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terça-feira, 10 de outubro de 2017

Em menos de dois anos, STF é alvo de 20 pedidos de impeachment


Sessão plenária do STF
Image captionNa segunda-feira, o STF negou recurso para prosseguimento de pedido contra Gilmar Mendes | Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

O aumento da temperatura na política nos dois últimos anos foi além das mobilizações pelo afastamento de parlamentares e de presidentes da República. Entre 2016 e 2017, os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) foram alvo de 20 pedidos de impeachment - um volume que representa 80% de todos os 25 direcionados aos atuais membros da corte.
Apesar de não ter tramitado além da Mesa Diretora do Senado, que recebe as denúncias, o assunto chegou a bater às portas do Supremo, que nesta segunda-feira negou o recurso apresentado por um grupo de advogados que teve a petição contra o ministro Gilmar Mendes arquivada em 2016 por Renan Calheiros (PMDB-AL), então presidente do Senado.
No STF desde 2002, Mendes é o líder em pedidos, com oito no total - seis do ano passado para cá. Ricardo Lewandowski, Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli são alvo, cada um, de quatro pedidos. O ministro Marco Aurélio Mello é citado em dois e Luiz Fux, Rosa Weber e Luis Edson Fachin, em um.
Não há petições registradas com o nome da presidente da Corte, Cármen Lúcia, de Celso de Mello e de Alexandre de Moraes. O mais antigo deles, contra Marco Aurélio Mello, data de 2001, 12 anos depois do início do mandato de Celso de Mello, o magistrado mais longevo da atual composição do Supremo.
A fundamentação das denúncias é bastante heterogênea. Há desde pedidos que censuram a conduta dos ministros - manifestação pública sobre processos, julgamento em casos de possível impedimento - até aquelas motivadas por votos pontuais sobre temas polêmicos, como aborto.
As epígrafes vão de trechos da Constituição ao Velho Testamento, refletindo a diversidade de autores, que vão do ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles - que assina duas petições e o recurso negado segunda-feira pelo Supremo - ao ator Alexandre Frota e um estudante brasileiro do Massachusetts Institute of Technology (MIT).

O ministro do Supremo Gilmar Mendes
Image captionO ministro Gilmar Mendes soma oito pedidos de afastamento |Foto: Carlos Moura/SCO/STF

Nesse último caso - petição 16, de dezembro do ano passado -, Gustavo Haddad, então com 21 anos, pediu afastamento de Barroso, Rosa Weber e Fachin por concederem habeas corpus a três acusados de crime de aborto. Em 2016 ele também pediu o impeachment do ex-procurador-geral Rodrigo Janot.
A lei que permite que qualquer cidadão peça o impedimento de um ministro do Supremo é a mesma do impeachment presidencial, a 1.079, de 1950. O rito, contudo, é diferente. As denúncias são encaminhadas ao Senado, e não à Câmara dos Deputados. A lista de hipóteses para crime de responsabilidade, por sua vez, é menor.
O artigo 39 lista cinco: alterar decisão ou voto já proferido em sessão do Tribunal, proferir julgamento quando suspeito na causa, exercer atividade político-partidária, ser patentemente desidioso (agir propositalmente de forma morosa) no cumprimento dos deveres do cargo e proceder de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro de suas funções.

A ministra do Supremo Cármen Lúcia
Image captionO nome da presidente da Corte, Cármen Lúcia, não aparece entre os pedidos de impeachment | Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

Para especialistas consultados pela BBC Brasil, as razões para o aumento expressivo do número de pedidos de impeachment de ministros do Supremo passam pelo aumento de visibilidade da corte desde o julgamento do Mensalão, em 2012, pela exposição midiática dos juízes e pela crise política aberta com o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

Primeiras vezes

"O impeachment abriu um precedente perigoso", diz o professor do departamento de ciência política da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) Leon Victor de Queiroz. Depois do impeachment de Dilma, o expediente do afastamento e da cassação de direitos políticos foi usado mais de uma vez no Legislativo e, em algumas situações, sem amparo total da Constituição, afirma ele.
Dos últimos dois anos para cá, o senador Delcídio do Amaral (ex-PT-MS) foi preso e perdeu os direitos políticos, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) foi afastado da presidência da Câmara e teve posteriormente o mandato cassado e, mais recentemente, Aécio Neves (PSDB-MG) foi afastado pelo Primeira Turma do STF, que lhe impôs também recolhimento noturno - decisão que gerou desgaste entre a corte e o Senado.
Para o cientista político, pesquisador do Grupo de Estudos sobre Poder Judiciário, Política e Sociedade da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a ampliação dos pedidos de afastamento dirigidos ao Supremo também é um sintoma da crise política.
O cenário de polarização é mais um ingrediente, acrescenta a professora da Fundação Getulio Vargas (FGV) Eloísa Machado, coordenadora do projeto Supremo em Pauta. "Decisões vistas como favoráveis a determinados grupos políticos também podem motivar pedidos", avalia.
Duas petições, de setembro e outubro de 2016, pediam o afastamento de Lewandowski por ter permitido o fatiamento em duas partes da votação do processo de impeachment de Dilma, uma referente à perda de mandato e outra, à possibilidade de a petista assumir funções públicas. Essa divisão permitiu que a ex-presidente, mesmo afastada, mantivesse seus direitos políticos.

O ministro Ricardo Lewandowski durante o julgamento que definiu o processo de impeachment de Dilma, em dezembro de 2015
Image captionDecisões relacionadas ao processo de impeachment de Dilma ensejaram dois pedidos de afastamento de Lewandowski | Foto: Lula Marques/AGPT

Um dos pedidos é assinado pelo advogado paulista Fabio Mesquita Ribeiro e o outro, por Fernando Silva Bispo, o vereador Fernando Holiday (DEM-SP), membro do Movimento Brasil Livre (MBL).
O processo de impeachment de Dilma motivou ainda dois dos quatro pedidos de afastamento de Luís Roberto Barroso. De julho do ano passado, eles citam a decisão do Supremo que anulou, no fim de 2015, a votação secreta conduzida por Cunha para formar a comissão especial que conduziria o impedimento na Casa.

Mau comportamento

Outra razão para o aumento de pedidos de afastamento de membros da corte, afirma Machado, da FGV, resulta da combinação entre o ganho de visibilidade dos ministros com julgamentos de casos de corrupção - ela lembra que, durante o Mensalão, eles chegaram a estampar máscaras de Carnaval - e o "mau comportamento" dos magistrados em determinadas situações.
"Alguns não encontraram o ponto de equilíbrio entre ser figura pública e ter cautela ao manifestar posições", destaca.
Gilmar Mendes é campeão de pedidos que se fundamentam em declarações dadas em público para justificar crime de responsabilidade. Entre os oito que citam seu nome, dois foram protocolados em 2016 e quatro, neste ano.
O primeiro data de 2005 e denuncia o ministro por ter escrito uma carta de agradecimento ao então prefeito de Diamantino (MT), sua cidade natal, por batizar uma via com seu nome.

Ministro Celso de Mello conversa com jornalistas após sessão plenária
Image captionO STF vem ganhando visibilidade desde o julgamento do Mensalão, diz Eloísa Machado, da FGV. Na imagem acima, o ministro Celso de Mello, um dos três juízes que não são alvo de petições | Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF

Ao lado de juristas e professores, o procurador-geral da república entre 2003 e 2005 Cláudio Fonteles é autor de duas petições, uma de setembro do ano passado e outra de junho deste ano. Com 177 páginas, a mais recente é a maior entre todas as 25 que o Senado contabiliza.
Assinada por 32 pessoas, ela cita casos em que o ministro estaria impedido de proferir julgamento - como sua decisão favorável ao habeas corpus do empresário Eike Batista, cliente do escritório do qual a mulher de Mendes é sócia -, manifestações públicas do magistrado sobre membros do Judiciário, da Procuradoria-Geral da República (PGR) e do Tribunal Superior do Trabalho (TST), e a conversa telefônica com Aécio Neves (PSDB-MG), em que o senador pede ajuda com a lei de abuso de autoridade, que se tornou pública no âmbito da Operação Patmos, da Polícia Federal, em maio.
A suposta leniência de Mendes em casos de interesse do PSDB foi tema de outros dois pedidos. O de número 11, de setembro do ano passado, é assinado por seis advogados, entre eles o jurista Fábio Konder Comparato, ligado ao PT.

Eike Batista deixa a sede da PF, na região portuária do Rio, após depoimento, em 21/01/2017
Image captionA liminar que concedeu habeas corpus a Eike Batista motivou duas representações contra Gilmar Mendes | Foto: Fernando Frazão/Ag. Brasil

Já o caso do habeas corpus concedido a Eike Batista também foi tema da representação do ator Alexandre Frota, de maio deste ano.
"O ministro opina sobre tudo na mídia, extrapola a conduta de magistrado", diz Fonteles, para quem um membro do Supremo não deve comentar assuntos "no varejo", mas "ensinar à comunidade" por meio da fundamentação jurídica que sustenta seus votos.
Mendes sempre negou irregularidades em todos os casos.

Gaveta

No último dia 28, o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), determinou o arquivamento da petição mais recente do ex-procurador-geral. Todos os pedidos que já tramitaram foram indeferidos pela Mesa Diretora da Casa, que até fevereiro era presidida por Renan Calheiros.
Fonteles vai recorrer ao próprio Supremo para tentar reverter o parecer. Segundo ele, após a manifestação do Senado os autores têm até 120 dias para contestar na corte a decisão e pedir o prosseguimento da denúncia.
Ele e os colegas fizeram isso quando a primeira petição foi rejeitada por Renan em setembro do ano passado. O recurso foi negado nesta segunda, depois que o caso foi analisado no plenário virtual do STF. Nove ministros, incluindo o relator, Edson Fachin, foram contra. Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello não votaram.
No ano passado, Renan determinou o arquivamento por entender que a petição estava baseada apenas em reportagens e "supostas declarações". "Pela completa ausência de robustez do conjunto probatório carreado aos autos, não se vislumbra, em análise inicial, incompatibilidade de seus atos com a honra ou o decoro de suas funções", diz o texto.

O senador Renan Calheiros
Image captionComo presidente do Senado, Renan Calheiros arquivou todos os pedidos de afastamento que chegaram à mesa diretora | Foto: Ag. Brasil

"Não há fundamento para o indeferimento. A decisão fala que nos baseamos apenas em reportagens, mas o ministro não desmente nada do que foi publicado", argumenta Fonteles, que conversou com a BBC Brasil antes da decisão no STF.

Filtro

"O presidente do Senado é um filtro importante", observa Eloísa Machado, da FGV, referindo-se ao fato de que, sem a anuência da Mesa Diretora, nenhum pedido de impeachment chega ao plenário.
Queiroz, da UFCG, lembra que a Lei 1.079 determina que os pedidos devam ser apreciados por uma comissão especial - e, portanto, não precisariam se submeter ao crivo Presidência da Casa. "Mas eles seguem o regimento interno do Senado (em vez da lei)", diz o cientista político.
Isso acaba sendo possível porque a legislação do impeachment é anterior à Constituição, e, por isso, cheia de "zonas cinzentas". O caso específico do impedimento de ministros do STF não tem nem menção na Carta, diz Queiroz. "Nenhum presidente do Senado vai correr o risco de 'se queimar' com o STF, que pode, posteriormente, afirmar que determinada decisão não é válida."
Apesar das fricções cada vez mais comuns entre Legislativo e Judiciário, acrescenta Machado, da FGV, um eventual prosseguimento de um pedido de impeachment contra um juiz do Supremo aprofundaria demais a crise entre os poderes. "A retaliação ficaria evidente, até porque muitos deles (senadores) estão sendo investigados."
Camilla Veras Mota.BBC
Professor Edgar Bom Jardim - PE

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

83% dos brasileiros acham que pessoas comuns podem fazer a diferença no combate à corrupção


Pessoa recusa dinheiroDireito de imagemGETTY IMAGES
Image caption83% dos brasileiros acham que pessoas comuns podem fazer a diferença no combate à corrupção

Apesar de estarem divididos em relação aos esforços do governo para combater a corrupção, os brasileiros parecem cada vez mais convencidos de que podem ajudar a resolver o problema que consome recursos públicos, interfere no crescimento econômico e abala a imagem internacional do país.
Pesquisa da Transparência Internacional divulgada nesta segunda-feira indica que 83% dos brasileiros acreditam que pessoas comuns podem fazer a diferença no combate à corrupção. É o maior percentual da pesquisa feita em 20 países da América Latina. Logo abaixo aparecem Costa Rica e Paraguai, ambos com 82%.
Em contrapartida, 56% dos brasileiros acham que o governo não está fazendo um bom trabalho para sanar o problema.
O Brasil também atinge a maior taxa na América Latina e Caribe no empenho para levar adiante um caso de corrupção: 71% dos entrevistados dizem que passariam um dia num tribunal para relatar casos de suborno. Depois do Brasil, estão Uruguai (70%) e Costa Rica (66%).
Os mesmos três países - Uruguai, Costa Rica e Brasil - aparecem entre os três que mais concordam com a frase: "se eu testemunhasse um caso de corrupção, eu me sentiria obrigado a reportá-lo".

Impeachment

O levantamento foi feito com 22.302 pessoas entre maio e dezembro de 2016.
No Brasil, o período em que a pesquisa foi feita coincidiu com o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Foram 1.204 entrevistados entre 21 de maio de 2016 e 10 de junho de 2016.
Apesar de admitir que o clima daquele momento possa ter influenciado as respostas dos entrevistados, Fabiano Angélico, consultor sênior da Transparência Internacional no Brasil, afirma que a pesquisa levanta pontos positivos e importantes no combate à corrupção.
"Quando a pesquisa foi feita tinha protesto e pessoas nas ruas, pode ter um viés sim. Mas, por mais que o papel de combater a corrupção seja dos órgãos públicos, em nenhum lugar do mundo essa luta não prosperou sem o envolvimento da sociedade", observa Angélico.

Coragem


Algemas sobre notas de dinheiroDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionUm terço dos que denunciaram casos de corrupção sofreram retaliação, diz Transparência Internacional

O levantamento assinala que relatar corrupção é um ato que exige coragem na América Latina porque 28% dos que denunciaram suborno dizem ter sofrido retaliações.
Ainda de acordo com a pesquisa, a propina é um dos tipos de corrupção mais experimentados pelos latino americanos. A Transparência Internacional estima que 90 milhões de pessoas na região já pagaram propina para ter acesso a serviços públicos básicos, como saúde e educação.
O Brasil, nesse quesito, aparece como exceção. Segundo o estudo, o brasileiro é o que menos paga propina para ter acesso a serviços públicos e é o mais disposto a denunciar a prática.
Ainda assim, 78% dos entrevistados disseram que a corrupção aumentou - na frente do Brasil nesse quesito, apenas Venezuela (87%), Chile (80%) e Peru (79%).

Grande e pequena corrupção

"É muito importante diferenciar a grande corrupção da pequena. Elas têm dinâmicas diferentes e tudo indica que não acontecem na mesma proporção no Brasil. Aqui a grande parece ser sistêmica e a pequena não", explica Fabiano Angélico.
O consultor da Transparência Internacional se refere à corrupção chamada de rua ou de balcão. É, por exemplo, o dinheiro pago ao policial para se livrar de uma multa, ao médico para ser atendido num hospital público ou a um diretor de escola para conseguir matricular uma criança.
Ao tentar medir a "pequena corrupção", que incluiu situações como as citadas acima, a Transparência Internacional contabilizou que apenas 11% dos brasileiros declararam ter pago propina nos 12 últimos meses antes da pesquisa para ter acesso a serviços públicos.
"Apesar de ser o menor da América Latina, esse número é alto se comparado aos países escandinavos", diz Angélico, emendando que "11% não é um número bom nem desejado".

Homem entrega dinheiro a outroDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionFabiano Angélico: 'A pequena corrupção não parece ser sistêmica no Brasil, ao contrário da grande corrupção que envolve o abuso dos mais altos níveis de poder'

Delator

Apesar de a pesquisa indicar que o brasileiro apoia quem denuncia a corrupção, Angélico diz que ainda falta ao país uma legislação que proteja delatores.
"Corrupção acontece sempre no escuro e é difícil desvendá-la se não houver um denunciante", observa.
Ele conta que quando o Congresso discutia o pacote de medidas contra corrupção, tentou-se elaborar um texto com direitos e deveres para denunciantes. Congressistas, contudo, rejeitaram a proposta.
"A pesquisa mostra que as pessoas estão dispostas a reportar corrupção e também acreditam em instituições de controle a ponto de gastar um dia num tribunal para relatar casos de suborno".
Professor Edgar Bom Jardim - PE

domingo, 8 de outubro de 2017

Da escola ao 1º emprego: como buscar um caminho profissional sem ter (ao menos ainda) um diploma universitário


Turma do Formare no Hotel Grand Hyatt
Image captionJovens participam de programa de capacitação oferecido pelo Hotel Grand Hyatt de São Paulo em parceria com o Instituto Formare (Foto: Ana Luiza Daltro)

O trimestre de maio a julho deste ano foi encerrado com um índice de desemprego na casa de 12,8%. O percentual assusta, mas é menor do que os 13,7% apurados no fim do período imediatamente anterior. Os dados mostram um quadro preocupante, mas que sugere que o pior da crise pode já ter ficado para trás.
Só que a situação dos trabalhadores entre 18 e 24 anos é mais complicada do que a da média. Segundo a mesma pesquisa do IBGE, nada menos do que 28,8% dos jovens nessa faixa etária estavam desocupados ao fim do primeiro trimestre de 2017. Esse percentual recorde equivale a 4,503 milhões de pessoas.
Os trabalhadores mais novos sempre sofrem mais com as crises e o desemprego decorrente. Por um lado, eles representam custos menores (e menos produtividade perdida) para as empresas na hora da demissão. De outro, a menor experiência no mercado dificulta a busca por oportunidades.
Mas é fato também que os empregos que exigem menor qualificação costumam ser os primeiros a surgirem em maior número nas retomadas. Dados do Ministério do Trabalho apontam que, das 1,24 milhão de contratações feitas no último mês de maio, quase metade foram de trabalhadores com até 29 anos.
Os maiores destaques na geração de empregos formais para os jovens foram os setores de serviços, com 21,8 mil vagas; a indústria da transformação, com 12,6 mil postos, e o comércio, com 11,8 mil. Concentrar a procura por vagas nesses segmentos é uma boa ideia para os jovens que buscam uma recolocação ou mesmo entrar no mercado de trabalho. Mas não só.

Portas de entrada

Programas de capacitação profissional são uma maneira de melhorar as próprias qualificações e, de quebra, conseguir o tão sonhado primeiro emprego. E muitos deles não apenas são gratuitos como fornecem vários tipos de auxílio. Um exemplo é o Instituto Formare, que qualifica jovens carentes para o mercado de trabalho por meio de parcerias com empresas.

Natalia Cordeiro
Image captionNatalia Cordeiro entrou para a equipe do hotel Hyatt como aprendiz (Foto: Ana Luiza Daltro)

"O nosso jovem-alvo é aquele que possui indicadores sociais desfavoráveis, mas também muita vontade de crescer. Um jovem para quem ninguém estendeu a mão ainda", resume Claudio Anjos, diretor institucional do Instituto Formare. Por indicadores sociais desfavoráveis entenda-se, neste caso específico, uma renda familiar que não ultrapasse um salário mínimo por pessoa.
Cerca de 80% dos jovens assistidos pelo programa em um dos seus 170 cursos lançados até agora conseguem vagas formais de emprego nos primeiros três meses após a formatura, a maioria nas próprias empresas em que foram treinados. Não é incomum que haja listas de mil jovens em busca das 20 vagas em média de um curso.
O primeiro funil é uma prova básica de português e matemática. Depois, entrevistas e dinâmicas de grupo em que o interesse, a força de vontade e a capacidade de colaboração dos jovens são medidos. Passada essa fase, são os indicadores socioeconômicos, junto com a proximidade entre a residência do jovem e a empresa em questão, que vão decidir quem entra ou não.
"Fazemos uma combinação entre quem mais quer e quem mais precisa", completa Beth Callia, coordenadora-geral do instituto.
O curso dura cerca de um ano e consiste em um primeiro núcleo básico e, depois, em disciplinas específicas à realidade de cada empresa. Os alunos recebem uma bolsa-auxílio de meio salário-mínimo, uniforme e todos os benefícios que a empresa parceira concede aos seus funcionários.
É comum, aliás, que estes jovens sejam os primeiros das suas famílias a contar com benefícios de qualquer ordem e, mais tarde, com um trabalho formal. A certificação é reconhecida pelo Ministério da Educação.
Gerente de treinamento e desenvolvimento do Hotel Grand Hyatt de São Paulo - parceiro do Instituto Formare e de outra iniciativa do mesmo gênero para jovens já maiores de idade e especializada na área de turismo, o Youth Career Iniciative (YCI) -, Lígia Shimizu é responsável por coordenar as ações de treinamento da equipe do hotel, de recepctionistas bilíngues a camareiras e cozinheiros, passando também pelo pessoal administrativo.
No meio desta força de trabalho estão atualmente 12 alunos do Formare e 12 do YCI, fora 30 aprendizes e 30 estagiários. Dos 70 líderes da empresa, aliás, 41 têm menos de 35 anos - caso da própria Lígia, que tem apenas 26 anos.
Durante os programas, os jovens costumam passar por todos os setores do hotel. Áreas como a recepção (que exige o conhecimento do inglês) e os setores mais administrativos (onde a maioria dos funcionários possui nível superior), no entanto, não costumam abrigar os recém-formados no programa, ao menos não de primeira. Mas a história desses jovens é repleta de casos de superação.
Formada pela turma de 2011, Natalia Cordeiro não foi efetivada logo após o curso, mas entrou na equipe do hotel um pouco mais tarde como aprendiz - muitos dos 30 ex-alunos do Formare atualmente no Hyatt foram contratados primeiro como aprendizes e estagiários, o que mostra também o quanto a persistência e a força de vontade são cruciais nessa fase da carreira.
Depois de promovida a estagiária e com significativa melhora no inglês, ela partiu para Dubai, onde trabalhou em uma unidade local da rede. De volta a São Paulo, foi contratada em abril deste ano como estagiária e, em julho, aos 22 anos, efetivada como assistente de recursos humanos.

Quando o céu é o limite

Um dos casos mais impressionantes nesse sentido é o do mineiro Everton Alves, de 35 anos. Ex-aluno da turma do Formare de 1999, ele trabalha hoje como diretor de operações e vendas da Sambatech, empresa especializada em armazenagem e distribuição de conteúdos digitais.

Everton Alves e alunos do Formare
Image captionAluno do Formare em 1999, Everton Alves (primeiro da esquerda para direita) é atualmente um dos diretores da empresa Sambatech (Foto: Everton Alves - arquivo pessoal)

Auxiliar de pedreiro na adolescência, ele conseguiu o primeiro emprego cinco meses após se formar no projeto. Trabalhando na indústria de autopeças, ele passou rapidamente do chão de fábrica para a área de qualidade graças ao estofo fornecido pelo Formare e também por causa do curso técnico que ele decidiu fazer assim que entrou no mercado.
"A minha família inteira, que é bastante humilde, sempre trabalhou na indústria. Nós viemos de Contagem, que é uma zona industrial. E ali, na Sambatech, uma start-up, eu tinha 27 anos e era o mais velho da sala", recorda.
Com a intenção de retribuir aquilo que recebeu, Everton atuou como educador voluntário do programa entre 2009 e 2012 nas disciplinas de informática e raciocínio lógico. Uma vez, há cinco anos, foi parado na rua por um ex-aluno que havia assistido a apenas uma aula sua, a última.
"Ele me disse que aquela aula mudou a sua vida. E isso, pra mim, foi inesquecível. Eu sei o que eles estão vivendo, parece meio intangível falar em ter sucesso na carreira. Mas quando alguém como eu fala com eles é como se houvesse um espelho", diz.
O apoio da família nos períodos mais difíceis é fundamental para o jovem que não possui um diploma mas deseja crescer na carreira.
"Durante o período que eu cursava o Formare, eu simplesmente não parava em casa. Era curso o dia todo e escola de noite. Muitos dos meus amigos naquela época passavam o dia à toa, no máximo tinham (cursado) o colégio. Mas a minha família sempre me incentivou muito. Fui o primeiro a cursar uma faculdade, e todos os meus irmãos, mais novos do que eu, acabaram por também fazer o mesmo mais tarde", conta.

A importância do planejamento e das atitudes simples

Essa força de vontade na hora de aprimorar competências é fundamental e independe de grau de estudo ou condição social.

Everton Alves e alunos do Formare
Image captionAuxiliar de pedreiro na adolescência, Everton Alves (quarto da direita para a esquerda, na primeira fila) conseguiu o primeiro emprego cinco meses após se formar no curso de capacitação (Foto: Everton Alves - arquivo pessoal)

"É preciso sacrificar uma parte das horas de lazer para dar esse upgrade nas qualificações. Não existe outro jeito. Quando você estiver finalmente empregado e com um salário um pouquinho maior, por que não fazer uma faculdade? Depois de concluir a faculdade, por que não uma pós? Ou aprender inglês, que é um diferencial e algo mais barato do que uma faculdade ou pós-graduação?", exemplifica Fernando Mantovani, diretor-geral da consultoria Robert Half no Brasil.
Seja começando a carreira com a ajuda de programas sociais de capacitação, seja com o auxílio de programas governamentais ou privados de ajuda a jovens candidatos a emprego (veja uma lista deles ao final da reportagem), seja por conta própria, é importante também focar no planejamento.
Questionamentos como para onde se quer ir, quais os próximos passos e quais são os seus pontos fracos devem ser feitos constantemente.
Para Mantovani, é preciso também relativizar a importância do ensino superior no Brasil de hoje, dada a quantidade de cursos de péssima qualidade.
"Muitas vezes o profissional se frustra porque faz aquela faculdade com bastante esforço, mas não consegue o emprego que achou que ia conseguir. A falta de controle da qualidade do ensino cria uma indústria estelionatária, onde o aluno acha que aprende e a instituição lhe dá um pedaço de papel que custou algum dinheiro mas não vale grande coisa", opina.

Everton Alves e alunos do Formare
Image captionPara retribuir aprendizado, Everton (à frente do grupo) atuou como educador voluntário do programa entre 2009 e 2012 (Foto: Everton Alves - arquivo pessoal)

Para ele, vale muito mais a pena para o jovem que batalha pelo primeiro emprego investir em um bom curso técnico - ou mesmo cursar o ensino médio técnico - do que em um curso universitário de qualidade duvidosa. E as empresas em geral e os recrutadores em particular também precisam mudar os seus parâmetros e avaliar essa questão de forma menos automática e mais cautelosa.
"É preciso ter muito cuidado com essa pressão pelo curso superior. Gestores podem acabar dando preferência a profissionais com um ensino superior ruim em detrimento de um profissional técnico bom", adverte.
Estudo recente do Sistema Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) apontou que o Brasil precisará qualificar 13 milhões de trabalhadores em ocupações industriais até 2020. Em países como Alemanha, Áustria, Suíça e Japão, mais da metade de todos os estudantes cursam alguma formação técnica junto com o ensino regular.
E mesmo no Brasil não é possível associar o nível técnico a salários necessariamente mais baixos. Ainda segundo o Senai, um técnico em mineração recém-formado, por exemplo, tem hoje no país rendimentos iniciais de R$ 7 mil - salário de fazer inveja à maioria dos universitários em início de carreira.
Educação e qualificação profissional à parte, é importante lembrar que muitas vezes aquela ajuda providencial pode estar logo ao lado. A relações-públicas Camilla Assreuy, por exemplo, ainda trabalhava no setor varejista de moda quando se deparou com uma profissional que havia perdido o seu emprego como estoquista em uma loja e precisava se recolocar.
"Ela não fazia a menor ideia de como ou por onde começar a procurar trabalho", recorda.
Com uma simples consulta a um aplicativo que integrava informações e serviços para os lojistas e funcionários do shopping em questão, e que a moça desconhecia, Camila encontrou não uma, mas dez vagas de estoquista para a profissional. Ou seja: ninguém deve ter receio, vergonha ou preguiça de perguntar, pesquisar e pedir ajuda. E não só quando se trata do primeiro emprego.

Programas de qualificação gratuitos (sendo que alguns também oferecem benefícios ou feiras de oportunidades):

Instituto Formare (para jovens entre 16 e 18 anos)
http://www.formare.org.br/formare
Youth Career Iniciative (para jovens entre 18 e 24 anos)
http://www.youthcareerinitiative.org/country/brazil
Programa Jovem Protagonista (para jovens entre 16 e 29 anos)
http://jovemprotagonista.com/pt/home
Programas de emprego, estágio e/ou ligados à Lei da Aprendizagem:
Centro de Integração Empresa Escola
http://www.ciee.org.br/portal/index.asp
Programa Jovem Cidadão (para jovens entre 16 e 21 anos residentes na Grande São Paulo, em Campinas, Piracicaba, São José dos Campos e Santos)
http://www.emprego.sp.gov.br/emprego/jovem-cidadao
Programa Aprendiz Legal (para jovens entre 14 e 24 anos)
http://site.aprendizlegal.org.br
Programa Aprendiz Paulista (para jovens entre 14 e 24 anos residentes no estado)
https://www.empregasaopaulo.sp.gov.br/imoweb
Professor Edgar Bom Jardim - PE