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quinta-feira, 17 de junho de 2021

História da América: Como uma epidemia no Haiti ajudou os EUA a se tornarem uma potência




Enfrentamiento entre esclavos haitianos y tropas francesas.

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A revolta dos escravos haitianos deu início a eventos que alteraram para sempre a geopolítica mundial

Foi uma epidemia cujos efeitos mudaram a geopolítica mundial por muitos séculos.

No final de 1801, Napoleão Bonaparte enviou ao Haiti uma das maiores frotas marítimas já mobilizadas pela Armada francesa e suas forças acabaram sucumbindo a um mosquito.

Milhares de soldados franceses morreram vítimas de maior epidemia de febre amarela registrada no Caribe em 300 anos.

Assim naufragaram os planos de Bonaparte para as Índias Ocidentais, como eram chamadas as ilhas do Caribe, dos quais o Haiti era peça central.

Seu fracasso criou condições para a consolidação de uma pujante mas jovem nação, os Estados Unidos, cuja ascensão transformaria o jogo de forças internacional nos séculos seguintes.


Mas de onde vinha o interesse de Bonaparte pelo Haiti?

Um império de açúcar e café

Depois de se estabelecer no início do século 17 de maneira informal na parte ocidental da Espanhola, como era conhecida a ilha onde hoje ficam o Haiti e a República Dominicana, a França conseguiu fazer a coroa espanhola lhe ceder formalmente um terço da ilha em 1697 com o Tratado de Rijswijk.

Barcos franceses em Santo Domingo

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Mais de 700 barcos atracavam em Santo Domingo para exportar seus produtos, principalmente café e açúcar

Batizada então de Saint-Domingue, ou São Domingos, logo se tornou a posse mais próspera da França em todo o Novo Mundo, graças à sua produção de açúcar e café, da qual a França era o principal exportador para a Europa e, em menor grau, cacau e índigo.

No início da década de 1780, mais de 700 navios atracavam lá todos os anos para carregar produtos dessa colônia, que naquela época representavam dois terços dos investimentos franceses no exterior.

Toda essa prosperidade, no entanto, foi construída com base no uso maciço e brutal da força de trabalho escrava africana.

Esses escravos ficavam presos num círculo vicioso porque os proprietários não se dedicavam a cuidar deles, convencidos de que não valia a pena gastar devido à alta taxa de mortalidade entre eles.

Como consequência, metade dos escravos morreu durante o primeiro ano no Haiti devido às duras condições de vida.

A cada ano dezenas de milhares de seres humanos eram trazidos, o que, por sua vez, transformou o comércio de escravos em um negócio lucrativo.

Socialmente, São Domingos era uma bomba-relógio com várias classes que se odiavam e se temiam. Como o historiador francês Paul Fregosi descreveu:

"Brancos, mulatos e negros se odiavam. Os brancos pobres não toleravam brancos ricos; os brancos ricos desprezavam os brancos pobres; os brancos de classe média tinham inveja dos brancos aristocráticos; os brancos nascidos na França menosprezavam os brancos locais. Os mestiços não gostavam dos brancos, repudiavam os negros e eram desprezados pelos brancos. Negros livres abusavam daqueles que ainda eram escravos; negros nascidos no Haiti consideravam selvagens aqueles trazidos da África. Todos - com boas razões - viviam aterrorizados com os outros. O Haiti era um inferno, mas o Haiti era rico."

Em 1791, paradoxalmente inspirados pela Revolução Francesa e sua Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, os escravos iniciaram uma revolta que 13 anos depois culminaria na declaração de independência, a primeira em um país latino-americano.

Muitos proprietários de terra morreram nas mãos de seus escravos e numerosas plantações foram queimadas.

Fazendeiros foram mortos e plantações foram queimadas na revolta

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Fazendeiros foram mortos e plantações foram queimadas na revolta

O levante levou a uma guerra civil, na qual também interferiram outras grandes potências coloniais, como Espanha e Inglaterra, que apoiaram um ou outro grupo de acordo com sua conveniência.

A pressão da revolta estava conseguindo extrair concessões das autoridades francesas, que começaram a oferecer liberdade aos escravos que se juntavam às suas fileiras.

Em 1794, a França aboliu a escravidão em todas as suas colônias do Caribe.

No início da década seguinte, François-Dominique Toussaint Louverture, um ex-escravo militar que jurou lealdade à França, assumiu o controle de São Domingos e em 1801 foi nomeado "governador geral".

Seus movimentos não passariam despercebidos em Paris.

Uma invasão, um engano

Decidido a recuperar o controle da antiga colônia e restaurar sua "grandeza", no outono de 1801, Bonaparte enviou uma flotilha composta por 26 fragatas, 35 navios, 22.000 soldados e cerca de 20.000 marinheiros, segundo dados coletados pelo historiador americano JR McNeill.

tropas francesas em Saint Domingue.

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Com tropas experientes e bem armadas diante de milícias locais mal equipadas, Leclerc conseguiu ganhar terreno e, em maio de 1802, ele fez um armistício com Toussaint

No final de janeiro de 1802, essa força chegou ao seu destino, desembarcando em três portos diferentes.

Nos meses seguintes, eles receberiam mais reforços, embora não haja consenso entre os especialistas sobre a magnitude deles. Estima-se que a força total enviada tenha variado de 60.000 a 85.000 homens.

À frente dessa expedição estava o general Victor Emmanuel Charles Leclerc, marido de Pauline, a irmã mais nova e favorita de Napoleão.

O chefe militar recebeu instruções secretas sobre sua missão.

"Napoleão determinou que Leclerc restaurasse a economia das plantações, restaurasse São Domingos à França e acabasse com a independência de Toussaint", escreve McNeill em seu livro Mosquito Empires: Ecology and War in the Greater Caribbean, 1620-1914 (Impérios de mosquitos: ecologia e guerra no Caribe, 1620-1914, em tradução livre).

Seus objetivos também incluíam o restabelecimento da escravidão, mas somente quando os negros fossem desarmados e seus líderes deportados para a França, portanto havia discrição sobre esses planos.

Napoleão também instruiu Leclerc a agir astuciosamente diante de Touissant: ele devia primeiro demonstrar respeito para baixar a guarda e depois capturá-lo.

François-Dominique Toussaint Louverture

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Toussaint Loverture

Com tropas experientes e bem armadas diante de milícias locais mal equipadas, Leclerc conseguiu ganhar terreno e, em maio de 1802, fez um armistício com Toussaint, que se retirou para uma de suas muitas propriedades na região.

Um mês depois, no entanto, o líder haitiano cometeu o erro de ir a um encontro com Leclerc, que o prendeu e o deportou para a França, onde ele morreu em uma masmorra menos de um ano depois.

Um inimigo pequeno e mortal

Alguns historiadores consideram que a captura de Toussaint foi acelerada depois que Leclerc descobriu que o líder haitiano estava tentando ganhar tempo enquanto esperava os franceses recuarem ao serem derrotados por um inimigo implacável: a febre amarela.

Mosquito Aedes aegypti.

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O pequeno Aedes aegypti deu fim aos projetos de Bonaparte

"Toussaint tinha conhecimento médico e tinha consciência de quando e onde a febre atingiria seus inimigos europeus. Aparentemente, ele sabia que, ao manobrar para levar alvos a portos e terras baixas durante a estação chuvosa, eles morreriam em massa", dizem os historiadores da medicina John S. Marr e John T. Cathey.

Essa estratégia parece insinuada em uma carta que o general haitiano escreveu a Jean-Jacques Dessalines, que o sucederia como líder e se tornaria o primeiro presidente do Haiti pós-colonial.

Em seu texto, Toussaint instrui Dessalines a queimar um porto onde os franceses tinham uma guarnição e indica: "Não se esqueça que enquanto esperamos a estação das chuvas, que nos livrará de nossos inimigos, só teremos destruição".

Seus cálculos foram bem orientados. Quando a estação das chuvas começou em 1802, as tropas francesas começaram a cair sob os ataques do pequeno, mas implacável mosquito Aedes aegypti.

Leclerc reconhece o quão difícil foi essa batalha em uma carta que enviou ao ministro da Defesa francês Denis Descres na época:

"Um homem não pode trabalhar duro aqui sem arriscar sua vida e é impossível para mim ficar aqui mais de seis meses. Minha saúde é tão ruim que eu me consideraria sortudo se pudesse durar tanto tempo! A mortalidade continua e o medo causa estragos. O exército que calculávamos em 26.000 homens está reduzido no momento para 12.000. Neste momento eu tenho 3.600 homens no hospital", escreveu ele.

"Nas últimas noites, perdi de 30 a 50 homens por dia na colônia, e não passa um dia sem que 200 a 250 homens entrem no hospital, dos quais não mais que 50 saem", acrescentou.

Victor Emmanuel Charles Leclerc

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O general Leclerc, cunhado de Bonaparte

As condições em que as tropas francesas viviam, em fortes lotados ou em navios nos portos, proporcionavam um ambiente propício ao melhoramento genético e ataque de mosquitos.

Além disso, as forças recém-chegadas do exterior não possuíam imunidade à doença, como poderia ter sido desenvolvida por aqueles que há muito residiam na ilha.

Como consequência, as tropas de Leclerc foram dizimadas pela febre amarela.

Segundo estimativas de McNeill, entre 80% e 85% dos soldados franceses enviados ao Haiti perderam a vida, a maioria devido a doenças e apenas alguns em combate.

"Sob todas as perspectivas, o número de mortos e a taxa de mortalidade são difíceis de entender a menos que se leve em consideração a convergência de fatores ambientais e ecológicos ideais para um desastre epidemiológico", resumiram John S. Marr e John T. Cathey.

Uma dessas fatalidades foi o próprio Leclerc, que morreu em novembro de 1802. Um ano depois, as forças francesas finalmente se retiraram da ilha e abandonaram formalmente sua tentativa de reconquista.

Alguns erros estratégicos contribuíram para sua derrota, como a captura de Toussaint, a decisão de Napoleão de restabelecer a escravidão na ilha de Guadalupe e as ações cruéis do sucessor de Leclerc, o general Donatien Rochambeau, que levou a França a encontrar uma resistência cada vez maior entre negros.

Nenhum desses elementos, no entanto, teve um efeito tão devastador quanto a febre amarela.

O nascimento de uma potência

A tentativa de Napoleão de recuperar o controle de São Domingos era acompanhada com interesse pelas outras potências, mas causou inquietação especialmente em um país recém-independente e ainda em desenvolvimento: os Estados Unidos.

Thomas Jefferson

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Thomas Jefferson previa que a ocupação francesa de Louisiana levaria a conflitos nos EUA

No final de 1800, a Espanha cedeu a colônia da Louisiana à França por meio de um acordo secreto.

Esse território abrangia os estados atuais de Arkansas, Iowa, Missouri, Kansas, Oklahoma e Nebraska, além de partes de Minnesota, Novo México, Dakota do Sul, Texas, Wyoming, Montana e Colorado e do próprio estado da Louisiana e de partes das províncias canadenses de Alberta e Saskatchewan.

Mas o governo de Thomas Jefferson não estava tão preocupado com o tamanho do território, mas com sua localização: eles controlavam o rio Mississippi e o porto de Nova Orleans, onde viajavam três oitavos dos produtos exportados pelos Estados Unidos.

Outra causa de desconforto foi o fato de o novo proprietário ser uma potência em expansão, como a França de Napoleão.

"Isso muda completamente todas as relações políticas nos Estados Unidos e gerará uma nova época em eventos políticos", escreveu o presidente dos EUA em abril de 1802, logo após receber a confirmação da designação da Louisiana.

"A Espanha poderia controlá-la em silêncio por anos. Isso nunca pode ser esperado nas mãos da França. A impetuosidade de seu temperamento, a energia e o caráter inesgotável colocam-na em um ponto de atrito eterno conosco. É impossível que a França e os Estados Unidos possam permanecer amigos quando se encontram em uma situação tão tensa", disse o presidente americano, como relata o historiador Jon Meacham em sua biografia.

Tentando resolver a crise antes que ela surgisse, Jefferson enviou James Monroe a Paris no início de 1803 para negociar a compra de Nova Orleans com Napoleão.

James Monroe

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James Monroe foi enviado à França para negociar a compra de Nova Orleans e acabou comprando toda a colônia de Louisiana

O objetivo foi alcançado, mas com uma surpresa adicional: à proposta de compra de Nova Orleans, a França acrescentou a oferta de entregar toda a colônia da Louisiana.

Mas por que tomou essa decisão?

"Para a França, manter e defender terras tão distantes da Europa estava se tornando cada vez mais caro e problemático. A derrota nas mãos das forças de São Domingos foi especialmente problemática para Napoleão, que acreditava que ele deveria dedicar seus recursos a campanhas mais perto de casa", explica Meacham.

Foi assim que, em 30 de abril de 1803, foi assinado o acordo pelo qual os Estados Unidos compraram a Louisiana, encerrando assim qualquer preocupação com as ambições territoriais da França em seu ambiente mais próximo e conseguindo duplicar seu território a um preço baixo: US $ 15 milhões na época, equivalente a cerca de US $ 340 milhões em 2020.

Historiadores como Bob Corbett colocam São Domingos no centro da estratégia da França para o Novo Mundo, na qual a Louisiana pretendia servir como produtora de produtos para alimentar os escravos da ilha.

"Sem a ilha, o sistema tinha mãos, pés e até cabeça, mas não corpo. De que adiantava a Louisiana quando a França havia perdido a principal colônia que a Louisiana deveria alimentar e fortalecer?", perguntou o historiador Henry Adams.

Outros pesquisadores acreditam - com base em algumas evidências - que Bonaparte realmente tinha planos de tomar o controle da Louisiana e de lá conquistar os Estados Unidos, ou pelo menos estabelecer-se como uma força importante naquele território, dividido entre americanos, franceses e espanhóis.

Mesmo que um desses cenários estivesse correto, a derrota em São Domingos parece ter encerrado essas ambições.

A compra da Louisiana abriu as portas para a futura expansão dos EUA para o oeste, incluindo a guerra com o México, após a qual os Estados Unidos anexaram formalmente o Texas e compraram a Califórnia e o resto dos territórios ao norte do Rio Grande.

Mapa da compra de Louisiana.

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A compra de Louisiana permitiu aos EUA duplicar se território e abriu portas para a expansão a oeste

Essa consolidação territorial não apenas ajudou a torná-lo o quarto país com o maior território do mundo, mas também limitou a dois o número de países com os quais compartilhava uma fronteira terrestre e deixou os oceanos Atlântico e Pacífico como barreiras naturais que o protegiam de agressões.

Todos esses elementos foram essenciais para impedir que os Estados Unidos fossem atacados por inimigos externos e impediram que suas infraestruturas (e em grande parte sua economia) fossem afetadas por conflitos armados.

E todas essas mudanças foram possibilitadas pela epidemia de febre amarela que atingiu as tropas francesas no Haiti.

Está claro por que o pesquisador Erwin Ackerknecht diz que essa foi provavelmente "a epidemia mais importante da história".

  • Ángel Bermúdez 
  • BBC News Mundo

Professor Edgar Bom Jardim - PE

segunda-feira, 14 de junho de 2021

Por que o Brasil continuou um só enquanto a América espanhola se dividiu em vários países?



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Por que o Brasil continuou um só enquanto a América espanhola se dividiu em vários países?

Quase dois séculos atrás, em 7 de setembro de 1822, o Brasil ganhava sua independência de Portugal.

Mas por que a América portuguesa se tornou um único país, enquanto a América espanhola se fragmentou em outros tantos?

Não há apenas uma única razão, mas várias, segundo historiadores com quem a BBC News Brasil conversou. E, para quem busca respostas fáceis, um alerta. Não há unanimidade nas conclusões.

Mapa Mundial após o Tratado de Tordesilhas
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Ilustração: Cecilia Tombesi

Maiores distâncias, diferentes estilos de administração

Uma das causas tem a ver com a distância geográfica entre as cidades das antigas colônias e a forma como as duas possessões eram administradas por suas respectivas metrópoles.

Ainda que a colônia portuguesa tivesse dimensões continentais, a maior parte da população se concentrava em cidades costeiras, enquanto o interior permanecia praticamente inexplorado, lembra à BBC News Brasil o historiador mexicano Alfredo Ávila Rueda, da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM).



Tratado de Tordesilhas

CRÉDITO,BIBLIOTECA NACIONAL DE PORTUGAL

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Tratado de Tordesilhas, de 1494, foi assinado por Portugal e Castela (Espanha)

"É verdade que, hoje, o Brasil é um país enorme, com mais de 8 milhões de km². Mas, na prática, na época da independência, as principais cidades se concentravam no litoral. As distâncias entre as cidades eram, assim, menores do que na América Espanhola. O interior era praticamente território que não era controlado pela Coroa portuguesa", diz.

Já a América Espanhola era formada por quatro grandes vice-reinados: Nova Espanha, Peru, Rio da Prata e Nova Granada, com poucos vínculos - senão comerciais - entre si. Cada um deles respondia à Coroa e tinha vida própria.

Ou seja, eram administrados localmente. Além disso, foram criadas capitanias que tinham governos independentes desses vice-reinados, como as da Venezuela, Guatemala, Chile e Quito, acrescenta Ávila Rueda.

"A administração espanhola se deu em torno de duas 'sub-metrópoles': México e Peru. Isso não aconteceu no Brasil, onde a administração era muito mais centralizada", explica o historiador mexicano.

Como o poder era dividido na América Portuguesa e na América Espanhola
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Ilustração: Cecilia Tombesi

Diferenças entre as elites

Outra causa está relacionada à formação e à representatividade das elites nas duas colônias, na opinião do historiador brasileiro José Murilo de Carvalho.

No Brasil, a elite era muito mais homogênea ideologicamente do que a espanhola, diz ele.

Carvalho argumenta que isso se deveu à tradição burocrática portuguesa. Portugal nunca permitiu a criação de universidades em sua colônia. Escolas superiores só foram criadas após a chegada da corte, em 1808. Assim, os brasileiros que quisessem e pudessem ter formação universitária tinham que viajar a Portugal, sobretudo à cidade de Coimbra.

"Diante de um pedido para se criar uma escola de Medicina em Minas Gerais, no século 18, a resposta da Corte foi: agora pedem uma faculdade de Medicina, daqui a pouco vão pedir uma faculdade de Direito e, em seguida, vão querer a independência", exemplifica o historiador brasileiro.

Quando se formavam, esses ex-alunos voltavam ao Brasil e acabavam ocupando cargos importantes na administração da colônia. Ou seja, um desembargador em Pernambuco formado em Coimbra tinha grandes chances de conhecer um desembargador do Rio de Janeiro também diplomado na mesma universidade, ou de ter conhecidos em comum, o que, na opinião de Carvalho, favoreceu um sentimento de unidade na colônia.

"Esses estudantes luso-brasileiros em Coimbra tinham organização própria. Envolveram-se no mesmo ensino que os portugueses e foram absorvidos pela burocracia da Corte, sendo enviados a todos os pontos do império português - do Brasil à África. Portugal tinha uma população muito pequena à época e não havia gente suficiente para administrar seu império. Acabou dependendo dos brasileiros treinados lá", diz.

"Eles formaram grande parte da elite política brasileira até cerca de 1850, como ministros, conselheiros de Estado, deputados e senadores", acrescenta.

Segundo Murilo de Carvalho, essa formação da elite brasileira em Portugal acabou por favorecer a obediência à figura real e a crença nas virtudes do poder centralizado.

Entre 1772 e 1872, passaram pela Universidade de Coimbra 1.242 estudantes brasileiros.

Por outro lado, na América Espanhola, durante esse mesmo período, 150 mil estudantes se formaram em universidades locais, diz Carvalho. Havia pelo menos 23 universidades na colônia, três delas apenas no México. Só a Universidade do México formou quase 40 mil estudantes.

Dessa forma, argumenta o historiador, quando os movimentos de independência na América Espanhola começaram a ganhar força, no século 19, eles surgiram coincidentemente nos locais onde havia universidades. E praticamente todos esses locais com universidades acabaram dando origem a um país diferente.

Ávila Rueda contesta, contudo, essa última hipótese. "Essas universidades eram, em sua maioria, reacionárias...aliadas à Coroa espanhola", diz.

"A Universidade do México, por exemplo, era muito reacionária, a tal ponto que, em 1830 (após a independência do México), o governo mexicano decidiu fechá-la porque acreditava que não seria possível reformá-la", acrescenta.

Neste sentido, o historiador mexicano diz acreditar que a livre circulação de impressos (jornais, livros e panfletos) na América espanhola, que não era permitida na América portuguesa (a proibição só foi revertida em 1808, com a chegada da corte portuguesa ao Brasil), teve papel muito mais importante na construção de identidades regionais do que propriamente as universidades.

"Já na América portuguesa, tudo o que era consumido vinha de Portugal, o que gerava esse vínculo muito forte com a metrópole", lembra.

Mas fato inconteste era que, na América espanhola, os nascidos na colônia, os chamados criollos, a elite local (grandes proprietários de terras, arrendatários de minas, comerciantes e pecuaristas) eram desprezados em relação aos nascidos na Espanha, os Peninsulares.

Até 1700, quando a Espanha era governada pela dinastia dos Habsburgo, as colônias tinham bastante autonomia.

Mas tudo mudou com as reformas borbônicas feitas pelo rei espanhol Carlos 3º. Naquele momento, a Espanha precisava aumentar a extração de riqueza de suas colônias para financiar a manutenção de seu império e guerras nas quais estava envolvido.

Com isso, a Coroa decidiu expandir os privilégios dos peninsulares - colonos nascidos na Espanha -, que passaram a ocupar os cargos administrativos anteriormente destinados aos criollos.

Ao mesmo tempo, as reformas realizadas pela Igreja Católica reduziram os papéis e os privilégios do baixo clero, que também era formado em sua maioria por criollos.

Declaração de Guerra de Dom João 6º a Napoleão Bonaparte

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Declaração de Guerra de Dom João 6º a Napoleão Bonaparte

Embarque da família real portuguesa no cais de Belém, em 29 de novembro de 1807

CRÉDITO,CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA

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Família real portuguesa fugiu de Portugal rumo a Brasil por causa de Napoleão Bonaparte

Napoleão invade Portugal...e a família real portuguesa foge para o Brasil

Outro motivo que explica a manutenção da unidade do Brasil, senão o mais importante, foi a fuga da família real portuguesa para sua então maior colônia, de acordo com os historiadores.

Em 1808, com a invasão de Portugal por Napoleão Bonaparte, o príncipe regente João fugiu para o Rio de Janeiro, transferindo não somente a corte, mas toda a burocracia do governo: arquivos, biblioteca real, tesouro público e cerca de 15 mil pessoas. O Rio de Janeiro virou, então, a sede político-administrativa do império. A presença do rei em território brasileiro serviu como fonte de legitimidade para que a colônia se mantivesse unida.

"O rei era um herdeiro legítimo do poder. Temos dificuldade de entender a importância disso hoje, mas naquela época a figura de Dom João 6º como monarca tinha muita força", diz à BBC News Brasil o historiador americano Richard Graham, professor emérito da Universidade do Texas e considerado um dos maiores especialistas em história da América Latina nos Estados Unidos.

Carvalho explica que a "transferência trouxe para o Brasil toda a burocracia portuguesa. Portugal passou a ser uma dependência. Desenvolveu-se, portanto, um foco de legitimidade política no país".

"Se Dom João não tivesse vindo para o Brasil, o país teria se dividido em cinco ou seis países. Os lugares de maior desenvolvimento econômico, como Pernambuco e Rio de Janeiro, teriam conseguido sua independência", assinala.

José Bonaparte

CRÉDITO,MUSEU NACIONAL DO CASTELO DE FONTAINEBLEAU

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Napoleão Bonaparte forçou rei espanhol Fernando 7º a abdicar do trono em favor de seu irmão, José (mais tarde José 1º, da Espanha, retratado no quadro)

Enquanto isso, o rei espanhol é forçado a abdicar do trono...

Na Espanha, contudo, essa fonte de legitimidade foi questionada após a invasão de Napoleão. Ele forçou o rei espanhol, Carlos 4º e seu filho, Fernando 7º, a abdicar do trono a favor de seu irmão, José Bonaparte (mais tarde José 1º da Espanha).

Na colônia, a notícia caiu como uma bomba. Aqueles que viviam na América Espanhola já não sabiam mais a quem obedecer. Surgiram juntas administrativas, muitas das quais no começo governavam em nome de Fernando 7º, recusando-se a receber ordens de juntas semelhantes formadas na Espanha (após a invasão de Napoleão, o governo espanhol foi dividido em inúmeras juntas administrativas).

Quando Napoleão foi derrotado, esses líderes locais já tinham experiência de autogoverno. Reconduzido ao trono em 1814, Fernando 7º não garantiu a autonomia deles e tentou usar a força para restabelecer a submissão das colônias.

Esse fato aliado à política discriminatória por parte da Coroa Espanhola em relação aos nascidos nas Américas fez com que eles se rebelassem, inspirados pelos ideais iluministas espalhados pelas revoluções americana e francesa.

Dom João 6º

CRÉDITO,MNBA

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Dom João 6º chegou ao Brasil em 1808

Com o apoio de outras castas, eles travaram lutas sangrentas contra a Espanha por independência, entre 1809 a 1826.

Por outro lado, quando Napoleão foi derrotado, Dom João 6º elevou o Brasil à condição de Reino Unido a Portugal. Também permaneceu no Rio de Janeiro até que as cortes exigissem seu retorno a Lisboa, em 1820, e aceitasse uma constituição liberal.

Dom João 6º deixou seu filho, Pedro, como príncipe regente no Brasil, e em 1822, Pedro tornou o Brasil independente, coroando a si mesmo como Dom Pedro 1º. O Brasil ganhou então a independência como uma monarquia constitucional.

Dom Pedro 1º

CRÉDITO,MUSEU DO IPIRANGA

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Dom Pedro 1º proclamou Independência do Brasil às margens do Rio Ipiranga

Temor social

Preocupações econômicas e sociais também contribuíram fortemente para assegurar a unidade do Brasil.

Segundo Graham, fazendeiros e homens ricos das cidades acabaram aceitando uma autoridade central por dois motivos: a ameaça de desordem social e o apelo de uma monarquia legítima.

Um possível desmembramento do Brasil em diferentes países poderia colocar em xeque o firme controle social desejado pelos proprietários de terras e escravocratas. Inicialmente, eles achavam que conseguiriam manter o respeito e a obediência, mas revoltas populares provaram o contrário, na prática. No Haiti, por exemplo, a independência significou o fim da escravidão.

Embora o Brasil tenha conseguido sua independência de Portugal sem recorrer à luta militar generalizada, os líderes regionais procuravam maior liberdade em relação à capital, o Rio de Janeiro, diz Graham.

Mas, com o tempo, eles perceberam que essa vontade de reivindicar um autogoverno regional ou a independência completa do governo centralizado poderia enfraquecer sua autoridade, não somente sobre os escravos, mas também sobre as classes inferiores em geral. Ou seja, temiam a desordem social.

"É importante lembrar que o Brasil era um país de escravos. Eles compunham grande parte da população. Era muito perigoso que as classes dominantes começassem a brigar entre si e colocassem em risco sua legitimidade", destaca Graham.

"Essa classe dominante temia que esses escravos pudessem aproveitar-se de suas divisões internas para se rebelar", acrescenta.

Na América Espanhola, por outro lado, diz o historiador americano, "as elites (...) aprenderam que poderiam lidar muito bem com uma população irrequieta. Todos os países hispano-americanos tomaram medidas que objetivavam terminar com a escravidão, possivelmente para diminuir o perigo da revolta escrava. Mestiços (e alguns mulatos, como na Venezuela), tinham o comando de forças militares e eram frequentemente recompensados com posse de terras tomadas dos monarquistas", diz.

Estatísticas sobre o comércio de escravos embasam tal hipótese.

Escravos desembarcados entre 1500 e 1866
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Ilustração: Cecilia Tombesi

Entre 1500 e 1866, a América Espanhola recebeu 1,3 milhão de escravos trazidos da África. No mesmo período, desembarcaram no Brasil 4,9 milhões, segundo dados da The Trans-Atlantic Slave Trade Database, um esforço internacional de catalogação de dados sobre o tráfico de escravos - que inclui, entre outros, a Universidade de Harvard.

O levantamento foi possível porque os escravos eram uma mercadoria, registrada na entrada e saída dos portos, sobre a qual incidia cobrança de impostos. Nenhum outro lugar do mundo recebeu tantos escravos.

La carga de los Mamelucos, de Fracisco Goya

CRÉDITO,MUSEU DO PRADO

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Levantamento de 2 de maio, ocorrido em 1808 em Madri, e duramente reprimido foi o estopim para Guerra de Independência Espanhola

Fragmentação em vários países

Mas por que as fronteiras dos países recém-independentes na América Espanhola não se mantiveram as mesmas das dos quatro vice-reinados? Ou seja, por que houve tanta fragmentação?

Explica Ávila Rueda: "Na época colonial, o conceito de fronteira era distinto do dos Estados modernos. O que havia era um sistema de jurisdição, não de fronteiras. E as diferentes jurisdições às vezes se sobrepunham umas às outras".

Ele cita o caso do vice-reinado de Nova Espanha (território que compreende parte dos Estados Unidos, México e América Central).

"Em termos de governo, o vice-rei tinha controle sobre praticamente todo o território, salvo as regiões mais ao norte, que eram independentes neste sentido. Mas, a nível fiscal, o governo do México tinha controle sobre essas regiões. Já em relação a questões jurídicas, a gestão era totalmente diferente".

"Assim, houve conflitos bélicos muito fortes para delimitar essas fronteiras no século 19, inclusive após a independência", acrescenta.

Ávila Rueda lembra que, com a abdicação de Fernando 7º, ocorre um processo em que os territórios provinciais passam a lutar por "mais autonomia".

"Julgamos o passado a partir do nosso ponto de vista atual. Achamos que o vice-reinado de Nova Espanha se manteve como um país unido, que é o México atual. Mas nos esquecemos que depois da independência, surgiu o império mexicano, que incluía a atual América Central. Posteriormente, com a dissolução do império mexicano, se estabeleceram a federação mexicana e a federação centro-americana, que mais tarde se desintegraria em outros países", diz.

José de San Martín

CRÉDITO,MUSEU HISTÓRICO NACIONAL DA ARGENTINA

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Argentino José de San Martín é também conhecido como o libertador de Argentina, Chile e Peru

"Houve um processo de fragmentação na América Espanhola. Eventualmente, algumas dessas províncias formam confederações para ter força militar e se defender de outros inimigos. Ou são unidas à força, como fez Simón Bolívar", acrescenta.

Graham concorda. "Se você vai se tornar independente da Espanha, por que continuaria a se submeter aos mandos e desmandos de Buenos Aires, por exemplo? A divisão por vice-reinos era burocrática. E as fronteiras atuais dos países da América Latina demoraram para ser consolidadas. Não era possível prevê-las antes de 1810, pois resultaram de disputas internas após a independência", explica.

Mas é importante lembrar que também houve na América Espanhola planos de unificação, que não avançaram.

Bernardo O'Higgins

CRÉDITO,INSTITUTO GEOGRÁFICO MILITAR DE CHILE

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Militar e estadista, Bernardo O'Higgins foi uma das principais figuras militares fundamentais do movimento de independência do Chile

Em 1822, Simón Bolívar e José de San Martín, duas das figuras mais importantes da descolonização da América Espanhola, reuniram-se na cidade de Guayaquil, no Equador, para discutir o futuro da América Espanhola.

Enquanto Bolívar era partidário da unidade das ex-colônias (ele forçou a unificação da Colômbia e da Venezuela) e a formação de uma federação de repúblicas, San Martín defendia a restauração da monarquia, sob a forma de governos liderados por príncipes europeus. A ideia de Bolívar voltou a ser discutida no Congresso do Panamá, em 1826, mas acabou rejeitada.

E se Fernando 7º tivesse feito o mesmo que D. João 6º e transferido a corte às Américas, o mapa da América Latina seria diferente do que é hoje?

Em um artigo, o historiador americano William Spence Robertson, já falecido, cita a frase de um observador espanhol em 1821: "O México não aceitaria as leis que fossem sancionadas em Lima; nem Lima aceitaria as leis que fossem sancionadas no México".

Agustín de Iturbide

CRÉDITO,CASAIMPERIAL.ORG

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Agustín de Iturbide foi declarado imperador do México como Agustín I após independência da Espanha

"A principal pergunta, portanto, é onde ele escolheria se estabelecer. Não acredito que o México permaneceria leal a um rei estabelecido em Lima e não em Madri", diz Graham.

"Declaração ao Mundo" ou "Notas para a História", por Agustín de Iturbide

CRÉDITO,WORLD DIGITAL LIBRARY

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Documento "Declaração ao Mundo" ou "Notas para a História" foi encontrado junto ao corpo de Agustín de Iturbide após sua execução; sangue sobre papel é do próprio Agustín

"Mas certamente (se Fernando 7º tivesse se transferido às Américas) haveria menos divisões do que, na verdade, ocorreu", acrescenta.

Isso porque os reis oferecem legitimidade.

Tanto é que, na Argentina, quando um congresso em 1816 declarou a independência das "Províncias Unidas", Juan Martin de Pueryrredón, nomeado diretor dessa entidade, tentou, nos três anos seguintes, em vão buscar alguém na Europa com vínculo real para se tornar rei das Províncias Unidades do Rio da Prata.

"A própria mulher de Dom João, Dona Carlota Joaquina, tinha vontade de se tornar rainha do Prata", lembra Murilo de Carvalho.

Já no México, quando as cortes espanholas se recusaram a reconhecer a independência mexicana e a permitir que um membro da realeza aceitasse o trono do império mexicano, Agustín Iturbide, um dos mentores da independência, forjou uma eleição ao fim da qual foi coroado imperador, como Agustín 1º.

No Peru, também foi aventada a possibilidade de um príncipe espanhol liderar uma monarquia independente.

Simón Bolívar

CRÉDITO,COLEÇÃO DO BANCO CENTRAL DA VENEZUELA

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Militar liberal e líder político venezuelano, Simón Bolívar foi um dos primeiros a lutar pela descolonização da América Espanhola

Rebeliões no Brasil

Mas o processo de unificação territorial no Brasil tampouco foi totalmente pacífico. Houve movimentos de caráter emancipacionista em Minas Gerais (1789), na Bahia (1798), em Pernambuco (1817).

No entanto, essas revoltas foram mais fomentadas por um sentimento de autonomia do que propriamente por um desejo de ruptura entre a colônia e a metrópole.

Tiradentes esquartejado, de Pedro Américo de Figueiredo e Melo

CRÉDITO,MUSEU MARIANO PROCÓPIO

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Tiradentes foi líder da Inconfidência Mineira, mas revolta não tinha desejo de libertação de todo território brasileiro

Um exemplo emblemático disso foi a chamada Inconfidência Mineira, liderada por Tiradentes em Minas Gerais (1789). Não havia nessa conspiração antimetropolitana nenhum desejo de libertação de todo o território.

Quando Dom Pedro 1º declarou a Independência do Brasil, em 1822, por exemplo, a maior parte das províncias do norte foram contra e permaneceram leais a Portugal, até defrontarem-se com uma força vinda do Rio de Janeiro.

Ainda assim, como lembra Graham, "mesmos os grupos do sul que declaram sua aliança a D. Pedro 1º, em meados de 1822, não significavam o triunfo do nacionalismo. Ao contrário, eles simplesmente preferiam o domínio dele, com a promessa de autonomia local, ao domínio das cortes portuguesas, que ameaçava essa autonomia".

Ávila Rueda acrescenta ainda que, "como na América portuguesa não houve uma guerra de independência e sim uma continuidade com a transferência da corte, o governo do Rio de Janeiro tinha mais força para suprimir essas rebeliões".

"Em contrapartida, o governo do México não tinha força suficiente para evitar o desmembramento da América Central. Tampouco o governo de Buenos Aires em relação a Uruguai ou Paraguai", acrescenta.

'Acordo de interesses'

Segundo a historiadora brasileira Lilia Schwarcz, "a independência do Brasil foi uma solução de compromisso entre as elites, no sentido de primeiro evitar uma mudança estrutural na então colônia que se tornaria um país e evitar grandes conturbações sociais", diz.

"Houve um ajuste entre as várias elites locais no sentido de preservar a escravidão, evitar o formato de uma revolução, inclusive sabendo do que havia ocorrido na América Espanhola e conseguir manter o país unificado", acrescenta.

Graham concorda. "O governo central não foi imposto às pessoas influentes ou até mesmo "vendido" a eles. Eles (a elite brasileira) o escolheram", assinala.

"Eles procuravam legitimidade porque, sem ela, sua autoridade local permanecia relativamente fraca. Eles desejavam fortalecer a hierarquia porque ela validaria a sua própria posição local predominante. Para alcançar esses objetivos, eles construíram um estado central, simbolizado no imperador. A monarquia tinha sua utilidade".

Sentença contra líderes da Inconfidência Mineira

CRÉDITO,ARQUIVO NACIONAL DO BRASIL

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Sentença contra líderes da Inconfidência Mineira

"A presença do imperador foi fundamental. As elites pretendiam que o imperador fosse uma espécie de símbolo a unificar as diferentes províncias e que, de alguma maneira, ele fizesse uma passagem não tão convulsionada como no restante da América Espanhola. Sabemos que a história não foi bem assim, mas foi o que aconteceu no momento da independência", diz Schwarcz.

Por fim, a opção por um governo central, além de afastar o espectro de uma anarquia social, também favorecia estender o poder dessas elites, uma vez que cabia a elas as indicações aos cargos públicos, como oficiais da Guarda Nacional, delegados de polícia e juízes.

"Eles vieram a considerar o governo central como apropriado e útil para fins pessoais", diz Graham.

Já no fim do século, com a unidade do Brasil já assegurada e a escravidão abolida, as elites já não precisavam mais "de um símbolo vivo do estado" para estabelecer sua legitimidade.

O império acabou destronado pelo Exército, que proclamou a república quase sem disparar um único tiro.

  • Luis Barrucho -
  • Da BBC News Brasil em Londres
Professor Edgar Bom Jardim - PE