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quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Arte:Das peças indígenas a fósseis: os itens culturais brasileiros que estão ou correm risco de ir parar no exterior


Desenho de índio com manto tupinambá
Image captionAquarela sobre pergaminho mostra índios brasileiros, um deles com um manto tupinambá; mantos conhecidos estão em museus da Europa

Os mantos tupinambás são resquícios exuberantes do povo que dominava a costa do Brasil há 500 anos. Há apenas seis exemplares preservados no mundo que ainda trazem quase intactos os trançados de fibras naturais e penas vermelhas de guarás e azuis de ararunas.
Mas, apesar de eles terem sido confeccionados em território nacional, os brasileiros que queiram conhecê-los terão de viajar ao exterior: todos os exemplares de mantos tupinambás de que se tem notícia estão em acervos da Europa.
O mais conhecido e conservado deles está no Nationalmuseet, em Copenhague, capital da Dinamarca. O exemplar foi exposto no Brasil em 2000, nas comemorações dos 500 anos do descobrimento pelos portugueses.
Foi nessa ocasião que povos que reivindicam ser herdeiros dos tupinambás, em especial os Tupinambá de Olivença, na Bahia, passaram a requerer o retorno do manto. Desde então, porém, apesar de contarem com o apoio de universidades e outras organizações, não tiveram sucesso em reaver os objetos.

Manto Tupinambá da coleção do Nationalmuseet, na Dinamarca
Image captionMuseu na Dinamarca que abriga um dos seis mantos tupinambás conhecidos no mundo diz nunca ter recebido uma solicitação formal para devolução ao Brasil | Foto: Niels Erik Jehrbo/Museu Nacional da Dinamarca

Segundo pesquisadores, os exemplares que estão na Dinamarca, na França, na Itália, na Bélgica, na Alemanha e na Suíça saíram do Brasil como consequência da invasão holandesa no Nordeste. Com a expulsão dos holandeses de Pernambuco no século 17, os mantos acabaram sendo levados para a Europa - ainda que não se saiba exatamente como chegaram aos museus onde estão hoje.
Por e-mail, o Nationalmuseet disse à BBC Brasil que o item consta de registros do museu que datam de 1689 e admitiu que não há "conhecimento sólido" sobre sua procedência.
A instituição afirmou que, por sua "longa tradição de diálogos positivos e trocas globais", é uma prática recorrente o empréstimo de peças a museus do exterior. O início de um processo de devolução, porém, depende de um pedido oficial do país - o que, segundo o Nationalmuseet, nunca foi feito em relação ao manto tupinambá.

Patrimônio nacional

Para além dos mantos tupinambás, o Brasil abasteceu - e continua abastecendo - acervos estrangeiros com peças arqueológicas, etnográficas e fósseis de dinossauros e animais pré-históricos.
Mas, se no passado, o colonialismo foi responsável pelas perdas, hoje o tráfico ilegal de obras de arte e fósseis é o maior responsável pelo problema.
Atualmente, de acordo com o Ministério das Relações Exteriores (MRE), o tráfico ilegal de fósseis oriundos da região do Crato, na Bacia do Araripe (CE), é a principal área de preocupação do Brasil em relação à evasão de patrimônios nacionais. Alguns fósseis chegam a ser ofertados em sites especializados na internet. Uma lei de 1942 criminaliza a saída de fósseis do território nacional.

Fóssil de uma libélula encontrado na Bacia do Araripe
Image captionFóssil de uma libélula encontrado na Bacia do Araripe; local sofre hoje da evasão de fósseis por meio do tráfico ilegal | Foto: Marcos Santos/ USP Imagens

A pasta diz já ter feito questionamentos formais sobre a procedência de alguns itens alocados em museus internacionais, mas tais bens não foram encontrados.
O cenário de evasão de bens culturais como esses fez com que a célula brasileira do Conselho Internacional dos Museus (ICOM) - rede que reúne instituições do tipo em todo o mundo - passasse a desenvolver um mapeamento do que está em risco no patrimônio cultural nacional. Esse dossiê, batizado de Red List, faz um diagnostico dos tipos de bens mais vulneráveis - gerando, por exemplo, cartilhas de orientações para agentes que trabalham nas alfândegas por onde o patrimônio pode acabar escapando ilegalmente.
No caso do Brasil, há pelo menos três tipos de bens que deverão estar na Red List brasileira: itens arqueológicos, fósseis e peças do Barroco. É o que indica Maria Ignez Mantovani Franco, presidente do Conselho de Administração do ICOM no Brasil, que prevê que uma primeira versão do dossiê seja concluída ainda em 2018.
Apesar da situação, segundo o presidente do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), Marcelo Mattos Araujo, o Brasil não acumula uma quantidade expressiva de reinvindicações oficiais de peças que estão no exterior.

Tartaruga mais antiga do mundo e cobra de quatro patas

No que diz respeito aos fósseis, porém, há iniciativas incipientes de repatriação.
Há quase seis anos, o governo brasileiro iniciou um processo para repatriar seu primeiro fóssil. Trata-se de um exemplar da tartaruga mais antiga do mundo, a Santanachelys gaffneyi, hoje em uma universidade no Japão.

O único fóssil completo do pterossauro Tapejara navigans no mundo, encontrado na Bacia do Araripe
Image captionO único fóssil completo do pterossauro Tapejara navigans no mundo, encontrado na Bacia do Araripe | Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Atualmente, esse é um dos quatro fósseis que a Procuradoria da República no Ceará tenta recuperar por meio de cooperação com instâncias jurídicas do exterior. Os outros três itens com processos em aberto estão na França, Alemanha e Itália.
"O trabalho de repatriação está em curso", disse à BBC Brasil o procurador da República Rafael Rayol. "Todo mês temos notícias de pessoas que transportam, às vezes até como suvenir, fósseis do Araripe de forma irregular. Há também uma rede internacional de tráfico, e a Europa é o maior mercado. Em geral, os consumidores finais são colecionadores, mas vez ou outra esses itens chegam também a universidades."
Segundo Renato Pirani Ghilardi, presidente da Sociedade Brasileira de Paleontologia, é sabido que existem pesquisadores que receptam fósseis no exterior - e estes acabam muitas vezes figurando em estudos científicos prestigiados.
"Nos últimos cinco anos, posso apontar várias espécies que foram encontradas no Brasil, mas descritas lá fora", disse Ghilardi à BBC Brasil. "Nas publicações, eles dizem que o material estudado estava perdido em alguma coleção antiga, anterior a 1942 (quando foi implantada a legislação que criminaliza a saída de fósseis). Não achamos que as ciências devam ter fronteiras. Mas poderia ter uma regulação maior, com esse material voltando depois de um tempo, por exemplo".

Legitimidade de quem pede de volta e custos de devolução

No entanto, a experiência mostra que, na prática, a restituição de bens culturais esbarra em questões complexas: da legitimidade de quem pede de volta aos custos da devolução.
"Pelas regras da ONU e da Unesco, uma vez que a negociação de devolução é bem-sucedida, o país reivindicante deve arcar com as despesas da restituição. Isso implica que o país deve estar disposto a trazer o objeto", aponta Luiz Carlos Borges, pesquisador do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), no Rio de Janeiro.

Ilustração mostra três cenas em três tipos diferentes de museusDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionDebate sobre a restituição de bens culturais envolve outras questões complexas como a legitimidade dos requerentes e os custos da devolução

E, quando a consideração dos custos envolve também a manutenção e exibição dos artefatos, alguns especialistas são reticentes sobre as vantagens de reaver itens do patrimônio brasileiro no exterior.
"A gente não pode reivindicar sem ter condições de receber. Isso é calamitoso no Brasil", afirma Lúcio Menezes Ferreira, professor de Departamento de Antropologia e Arqueologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), no Rio Grande do Sul. "E a repatriação não é receber apenas por receber, tem que haver um desejo das comunidades locais ou uma demanda dos pesquisadores que justifique o pedido."
Mesmo aqueles cientistas brasileiros cujo material de pesquisa nacional está a milhares de quilômetros de distância se dividem sobre trazer as peças de volta ou não.
No século 19, o pesquisador dinamarquês Peter Lund descobriu que a região mineira de Lagoa Santa guardava artefatos e resquícios de atividade humana de mais de 10 mil anos. O material abasteceu museus europeus ao redor do mundo.

Molduras de quadros expostasDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionBrasil tem atuação oficial tímida na restituição de bens culturais

O pesquisador Danilo Vicensotto, da Universidade Federal do Rio Grande, estima que existam cerca de 30 crânios humanos retirados dali em museus como o de Zoologia da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, e o Museu de História Natural de Londres, na Inglaterra. Isso fora outros vestígios, como fósseis de animais.
"Às vezes temos que viajar para o exterior para fazer pesquisas. Mas, mesmo assim, não sei se seria a favor de trazer as peças para cá. Acho que não. A gente, com raríssimas exceções, não tem onde colocar o material. Faltam obra, pessoal, verba, manutenção. A ciência no Brasil é a última das prioridades, vista como um artigo de luxo, supérfluo", avalia Vicensotto.
Para a museóloga Maria Ignez Mantovani Franco, ainda que o Brasil tenha legitimidade para exigir repatriações, a projeção internacional de peças brasileiras é um aspecto que deveria ser levado em conta nesse debate.
"Quando o Abaporu (pintura de Tarsila do Amaral) foi para o Malba (Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires, na Argentina), foi uma guerra. Muitas pessoas foram contra. Mas eu acho que aquele é um museu latino-americano, então ter uma peça expressiva ali é significativo", avalia.
"Há uma importância também de que a cultura brasileira e o Brasil sejam compreendidos em outras dimensões no exterior. É claro que não precisa ser com transposição do acervo todo, mas há outros caminhos de sensibilização, como exposições temporárias."

Quando os museus brasileiros são questionados


O Canhão de Cristiano, hoje no Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro
Image captionO Paraguai reivindica a devolução do Canhão de Cristiano, hoje no Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro | Foto: MHN

O Brasil, do seu lado, também já viu seus museus envolvidos em demandas por restituição.
O caso mais famoso, e nunca atendido, foi o pedido paraguaio pela devolução do Canhão de Cristiano, símbolo da Guerra do Paraguai (1864-1870) e hoje parte do acervo do Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro.
Já as demandas por objetos usurpados de judeus durante a Segunda Guerra Mundial, uma grande discussão no mercado internacional de arte, também chegaram ao país.

Peças arqueológicas descobertas no Rio
Image captionItens arqueológicos, fósseis e peças do Barroco no Brasil estão vulneráveis a problemas como tráfico ilegal e dispersão de coleções | Foto: Agência Brasil

O Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp) tem peças em seu acervo reivindicadas por herdeiros de colecionadores judeus perseguidos durante a guerra - como a pintura O Casamento Desigual, de autor desconhecido, e uma coleção de esculturas em bronze do francês Edgar Degas.
Segundo o museu, porém, essas e outras peças nunca foram requisitadas formalmente, com "embasamento ou provas concretas", pelas famílias.
"O museu apoia a repatriação aos herdeiros de obras cujo histórico e procedência sejam comprovados em juízo (...) No entanto, também tem a missão de zelar por seu acervo, que é patrimônio nacional, e não pode agir a partir de solicitações informais", afirmou o Masp em nota.
BBC.
Professor Edgar Bom Jardim - PE

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Brasil:os atrativos e as polêmicas da educação domiciliar, que virou caso de Justiça no Brasil


Educação domiciliarDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionPara associação brasileira, educar em casa é parte de um 'projeto de vida' que envolve toda a família
As três crianças acordam às 7h, tomam café da manhã e preparam seu material escolar. Mas, em vez de irem para escola, sentam-se à mesa da sala. Enquanto um estuda português, o outro pode estar fazendo lições de matemática, sob a supervisão da mãe ou do pai caso as lições sejam difíceis. Fazem orações e, eventualmente, todos se reúnem para assistir a um documentário ou ir ao museu. À tarde, frequentam aulas de balé, violão ou esportes.
A família, de São Carlos do Paraná (PR), pratica a educação domiciliar plenamente há um ano. Assimcomo em outras estimadas milhares de famílias brasileiras, a mudança ocorreu quando os pais acharam que os filhos não se adaptavam bem à escola tradicional.
"O mais velho não conseguia aprender matemática e chegava em casa chorando", conta à BBC Brasil a pedagoga Iliani da Silva Vieira, de 37 anos, mãe de três filhos em idade escolar - de 15, 13 e seis anos - e de mais duas crianças, de 3 e 1 ano. "Minha filha do meio também reclamava de dores de cabeça por causa do barulho da escola. Tinha dificuldade em se concentrar."
Iliani e o marido decidiram educar as crianças em casa em tempo integral depois de o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso acatar, em dezembro de 2016, um recurso extraordinário sobre o tema e determinar que fossem suspensos todos os processos judiciais relacionados à educação domiciliar até que a corte tome uma decisão final a respeito, algo que ainda não tem prazo para acontecer.
Na visão de Iliani e de outros pais, a decisão de Barroso deu às famílias segurança, mesmo que temporariamente, para aderir ao homeschooling.
Apesar disso, Iliani foi surpreendida, nas últimas semanas, com uma denúncia do Ministério Público local e uma decisão da Justiça do Paraná obrigando-a a rematricular os filhos na escola, sob pena de perder a guarda deles. A família recorre e contesta a medida judicial, argumentando que ela fere a suspensão determinada pelo Supremo.
Educação domiciliarDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionFamílias que optam por educação domiciliar têm um grande descontentamento com a escolarização tradicional, diz especialista
Esse modelo vive, segundo especialistas, um grande "limbo" no Brasil: não há leis específicas nem proibindo nem regulando a educação domiciliar.
Na visão do Ministério da Educação e de diversos juízes, porém, deixar de matricular crianças na escola fere o Estatuto da Criança e Adolescente, a Lei de Diretrizes e Bases e a própria Constituição, configurando abandono intelectual. Além disso, críticos afirmam que, sem frequentar um colégio, as crianças são privadas da diversidade - e, sobretudo, da tutela do Estado.
Já para pais que praticam o homeschooling, o modelo aguça o interesse das crianças e livra-as tanto das distrações quanto das falhas do sistema educacional brasileiro.
"Em casa, é mais fácil eles quererem aprender", diz Iliani sobre os três filhos mais velhos. "Sem a pressão causada pelos professores que rotulam as crianças, o aprendizado flui. Ajudamos as crianças com a leitura, algo que a escola não faz de uma forma ampla. Os três estão mais curiosos e esforçados. Até detalhes, como a letra, melhoraram."

Críticas à escolarização

A Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned) calcula haver no Brasil entre 5 mil a 6 mil famílias educando os filhos em casa.
"Essas famílias têm em comum uma crítica severa à escola e a escolarização", explica à BBC Brasil Maria Celi Chaves Vasconcelos, professora da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e autora de tese de doutorado sobre o tema.
Luís Roberto Barroso, ministro do STF
Image captionEm dezembro de 2016, Barroso decidiu pela suspensão dos processos judiciais envolvendo educação domiciliar até decisão do STF | Foto: Fellipe Sampaio /SCO/STF
"Isso pode ter muitas motivações, por exemplo religiosas, de a escola ensinar diferente da fé que a família professa; econômicas, de pagar-se impostos sem ter educação (pública) de qualidade; de dificuldade da escola em integrar a criança com deficiência ou pela dificuldade de adaptação da criança ao processo escolar", explica.
"Geralmente são pais preocupados com a educação dos filhos e que fazem disso um projeto de vida. Abrem mão de empregos melhores para ficar pelo menos um turno com os filhos em casa e assumir o controle global do processo de educação deles", defende Ricardo Iêne Dias, presidente da Aned, que educou os dois filhos em casa depois de eles sofrerem bullying na escola onde estudavam, na região metropolitana de Belo Horizonte.

'Ensinar a aprender'

Dias explica que o modelo não exige que o pai e a mãe dominem todo o conteúdo escolar, nem que sigam a estrutura de disciplinas e conteúdo tradicionais: "Eles passam a ser mediadores - não precisam saber tudo, mas sim saber ensinar seu filho a aprender e a se tornar um autodidata. As crianças também fazem cursos esportivos, de idiomas e Kumon, por exemplo".
Muitos pais contam com a ajuda de telecursos e da internet, mas também aproveitam momentos do cotidiano familiar - assar um bolo ou visitar um parque, por exemplo - para ensinar conceitos.
Dias afirma que o mais importante é estimular as crianças a interpretar textos e desenvolver raciocínio lógico para que ganhem autonomia. E que a carga horária reduzida é compensada pela ausência das interrupções ocorridas nas escolas.
Educação domiciliarDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionPais defendem que crianças educadas em casa ganham mais autonomia e pensamento crítico por não passaram por processo 'massificado' de educação
"Os professores costumam passar muito tempo tentando acalmar a turma e não conseguem dar atenção individualizada. Em casa, as distrações são menores e não precisamos interromper a aula de matemática (porque deu o horário). Se está indo bem, continuamos."
A principal referência são os Estados Unidos, onde a prática é reconhecida e também cresce: há estimativas de que cerca de 1,7 milhão de crianças sejam educadas em casa por lá.
A regulação depende de cada Estado: alguns exigem que as famílias se registrem no distrito escolar e especifiquem o que vai ser ensinado; outros não. E também lá isso é alvo de debate, o qual cresceu em janeiro quando veio à luz a história do casal Turpin, acusado de ter mantido os 13 filhos em cativeiro sob condições degradantes, durante anos.
Os Turpin haviam feito um registro de educação domiciliar no Departamento de Educação no Estado da Califórnia, onde não há nenhuma supervisão estadual para o homeschooling. Essa falta de controle, para os críticos, teria dificultado a descoberta do caso.
"O ensino domiciliar não dá liberdade às crianças, mas sim aos pais", disse à emissora CNN a porta-voz da Coalizão para a Educação Domiciliar Responsável, Rachel Coleman, cobrando regulamentação mais rígida.

Normas?

Dar salvaguardas às crianças é justamente o que torna importante uma regulamentação - seja favorável ou contrária - para a educação domiciliar aqui no Brasil, defende Vasconcelos, da Uerj.
"Não dá para trabalhar caso a caso, dependendo de cada comarca ou cada juiz. Há uma lacuna: o homeschooling, como está hoje, é um risco para as famílias e sociedade como um todo. Tem que ter uma relação instituída com o Estado. Não pode se limitar a tirar as crianças da escola. No momento, não conseguimos nem sequer ter um censo dessas crianças. O Estado não permite que uma mãe faça com seu filho o que ela quer. É preciso normatizar o processo", argumenta.
Educação domiciliarDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionEspecialista diz que a principal preocupação é que as crianças sejam, de alguma forma, fiscalizadas pelo Estado
Tramitam na Câmara dos Deputados dois projetos de regulamentação do ensino domiciliar, de autoria de Lincoln Portela (PRB-MG) e Eduardo Bolsonaro (PSC-SP), que preveem que as crianças educadas em casa sejam submetidas a avaliações periódicas, tal qual os alunos matriculados em escolas. Os projetos estão em debate na Comissão de Educação da Casa.
No que diz respeito a avaliações do aprendizado, crianças educadas em casa que queiram obter certificados de ensino fundamental e médio para se matricular na universidade prestam o Encceja (Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos), explica Dias, da Aned. Ele diz que as famílias estão abertas à regulamentação, mas é cético quanto à capacidade de supervisão do Estado.
"Não acho que o governo tenha competência técnica e logística para isso. O que ele vai avaliar?", questiona.
Um exemplo de regulamentação vem de Portugal, país que permite a educação domiciliar, mas exige que as crianças sejam matriculadas no sistema de ensino, visitadas em casa por assistentes sociais e submetidas a avaliações constantes. "Se não passarem nas provas, elas precisam voltar para a escola", explica Vasconcelos, que estudou o modelo português.
Mas as críticas ao homeschooling vão além da questão regulatória. Muitos argumentam que a educação em casa cobra um preço em socialização e em acesso das crianças a pensamentos diferentes dos da família.
"A escola tem o papel de abrir para o mundo, e uma de suas características deve ser a diversidade", diz Telma Vinha, professora da Faculdade de Educação da Unicamp.
Educação domiciliarDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionRotina de aprendizado inclui estudos com livros, mas também passeios e atividades domésticas
"A família tem valores privados. Se a família defende, por exemplo, o preconceito e o sexismo, é preciso que haja um lugar onde isso seja pensado de outra maneira. Pode ser que a escola esteja despreparada (para esse papel), mas há cada vez mais projetos de gestão democrática e combate ao bullying, por exemplo. É justamente na troca de experiências que as crianças aprendem. Mais do que trancar as crianças, vamos juntos melhorar a escola e exigir mais dela", opina Vinha.
Mas para Dias, da Aned, a questão é que, na prática, existe "uma escola ideal e uma escola real".
"Meu filho, quando tinha sete anos, apanhava na escola por ser baiano", conta. "Essa socialização eu não quero. Está muito longe de haver o exercício de tolerância nas escolas. Eu ouvi do MEC que a escola é o espaço do aprendizado e do exercício da diferença. Mas se fosse isso mesmo, talvez meu filho ainda estivesse na escola."
Ele defende ainda que crianças educadas em casa se destacam em trabalho em equipe e empreendedorismo porque "conseguem pensar fora da caixa por não terem passado pelo padrão massificado de aprendizado. Elas aprendem a interpretar textos e participam mais da vida domiciliar, onde a educação acontece o tempo todo".
Iliani, a mãe de cinco crianças em São Pedro do Paraná, acredita que "a primeira socialização da criança deve ser junto à família. É a partir daí que ela vai conseguir socializar com as pessoas de fora. O que vemos hoje na escola é criança se batendo e agredindo professor ou então só no tablet e no celular. Que convívio é esse?".
Para Vasconcelos, o mais urgente é que as famílias adeptas dessa prática sejam sujeitas a alguma relação formal com o Estado.
"Não posso concordar que as crianças sejam retiradas da escola na infância ou na adolescência e fiquem em homeschooling sem nenhuma satisfação ao Estado do que está sendo trabalhado", argumenta. "Não quer dizer que a fiscalização vai alterar (eventuais problemas). Mas pelo menos institucionaliza uma modalidade e (cria formas) de as crianças demonstrarem o que estão aprendendo."
Da BBC Brasil em São Paulo
Paula Adamo Idoeta
Professor Edgar Bom Jardim - PE