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quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Menina de 11 anos viraliza com reportagens de brincadeira para denunciar problemas da periferia

Mirella, Marjory, Pablo e PetersonDireito de imagemREPRODUÇÃO
Image captionMirella (à esq.) e os irmãos brincam de fazer um telejornal e mostram problemas do bairro onde vivem em Ribeirão Preto Foto | Reprodução
De férias e sem ter como sair para passear com os irmãos, Mirella Archangelo, 11, perguntou para a mãe, Amanda Sales, por que algumas crianças podiam ir todos os dias ao shopping e viajar enquanto eles precisavam ficar em casa.
A mãe então explicou que isso acontecia porque algumas pessoas tinham condições financeiras, o que não era o caso deles, já que ela e o marido se dividem para manter um estúdio de tatuagem e criar os quatro filhos - além de Mirella, os gêmeos Pablo e Peterson, 8, e Marjory, 6.
A menina quis saber mais, e ouvindo a mãe e pesquisando por conta própria, viu que assim como ela, outras crianças que vivem nas periferias não têm opções de lazer nas férias, já que os pais trabalham e não podem custear passeios.
Irmãos brincam de 'equipe de TV' para denunciar problemas na periferia de Ribeirão Preto
Alguns dias depois, a sala da casa da família, no bairro Parque Avelino, em Ribeirão Preto, interior paulista, havia se convertido em um estúdio de TV. Peterson levava no ombro uma câmera feita com caixas de sapato e tecido. Mirella caminhava segurando um microfone de espuma e plástico reciclado, com o logotipo da Globo.
Ela para em frente à falsa câmera e fala: "Esse é o 'Jornal Comunitário' e o assunto de hoje é férias. Fiz uma pesquisa e descobri que muitas crianças não têm nada para fazer nas férias. Os pais têm que ir trabalhar, não podem se divertir com aquela criança; aí a criança acaba indo para lugares errados, aprender coisas erradas. Muitos bairros não têm nada a oferecer às crianças. E os bairros que têm oficinas (culturais), elas poderiam ser mais divulgadas para as famílias levarem seus filhos". E encerra: "Agora vamos sair desse assunto chato e vamos descobrir um pouco mais de esporte com o Pablo".
O irmão então assume o microfone e começa a falar dos times brasileiros. Na sequência, é a vez da caçula Marjory informar a previsão do tempo: "Tá um pouco de chuva, mas vai que faz sol".

Jornalista ou prefeita

Postado no Facebook pela mãe, esse é um dos vídeos feitos pelos irmãos que viralizou nas redes sociais. Em todas as gravações, um tema em comum: Mirella, como repórter, aponta problemas em seu bairro e cobra do poder público ações que possam melhorar a vida das pessoas não tão favorecidas como ela.
No mais famoso deles, que chegou a ser exibido e inspirou reportagem no telejornal local da Globo, ela mostra os buracos e problemas constantes da sua rua, que fica alagada com frequência, e desabafa no final: "A população já cansou dessas buraqueiras. Será que vou ter que deixar meu sonho de jornalismo de lado para virar prefeita?".
Mas Mirella, que acaba de passar para o 6º ano do ensino fundamental, não tem muita ideia do que um prefeito faz. "Imagino que rouba verba das crianças nas escolas", diz ela à BBC Brasil, por telefone. "Ele deve dar umas melhorias também. Preciso estudar, me aprofundar sobre isso."
Ser política, no entanto, não está nos seus planos. Conta que falou aquela frase sem pensar muito, com a ajuda do pai, Julio Buyu.
"Eu queria ser professora, porque gosto de ensinar os outros. Eu ajudo meus irmãos com português e matemática. Mas agora desisti e quero ser jornalista", diz ela, que tem como inspiração Glória Maria e Rodrigo Bocardi. "Gostei das pessoas me reconhecerem na rua, de ajudar as pessoas, de arrumar a minha rua, poder ajudar a arrumar os lugares."
Mirella ArchangeloDireito de imagemREPRODUÇÃO
Image captionMirella, que queria ser professora, agora está decidida a virar jornalista - ela tem como inspiração Gloria Maria e Rodrigo Bocardi
A denúncia em relação às más condições da própria rua, no entanto, ainda não surtiram efeito. Após seu vídeo circular nas redes sociais, uma equipe local da Globo foi até lá para gravar com a família de Mirella e mostrar os problemas. A prefeitura prometeu resolver tudo em um mês e meio e não cumpriu.
"Eu reclamo dos vazamentos e dos buracos há dez anos, nunca ninguém fez nada. Foi só aparecer esse vídeo para a prefeitura vir aqui olhar", conta a mãe, Amanda. Ela diz, no entanto, que nunca foi a intenção das crianças fazer esses vídeos só para apontar os problemas. "Tudo partiu da brincadeira deles."
Procurada pela BBC Brasil, a Prefeitura de Ribeirão Preto informou, via assessoria, que a recapagem da rua de Mirella e os outros serviços serão feitos no início de 2018. E explicou que as obras ainda não foram feitas "por absoluta falta de recursos, já que a atual gestão herdou uma dívida de quase R$ 2 bilhões (entre flutuante e fundada), para um orçamento de R$ 2,9 bilhões".

Inspiração

Mirella conta que aprendeu a imitar o trabalho dos jornalistas assistindo todo dia ao telejornal de manhã e que as ideias para os "jornais" surgem do que ela acha que "precisa arrumar", do que pensa na hora. A de falar da falta de opção de lazer nas férias foi assim.
"Tem muitas crianças que saem pro shopping e muitas ficam em casa sem fazer nada, tipo eu. Minha mãe explicou que era porque a gente não tinha muito dinheiro, e pensei em falar das oficinas para divulgar. Porque eu acho que devia ser igual para todo mundo. Ou ficava todo mundo em casa, ou saía todo mundo", diz ela.
Nesta semana, sua mãe, que é a verdadeira cinegrafista por trás dos vídeos, registrando a ação com um celular, lançou a página Jornal Mirim no Facebook para reunir os vídeos que ela e os irmãos fazem. A ideia, Amanda diz, é que eles postem vídeos quando tiverem vontade e que não façam apenas "reportagens" reclamando da falta de ação da prefeitura.
"As pessoas precisam saber que ela não é repórter investigativa. Ela é uma criança que brinca de ser repórter. Eu alimento a brincadeira com meus filhos pelo lado saudável. Eles fazem vídeos de dança, de várias coisas. Isso não é a profissão deles, eles são crianças que brincam com vídeos", afirma Amanda.
Mirella avisa que ela e sua equipe familiar produzirão vídeos com mais brincadeiras, mas sempre tratarão de algum tema importante. "No próximo eu quero falar de maltratar animais", diz a dona da cachorrinha Jade e de dois coelhos ainda sem nome.
Marjory, Mirella, Peterson e PabloDireito de imagemAMANDA SALES
Image captionDa esq. para a dir.: Marjory faz a previsão do tempo, Mirella é a repórter/apresentadora do jornal fictício, Peterson, o câmera, e Pablo, comentarista esportivo Foto | Amanda Sales
Professor Edgar Bom Jardim - PE

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

'Virei pintor após ficar tetraplégico'

Aos 34 anos, a rotina de Ronaldo Serafim era bastante agitada. Dentista, começava cedo no consultório, de onde saía apenas à noite, diretamente para a faculdade onde dava aulas. Voltava para casa tarde e ainda assim invadia a madrugada estudando para o mestrado. Serafim queria atender às expectativas de ser um profissional de sucesso: especializações, cursos no exterior, e trabalho, trabalho, trabalho.
Não havia tempo a perder, nem mesmo com o sono. A estratégia dele era reservar apenas três ou quatro horas diárias para dormir, algo considerado abaixo do necessário por especialistas. Até que um desses dias comuns na sua rotina terminou mal: na volta para casa de madrugada, ele dormiu ao volante.
"Eu estava com tanto sono que, um minuto antes do acidente, eu tirei o cinto de segurança. Estava chegando em casa. Só deu tempo de segurar no volante. Com sono, você não raciocina. Quando bati, eu fui projetado para o painel do carro, e aí fraturei entre a sexta e sétima vértebra da medula", contou à BBC Brasil.
Após o acidente em agosto de 2009, Serafim passou 40 dias no hospital e saiu de lá em uma maca, tetraplégico. Ele não mexia as pernas, as mãos e o abdômen, e tinha apenas alguns movimentos nos punhos e nos ombros. Teve de reaprender as coisas mais básicas com seu novo corpo - tarefas "simples" como ficar sentado, se alimentar e escovar os dentes viraram grandes desafios.
Mas as limitações não trouxeram apenas obstáculos e fizeram o então dentista descobrir uma nova vocação: as artes plásticas.
Foi no Centro de Reabilitação Sarah, no Rio de Janeiro, que Serafim entendeu que poderia ter uma vida "normal" com uma rotina diferente, porém não menos prazerosa.
"Durante a reabilitação, tem um pessoal que te mostra tudo o que você pode fazer. Lá eu vi que era possível ir para uma academia malhar, conheci o esporte que pratico hoje, o rúgbi em cadeira de rodas. E descobri que eu poderia pintar", afirmou.
Ronaldo Serafim pintando
Image captionSerafim moldou adaptador para conseguir segurar pincel e descobriu nova paixão | Foto: Arquivo Pessoal

Sem controle da temperatura corporal

Ronaldo Serafim havia inaugurado seu consultório próprio de Odontologia no Rio de Janeiro apenas duas semanas antes de sofrer o acidente que o afastaria definitivamente da profissão. No começo, resistiu em se desfazer do aparato de trabalho.
"Na época, ainda no hospital, eu não entendia a gravidade. Achava que se me esforçasse bastante, com muita fisioterapia e força de vontade, seria possível reverter (o quadro de tetraplegia)", contou.
O primeiro choque na volta para casa veio justamente com as ações mais prosaicas. "Nos três primeiros dias depois de chegar em casa, fiquei sem banho. Tivemos que adaptar o banheiro para eu poder entrar. Fora o fato de que, como fiquei muitos dias no hospital deitado, quando eu sentava para tomar banho, eu desmaiava. A primeira semana é bem punk, você tem que ter paciência para absorver aquilo."
Ronaldo Serafim na praia
Image caption"O acidente me fez enxergar que muitas vezes a gente pensa muito no fator dinheiro antes dos nossos sonhos", disse Ronaldo Serafim
Tetraplégicos não conseguem transpirar, por exemplo, e isso exige um cuidado especial com a temperatura ambiente. As necessidades fisiológicas também requerem uma atenção diferente.
"Pelo fato da lesão ser alta, ela atinge uma região da medula que faz uma regulação automática de uma série de ações da gente. Então, no calor, em vez de eu ficar transpirando, eu transpiro zero e a temperatura do corpo começa a subir. Você sente um calor absurdo e não se alivia, é desesperador. Eu já saí de um jogo de rúgbi com mais de 40 graus, por exemplo. O frio também é muito ruim, porque a sua temperatura abaixa muito", relata.
Ronaldo Serafim no rúgbi de cadeira de rodas
Image captionApós acidente, Serafim passou a jogar rúgbi de cadeira de rodas e viajou o país todo em competições (Foto: Thelma Vidales)
"Esse mesmo centro regulador é responsável por contrair a bexiga, então não há a capacidade de urinar sozinho. Preciso esvaziá-la de tempos em tempos, passar a sonda de 4 a 5 vezes ao dia. E aí é preciso de um lugar higiênico para não correr riscos de se contaminar".
Foi principalmente quando começou no rúgbi de cadeira de rodas, em 2012, que Serafim teve contato com outras pessoas que tinham a mesma deficiência e aprendeu estratégias para "driblar" as limitações físicas e levar uma vida independente.
"Quando você é cadeirante, parece que fica infantilizado. As pessoas começam a falar com você como se fosse uma criança. E todo mundo quer fazer tudo para você, para te ajudar. Isso acaba até te tolhendo de certa forma."
Ronaldo na academia
"O maior ganho para mim com o rúgbi é poder estar com gente que tem o mesmo problema que eu, isso é um aprendizado constante. Eu via os caras viajando de carro para os jogos e aí fui atrás de entender como poderia dirigir. Você participa de torneio, viaja de avião, vai para lugares que não são adaptados, e isso exige mais criatividade. Vai te dando segurança, autoconfiança."

Pintura

Se voltar a se exercitar e retomar atividades cotidianas trouxe alívio na rotina, a mudança mais profunda na vida de Serafim veio com a redescoberta da pintura. Acostumado a exercer uma profissão que exigia habilidades motoras e fina precisão manual, ele entendeu pouco tempo depois do acidente que o trabalho como dentista era inviável. Mas o talento com as mãos ainda poderia ser explorado.
Adaptador criado por Serafim para poder pintar
Image captionCom adaptador, Serafim consegue segurar pincel e ter estabilidade no traço
Adaptador criado por Serafim para poder pintar
Image captionAdaptador criado por Serafim para poder pintar
"A pintura era muito esporádica para mim (antes do acidente), se eu fizesse dois trabalhos por ano era lucro. Depois (como tetraplégico), eu não conseguia ver minha mão segurando um pincel ou um lápis. A gente não sabe nosso potencial e tem que estar com alguém que nos mostre que é possível."
Ainda no Centro de Habilitação, em 2011, Serafim pode experimentar um primeiro adaptador. A ferramenta não oferecia tanta estabilidade, mas operou maravilhas na auto-estima. "Eu pensei: bom, alguma coisa na vida eu vou conseguir fazer."
Já em casa, o conhecimento como dentista lhe valeu. Ele usou as resinas que antes aplicava nos dentes de pacientes para moldar seu próprio adaptador. "Peguei a resina, manipulei, fingi a posição da mão segurando uma caneta. Fiz um protótipo que durou cinco anos", contou.
Com ele, Serafim passou a pintar com frequência, melhorou sua técnica e viu que seria possível também escrever com um traço perfeito, como fazia antes do acidente. Assim, decidiu voltar a estudar e foi fazer um curso de alemão.
pintura de Ronaldo Serafim
Image captionRonaldo Serafim gosta de se inspirar em paisagens do mundo todo para fazer suas pinturas (Arquivo Pessoal)
"Você cria uma coisa e ela te abre possibilidades que antes você não pensava, porque você estava travado", disse.
Hoje, o adaptador que ele usa é um pouco mais sofisticado e resistente. "Moldei a mão no silicone industrial e, a partir dessa empunhadura, consegui esculpir um novo adaptador com mais refinamento. Para não quebrar quando caísse, eu usei três lâminas de fibra de carbono. Comprei material, estudei. Me acidentar e parar de trabalhar como dentista me fez ver possibilidades de aprender coisas novas."

Realizações

A rotina de Serafim hoje é bem mais tranquila do que a que levava como dentista. Aposentado na profissão, ele sobrevive com o valor do benefício que recebe do INSS e alguns rendimentos dos investimentos que aprendeu a fazer estudando finanças pela internet após o acidente. Treina rúgbi de cadeira de rodas duas vezes por semana, vai à academia com a mesma frequência e reserva um tempo quase diário para a pintura. E exercita a paciência a cada vez que sai de casa.
Com carro próprio, ele consegue amenizar um pouco as dificuldades rotineiras pelas quais passa um cadeirante no Brasil, mas reforça que a falta de lugares adaptados para pessoas com deficiência ainda é um grande impeditivo que faz com que muitos fiquem "presos".
quadro de Ronaldo
Image captionQuadro que Serafim começou a pintar com a reportagem da BBC Brasil (Arquivo Pessoal)
"Quem para na vaga de deficiente na rua é multado. Mas no shopping ainda não é. Eu já parei num shopping e aquela área grande do lado que é marcada com as linhas, uma moto da prefeitura parou exatamente na minha porta. O cara acha que aquela área rabiscadinha é para moto estacionar...e o carro que está ali do lado que se dane", contou.
Ronaldo Serafim e os obstáculos no caminho para a praia
Image captionNo caminho para a praia, Ronaldo Serafim precisa ir boa parte do trajeto pela rua por causa da falta de espaço nas calçadas
Com 42 anos de idade e quase uma década de tetraplegia, Ronaldo Serafim já aprendeu alemão, morou em Heidelberg (a 600 km de Berlim) por alguns meses, viajou o Brasil todo e visitou outros vários lugares do mundo jogando rúgbi em cadeira de rodas. Agora, ele usa sua memória visual das paisagens que conheceu para transformá-las em arte nos quadros que pinta em casa.
"Eu gostava de correr e jogar futebol, isso me faz falta. Mas substituindo uma coisa pela outra, eu vejo assim: antes, apesar de eu fazer tudo isso, eu tinha uma vida muito mais presa por causa do trabalho", pondera.
"Se existisse uma super cura, eu não voltaria para a Odontologia. Eu me profissionalizaria em artes plásticas. O acidente me fez enxergar isso. Que muitas vezes a gente faz opções porque a gente se escraviza com a rotina, se escraviza com a vida financeira. Não é que o dinheiro manda na gente, mas a gente pensa muito no fator dinheiro antes dos nossos sonhos. Comparando a vida que eu tenho hoje com a que eu tinha, é até difícil de dizer qual é melhor. "
*Edição do vídeo: Ana Terra
Fonte: Renata Mendonça* B B C
Professor Edgar Bom Jardim - PE

quinta-feira, 30 de novembro de 2017

'Me senti como um nada': grávida que teve pedido de aborto negado pelo STF diz que irá à Justiça de SP

Rebeca Mendes Silva Leite com seus filhos
Image caption'Eu me sinto desamparada', diz Rebeca Mendes Silva Leite, 30 anos, sobre a decisão da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, de negar o pedido dela para interromper a gravidez | Fonte: Arquivo Pessoal
"Eu me sinto desamparada", diz Rebeca Mendes Silva Leite, 30 anos, sobre a decisão da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, de negar o pedido dela para interromper a gravidez.
Estudante de Direito e mãe de dois meninos, um de 9 anos e o outro de 6, Rebeca não transparece dúvida ao falar da decisão de não ter mais um filho.
"Estar sozinha numa gravidez, eu já passei por isso. Eu sei muito bem o que me espera. E porque eu sei muito bem o que me espera é que eu falo que eu não quero ter, não quero continuar com essa gestação", disse à BBC Brasil.
Ela descobriu a gravidez, que vai completar sete semanas, no dia 14 de novembro. Na semana passada, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma liminar (decisão provisória) que a autorizasse a abortar.
A ação foi elaborada pelo PSOL e o Instituto Anis- Instituto de Bioética, que argumentam que a criminalização do aborto fere princípios e direitos fundamentais garantidos na Constituição, como dignidade, liberdade e saúde.
Atualmente a lei só permite aborto em caso de estupro e risco de vida para a mãe. Uma decisão do STF também assegurou a possibilidade de interrupção de gravidez quando o feto apresenta anencefalia.
A ministra Rosa Weber não chegou a analisar os argumentos do pedido. Negou a liminar afirmando que a ação utilizada, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), não serve como remédio jurídico para situações individuais concretas, mas sim para questões abstratas.
Rebeca Mendes Silva LeiteDireito de imagemAFP
Image caption'Eu sei muito bem o que me espera. E porque eu sei muito bem o que me espera é que eu falo que eu não quero ter, não quero continuar com essa gestação', disse Rebeca | Foto: Empics
Apesar de a ministra ter negado a liminar a Rebeca, a possibilidade de descriminalizar o aborto quando feito até o terceiro mês de gestação ainda será analisada pelo plenário do STF, em data a ser definida.
A Advocacia-Geral da União (AGU) se manifestou no processo defendendo a legislação atual sobre aborto e afirmando que qualquer mudança teria que ser feita pelo Congresso Nacional, com "amplo debate".
"Eu me senti desamparada, porque infelizmente ela (Rosa Weber) nem olhou o mérito da questão. Eu me senti como um nada. Uma brasileira que fez um pedido e esse pedido não foi ouvido. Eu me senti muito desamparada pelo Judiciário", diz Rebeca.
A estudante informou à BBC Brasil que não vai desistir de tentar fazer um aborto com permissão judicial. Pretende entrar com um habeas corpus no Tribunal de Justiça de São Paulo
"Pretendo continuar tentando judicialmente interromper a gravidez. Nós temos um plano B. Vamos entrar com um HC (Habeas Corpus) em São Paulo, porque eu, como cidadã brasileira que sou, mereço ter uma resposta. Tantas outras mulheres brasileiras merecem uma resposta da nossa sociedade."
Rebeca diz que engravidou num período de troca de método contraceptivo. Em setembro, fez uma consulta pelo Sistema Único de Saúde e pediu para passar a usar DIU (dispositivo intra-uterino), mas o exame de ultrassonografia exigido pelo médico só foi agendado para dezembro.

Planos de estudar e desemprego

Rebeca sonha em ser advogada e está no quinto semestre do curso de Direito, pago com bolsa integral do PROUNI (Programa Universidade para Todos).
"Os meus planos antes eram terminar a faculdade e escolher um ramo no Direito que me atraísse mais. Pretendo trabalhar na área que eu escolher e lutar, batalhar para melhorar a vida da minha família. É por isso que eu acordo e levanto todos os dias."
Rebeca Mendes Silva Leite
Image captionRebeca disse que vai entrar com habeas corpus no TJ-SP por autorização para interromper a gravidez
Atualmente, ela recebe um salário de R$ 1.200 de um emprego temporário no IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) que vai até fevereiro de 2018, e paga um aluguel de R$ 600 pela casa onde que mora com as crianças.
Separada do pai dos dois filhos - que também é o pai do bebê que ela está esperando - recebe uma pensão que varia entre R$ 700 e R$ 1.000 por mês. Rebeca diz achar que, se tiver o terceiro filho, terá que deixar a faculdade.
"Eu já passei por duas maternidades onde, mesmo eles tendo pai, o trabalho sempre foi de mãe solteira. Eu sempre tive que arregaçar as mangas, ir lá e fazer", diz.
"Quando meus filhos eram pequenos eu que olhava, eu que sou a mãe. Eu tive que esperar os dois crescerem um pouco mais para eu poder ir para a faculdade. Ninguém passou a mão na minha cabeça. Ou eu tive que me virar sozinha ou eu tive que pagar pessoas para olharem. Então eu sei o me espera, infelizmente, se nada disso mudar."
Rebeca afirma que optou por pedir à Justiça para permitir a interrupção da gravidez, porque não quer correr o risco de morrer num procedimento clandestino ou de ser punida por aborto ilegal. Hoje, a pena para uma mulher que intencionalmente termine a gravidez é de um a três anos de detenção. Há casos em que a denúncia contra elas é feita pelo médico que as atende em serviços de emergência, quando as pacientes buscam ajuda por complicações decorrentes do aborto clandestino. Como estudante de Direito, Rebeca está ciente desses riscos.

A espera

Quando a ação foi protocolada no STF, no dia 23 de novembro, Rebeca teve o nome divulgado e passou a ser alvo tanto de mensagens de apoio quanto de críticas pela decisão de tentar um aborto.
O debate ganhou as redes e dividiu os usuários. Alguns deles cobravam Rebeca por "engravidar por descuido, e jogar para o STF julgar?" e a acusavam de querer "tirar uma vida", "deveria ter e dar para adoção". Outros a defendiam dizendo que "é engraçado esse discurso pró-vida que fala: 'Não quer o filho, tenha ele e entrega pra adoção...' Como se fosse uma coisa super legal e moral abandonar um filho".
Enquanto via o próprio ventre pautar discussões entre desconhecidos, Rebeca teve que lidar com a 'espera' pela decisão judicial.
"A espera foi difícil. Não foi fácil. As pessoas me julgaram muito sem me conhecer. Então, eu tentei me manter afastada desses comentários."
O principal sentimento na decisão de fazer um aborto, segundo ela, é de solidão.
"Quando eu digo sozinha, eu sei que tive pessoas que estavam do meu lado, que me apoiaram. Mas para toda mulher é uma decisão muito sozinha, porque é muito pessoal, é muito íntimo. É complicado para qualquer mulher que esteja nessa situação. Quem já passou por isso entende."
Segundo a Pesquisa Nacional de Aborto 2016, coordenada pelos professores Débora Diniz e Marcelo Medeiros, da Universidade de Brasília, e Alberto Madeiro, da Universidade Estadual do Piauí, uma em cada cinco mulheres com 40 anos já realizou pelo menos um aborto ao longo da vida. Em 2015, aproximadamente 416 mil mulheres interromperam a gestação por vontade própria.
"As pessoas que me conhecem, mesmo não concordando com o aborto, me apoiaram, porque disseram: 'eu sei quem você é, eu sei a mãe que você é, então eu apoio qualquer decisão que você tomar. O corpo é teu, a decisão é sua e só você sabe qual é a sua batalha diária para trabalhar, para ir para a faculdade, para ser mãe'. Então eu vi que ali eu tenho muitos amigos", diz Rebeca.
Ela diz que recebeu mensagens de brasileiros que moram no exterior e ficou "feliz" em saber que em muitos países as regras de aborto são mais flexíveis. Em grande parte da Europa, o aborto até o terceiro mês é permitido e pode ser feitos nos sistemas públicos de saúde.
"Eu vi muita mensagem de brasileiros falando assim: "Eu sou brasileira, eu moro no exterior, e aqui onde eu moro você não ia dar satisfação a ninguém. Você quer interromper a gravidez, você é livre para ir lá e não tem que dar justificativa nenhuma. Eu fiquei muito feliz em saber que, pelo menos em outros lugares do mundo, é diferente", diz Rebeca.
Fonte:BBC
Professor Edgar Bom Jardim - PE