e econômicas. É um pedido razoável?
Sullivan - Acho que nós temos que começar a exercer o que [o filósofo americano] Cornel West chamou de we-talk [conversa coletiva, em tradução livre]. Acho que temos de ser um país unido onde pessoas diversas não sejam vistas como forasteiras, mas como americanas. Temos que conversar uns com os outros e empatizar uns com os outros. Que o presidente tenha tentado transmitir isso em seu discurso em Chicago, eu acho louvável.
Por outro lado, achei inadequada a porção do discurso que pretendia sinalizar uma equivalência moral quanto aos danos sofridos pelos grupos [negros e brancos].
BBC Brasil - O apoio a Trump foi alimentado pelo ressentimento de muitos brancos em relação ao que chamam de politicamente correto - pessoas que, em resposta ao Black Lives Matter, gritam em protestos que All Lives Matter (todas as vidas importam) e que acusam ativistas negros de praticar racismo reverso. Como se chegou a este ponto de divisão?
Sullivan - Chegou-se a esse ponto porque muitos americanos da comunidade majoritária [branca] sentem que este é o país deles. A reação veio quando minorias e pessoas de cor começaram a reivindicar os mesmos direitos que a comunidade majoritária usufrui todos os dias. A comunidade majoritária se acostumou ao usufruto dos benefícios deste país, enquanto as minorias tinham de carregar um fardo desproporcional.

Donald Trump em entrevista na Trump TowerDireito de imagemREUTERS
Image captionDonald Trump assume Presidência dos EUA no dia 20 de janeiro, após 8 anos de governo Obama

Houve uma reação, e o presidente eleito Trump se aproveitou desse movimento. Estou confiante, porém, de que nunca voltaremos à América pré-Obama. Depois que minorias e comunidades de cor sentiram o gosto do Sonho Americano de uma forma que não haviam sentido antes, nunca mais baixarão a guarda.
O presidente eleito é enigmático, é difícil prever como ele será. A situação pode ficar mais conflituosa, pode piorar antes de melhorar, mas no longo prazo nossa democracia será melhor.
BBC Brasil
Professor Edgar Bom Jardim - PE

O poeta Drummond salva o cotidiano


Os anos chegam trazendo tradições e expectativas. Todos estavam cansados de 2016. Muito peso nas corrupções, no cinismo político, nas jogadas da mídia. Temos crenças em calendários, cultivamos a ideia de um ano, de vida nova. Faz parte das ilusões dispersas. A violência não se foi, não promete partir. É um ponto marcante da convivência atual. Atinge o cotidiano, mora nos presídios, visita o trânsito. Na política, ela é usada com frequência. O autoritarismo ganha espaço, constrói práticas surpreendentes, mobiliza insatisfações nas redes sociais. Não faltam protestos, porém poucos notam que o sistema que vivemos é traiçoeiro e agressivo. Lançam culpas exclusivas em governos, choram mortes, se vestem de medos.
Atravesso ruas. Muitas ruas. Pouco ando de carro, embora adore uma carona. Na minhas andanças sempre estou atento. Observo detalhes, escuto conversas, faço comentários. Sinto o coletivo. A tensão é grande, os negócios instáveis, a polícia prometendo greve. Alguns tiram de letras. Outros criam cachorros, cultivam armas, saem de casa olhando  o movimento com cuidado. Existem muitas reações. Os preconceitos são atiçados. Comete-se a chamada violência simbólica. Elegem-se pessoas perigosas. As ilhas das suspeitas se multiplicam e o esquisito ocupa mentes nervosas. Por isso que as imobiliárias provocam com suas torres ditas inexpugnáveis.
Falam em selvas de pedras. Apesar do ruído dos carros, a troca de olhares é rara, o silêncio interior está minado pelas inseguranças. Cada lugar tem balanços venenosos. As praças não possuem a distinção desejada. Nela circulam drogas, lavam-se automóveis, vendem feijoadas, plantas, artesanatos. Não é mais um ambiente descontraído. Cães e crianças , muitas vezes, se confundem. Os bancos se tornam camas ou atraem namorados. Tudo é ressignificado. Lá adiante surge um prédio num terreno aonde havia mangueiras. Portanto, o vidro e o cimento buscam estéticas pós-modernas ou anônimas. Assustam e seduzem.
O pão é amargo, o afeto partido. Procuro energias que animem. Sou falante. Conheço as pessoas, solto humores, tento aliviar a gravidade de cada canto. No entanto, tenho minhas covardias. Sou caseiro, canceriano e não ouso frequentar certos espaços. Recolho-me cedo, depois de assistir aos programas de humor antigos. O noticiário político é nauseante. Para que desgastes ou se mirar em anúncios de paraísos? Aqueles que soltam arrogâncias merecem distâncias. Os que aparecem com saberes especiais querem vitrine. Não pense que há sossego definido, sem pressões. O tempo possui malabarismo. O pão nosso de cada dia está com o trigo estragado. Que fazer?
Estou próximo de casa. Encontro com um amigo que adora notícias intrigantes e andar pela praça. Não estico a conversa. Vi as manchetes dos jornais: Temer continua apaixonado por Marcela, novas passeatas denunciam precariedades dos hospitais, professores resolvem abandonar as salas de aulas superlotadas. Eu estava saturado. Queria curtir a Escolinha do Professor Raimundo, aqueles humoristas da minha infância. Lembro-me de Carlos Drummond. Vou ser gauche na vida e ter um coração maior que o mundo. É preciso ter cuidado. Algum deputado pode redigir uma lei exigindo o fim da poesia e a restrição à vende de torta alemã. Tudo é possível. Deus não sabe disso.
Por Paulo Rezende
Professor Edgar Bom Jardim - PE

domingo, 15 de janeiro de 2017

De desastres naturais a terrorismo: os 5 grandes riscos globais em 2017, segundo Fórum Econômico Mundial


Imagem da Terra vista do espaçoDireito de imagemESA/NASA

Com a chegada de 2017, o Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês) divulgou a edição anual do estudo que procura antecipar os principais riscos e desafios globais para os próximos 12 meses.
O documento, intitulado Global Risks Report (Relatório de Riscos Globais, em tradução livre), avalia tendências e serve de bússola para a formulação de políticas e estratégias de governos e empresas.
Ele foi divulgado uma semana antes do início da reunião anual do Fórum em Davos, na Suíça, que conta sempre com a presença de acadêmicos e líderes empresariais e políticos do mundo inteiro.
Confira quais são as cinco maiores ameaças para o mundo em 2017, segundo a "bola de cristal" do WEF:

1) Eventos climáticos extremos

O relatório lembra que 2016 foi o ano mais quente da história, com temperatura global 1,14ºC acima da observada antes da Revolução Industrial.
Sugere que as mudanças climáticas trazem consequências sociais graves, como imigração - segundo o estudo, 21,5 milhões de pessoas tiveram que emigrar desde 2008 por eventos relacionados ao clima.
A entidade defende o cumprimento do Acordo de Paris, fechado em 2015 e que pressupõe a participação de todas as nações - não apenas países ricos - no combate ao aquecimento global.

Urso polarDireito de imagemAP
Image captionGeleiras do Ártico tiveram derretimento recorde em 2016; mudanças climáticas devem causar mais consequências neste ano

"Muitos riscos causados por não se fazer nada a respeito do clima irão transbordar para ameaças sociais e geopolíticas. Veremos crescente imigração por riscos ambientais", afirmou Margareta Drzeniek-Hanouz, chefe do setor de Competitividade Global e Riscos do WEF.

2) Imigração em larga escala

Motivadas por catástrofes naturais e também por conflitos violentos, as ondas migratórias deverão se exacerbar em 2017, aponta o Fórum de Davos.
O relatório identifica ainda o risco de essa tendência ser explorada por políticos populistas, em busca de votos e aprovação popular.
"A imigração se mostrou ser um assunto político extremamente bem-sucedido entre os populistas anti-establishment, gerando uma ameaça eleitoral em vários países", afirma o texto, que enumera desafios decorrentes do avanço de "tensões culturais".
"A imigração cria tensões culturais: há necessidade de dar espaço para a tolerância religiosa sem abrir a porta para o extremismo. Há a necessidade de encorajar a diversidade que traz inovação sem alimentar ressentimento", aponta.

Imigrantes em campo de refugiados na EuropaDireito de imagemREUTERS
Image captionOndas migratórias devem aumentar neste ano por conta de mudanças climáticas e conflitos

A organização reconhece que, assim como ocorre com a globalização, há setores da sociedade que não experimentam os benefícios gerais à economia proporcionados pela imigração.
"Os desafios humanitários continuarão a criar ondas de pessoas - e nos países onde há baixos índices de fertilidade e número de aposentados crescendo a imigração será necessária para trazer novos trabalhadores."

3) Grandes desastres naturais

Desastres naturais de grande escala são uma ameaça real à infraestrutura produtiva global, aponta o Fórum de Davos.
O relatório cita um estudo da Universidade de Oxford (Inglaterra) que simulou o impacto destrutivo de uma enchente na região costeira da China, que concentra produção para exportação.
Mais de 130 milhões de pessoas seriam afetadas em um eventual desastre, comprometendo a cadeia internacional de comércio.

Escombros deixados pelo tufão Haiyan, nas Filipinas, em 2013Direito de imagemAP
Image captionEscombros deixados pelo tufão Haiyan, nas Filipinas, em 2013; desastres naturais de grande escala ameaçam infraestrutura produtiva global, aponta texto

"Interdependência entre diferentes redes de infraestrutura está aumentando o escopo de falhas sistêmicas (…) que podem se acumular e afetar a sociedade de formas imprevisíveis", prevê o relatório.

4) Terrorismo e vigilância

Ataques terroristas têm motivado um reforço na vigilância estatal sobre cidadãos, mas tais ferramentas muitas vezes são usadas com fins políticos, alerta o relatório, que diz ver a tendência com "preocupação".
"Em alguns casos, problemas de segurança e protecionismo (…) têm sido usados como razão para reduzir dissidências. Em outros casos, restrições às liberdades são efeitos colaterais de um pacote de segurança bem intencionado, (mas) essas tendências preocupantes estão aparecendo até mesmo em democracias."
O Fórum de Davos projeta uma "situação potencialmente explosiva" em países que coíbem a liberdade de expressão em nome do combate ao terrorismo.
"Ferramentas tecnológicas estão sendo utilizadas para aumentar a vigilância e o controle sobre cidadãos e erradicar críticas (aos governos). Restringir novas oportunidade a formas democráticas de expressão e mobilização e, por consequência, toda uma gama de direitos, gera uma situação potencialmente explosiva."

Homenagem a vítimas de atentado terrorista em mercado de Natal de BerlimDireito de imagemEPA
Image captionHomenagem a vítimas de atentado em mercado de Berlim; ações terroristas no Ocidente não devem diminuir neste ano, prevê relatório

5) Fraudes eletrônicas e roubo de dados

Outra ameaça citada pelo Fórum de Davos são as fraudes cibernéticas, que podem avançar diante de legislações frágeis e falta de ações conjuntas entre governos e setor privado.
Em entrevista à BBC Brasil, o presidente da empresa de análise de risco Marsh, John Drzik, que atuou na elaboração do relatório, diz que criminosos estão cada vez mais próximos das vítimas, pois aparelhos eletroeletrônicos domésticos estão sendo conectados à internet.
"A introdução de novas tecnologias deixará isso potencialmente ainda mais perigoso. Será possível invadir aparelhos domésticos como termômetros eletrônicos" exemplificou.
Drzik citou ainda a ameaça de ataques patrocinados por governos e orientados por interesses comerciais.
"Precisaremos de coordenação entre países na esfera internacional e entre governo e iniciativa privada para desenvolver respostas de governança", afirmou.

Cartões de créditoDireito de imagemMARTIN KEENE/PA WIRE
Image captionGolpes com cartão de crédito são recorrentes no Brasil; fraudes e invasão de dados serão problemas em 2017

Propostas de ação

O relatório também sugere ações para enfrentar as ameaças à economia global, concentradas em quatro frentes:

Reformas econômicas

Entre 1900 e 1980, a desigualdade social recuou nos países ricos, mas entre 2009 e 2012 a renda dos 1% mais ricos nos Estados Unidos, por exemplo, cresceu mais de 31%, lembra o relatório.
O documento defende a adoção de mecanismos de distribuição de benefícios econômicos, e cita o Bolsa Família, iniciativa federal de transferência de renda no Brasil, como medida eficiente na mitigação da desigualdade social.

Pontes culturais

Décadas de mudanças econômicas e sociais rápidas aumentaram o fosso entre as gerações e amplificaram conflitos de identidade pelo mundo, aponta o WEF.
O desafio diante de um cenário muitas vezes agravado pelo debate desinformado e pautado por emoções, aponta a entidade, é construir pontes que conectem diferenças culturais e preservem direitos individuais.

Gestão de mudanças tecnológicas

A automação da mão de obra respondeu por cerca de 86% dos empregos perdidos na indústria nos EUA entre 1997 e 2007, aponta o documento, que procura isentar a integração dos mercados globais pelo problema.
"Movimentos populistas tendem a focar a culpa pela perda de empregos na globalização (…) embora a evidência aponte a tecnologia como principal fator. As manufaturas nos Estados Unidos não regrediram. O país está produzindo mais do que nunca, apenas emprega menos trabalhadores", afirma o relatório.
Diante de transformações na natureza do trabalho, conclui o documento, novos empregos colaborativos precisam ser criados para minimizar a desocupação humana.

Cooperação global

O Fórum defende a importância de se resgatar a relevância de organismos de governança global, como as Nações Unidas e entidades de promoção do comércio internacional.
A tendência de valorização nacional e desvalorização internacional enfraquece os laços de confiança entre povos e nações, aponta o órgão.
A cooperação internacional também é fundamental, diz o WEF, para manter o aquecimento global dentro do limite de dois graus centígrados, cortando as emissões de carbono em 40-70% até 2050 e eliminando-as completamente em 2100.
BBC
Professor Edgar Bom Jardim - PE