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sábado, 26 de fevereiro de 2022

Como o segundo ano sem Carnaval deve impactar a economia brasileira



Desfile do bloco Boitolo no Rio de Janeiro reúne multidão nas ruas

CRÉDITO,GETTY IMAGES

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Bloco Boitolo desfila no Rio de Janeiro antes da pandemia. Carnaval de rua foi cancelado nas principais capitais do Brasil

O cancelamento pelo segundo ano seguido das festas de Carnaval por conta da pandemia de covid-19 deve trazer impactos intensos para a economia do Brasil, em especial para os setores de eventos e turismo.

Das 27 capitais brasileiras, 24 mais o Distrito Federal anunciaram oficialmente que a folia deste ano foi suspensa ou adiada, impondo proibições a blocos de rua e um limite máximo de lotação para eventos fechados. São Paulo e Rio de Janeiro remarcaram os desfiles das escolas de samba para o feriado de Tiradentes.

Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), tudo isso fará com que o setor de serviços deixe de lucrar algo em torno de R$ 3 bilhões.

A estimativa faz parte de um estudo comandado pela organização todos os anos antes do Carnava



Antes da crise sanitária, a folia costumava movimentar, em média, R$ 9,5 bilhões em receitas.

Apesar do volume de faturamento previsto para este ano ser 21,5% maior do que o registrado em 2021, quando as celebrações também foram suspensas e o setor de serviços não lucrou, ainda está 33,7% inferior ao observado no Carnaval de 2020, realizado antes da pandemia ser decretada pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

"O Carnaval brasileiro ainda tem muito o que recuperar nos próximos anos para voltar ao nível de dois anos atrás", prevê o economista da CNC responsável pela pesquisa, Fabio Bentes.

"Se não sofrermos nenhum outro grande golpe no futuro próximo, acredito que os R$ 7 bilhões em receita perdidos que estimamos que serão perdidos entre 2021 e 2022 possam ser recuperados em cerca de três anos", diz.

Impactos em todo o país

Segundo Bentes, os Estados que mais serão afetados após dois anos sem folia são aqueles que recebem mais visitantes por conta do Carnaval, como Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Pernambuco.

Na Bahia, onde ocorre um dos maiores Carnavais do país, deixou-se de arrecadar R$ 1,7 bilhão em 2021 e mais de 60 mil pessoas ficaram sem opção de trabalho. O rombo deve ser ampliado ainda mais no segundo ano seguido.

Desfile da Escola de Samba Imperatriz Leopoldina em 2008 reúne público e membros da escola fantasiados

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Desfile da Escola de Samba Imperatriz Leopoldina em 2008

Já a economia do Rio de Janeiro deixou de movimentar algo em torno de R$ 5,5 bilhões em 2021, segundo o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV IBRE). O valor equivale a 1,4% do PIB carioca.

Em 2022, a expectativa é que o faturamento ainda seja 20% menor do que o de 2020, quando a festa movimentou R$ 4 bilhões na economia do Estado.

Em São Paulo, o último Carnaval movimentou cerca de R$ 3 bilhões, ou 2% do PIB paulista.

Menos festas e menos viagens


Segundo a Associação Brasileira de Eventos (Abrape), aproximadamente 50 mil eventos relacionados à folia não foram e não serão realizados no Carnaval (antes, durante e depois).

Para efeitos de comparação, em 2019, foram realizados 90 mil eventos. No Nordeste, por exemplo, o prejuízo no setor será de 8,1 bilhões de reais que deixarão de circular só nos dias de festa.

"Não são somente os carnavais de rua de Salvador ou Recife que estão deixando de acontecer ou os desfiles em São Paulo e Rio de Janeiro que foram adiados - festas em todo o país foram canceladas, ao mesmo tempo em que muitas pessoas estão deixando de viajar", diz Doreni Caramori Júnior, presidente da Abrape. "A cadeira inteira do setor de eventos e turismo está sendo abalada".

Empresas áreas e do setor de hotelaria também devem lucrar menos. A expectativa da CNC é que o segmento de serviços de hospedagem em hotéis e pousada movimente cerca de R$ 660 milhões no feriado, quando no mesmo período de 2020 a previsão era de R$ 860 milhões.

Ainda assim, o setor de turismo espera recuperar parte dos prejuízos de 2021. Em cidades como Salvador e Rio de Janeiro a ocupação hoteleira está acima dos 80%, mesmo sem a presença das festas na rua.

Entre empresários do setor de bares e restaurantes também há uma sensação de otimismo. "Bares e restaurantes estão otimistas com o feriado e a expectativa de faturamento varia de 20 a 30% em cidades litorâneas", diz Paulo Solmucci, presidente-executivo da Abrasel.

Multidão segue trio elétrico em bloco de Carnaval

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Trio elétrico do empresário Mazinho Twister em Carnaval pré-pandemia no interior de São Paulo

De acordo com o levantamento da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, o segmento de alimentação fora do domicílio, representado por bares e restaurantes, deve movimentar algo em torno de R$ 2,78 bilhões nos quatro dias do feriado. Há dois anos atrás a previsão era de R$ 4,8 bilhões.

Segundo Solmucci, os consumidores já estão se sentindo mais seguros para frequentar bares e restaurantes. Muitas pessoas que nos anos pré-pandemia costumavam acompanhar blocos de Carnaval ou iam a festas também devem trocar essas atividades por saídas com a família e amigos para locais mais calmos.

"Entretanto, cidades como Belo Horizonte, que não terão a festa na rua, a expectativa de faturamento do setor tende a ser reduzida devido ao menor número de turistas presentes na capital mineira", diz ele.

Sem festa, sem trabalho

Mas segundo Fabio Bentes, não há dúvidas de que os trabalhadores, formais e informais, serão muito impactados pelo segundo ano sem Carnaval.

Um bloco na rua, por exemplo, movimenta uma cadeia de trabalhadores que vai desde locadores e montadores de trios elétricos a vendedores ambulantes e catadores de materiais recicláveis.

Só em São Paulo, por exemplo, foram abertas 12 mil vagas temporárias para vendedores ambulantes de bebidas em 2020. Com o cancelamento dos blocos e o adiamento do desfile na cidade, não há qualquer garantia de lucro com a folia para essas pessoas.

E não são apenas os vendedores que sentem o impacto das ruas vazias durante o Carnaval. Segundo o presidente da Associação Nacional dos Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis (Ancat), Roberto Rocha, a folia é a época do ano mais importante para os catadores.

"O período das festas sempre foi uma excelente oportunidade de renda extra. E esse 'plus' está fazendo uma baita diferença na vida de muitas famílias", diz. "No ano de 2020, fizemos uma parceria com o setor de bebidas e alimentos e, além do valor recebido nas cooperativas pelo material coletado, os trabalhadores ainda ganharam pelo serviço de limpeza".

Segundo Rocha, os lucros obtidos pelos catadores durante o Carnaval chegavam a representar até 30% de toda a renda mensal.

Apesar das iniciativas de algumas empresas privadas para distribuição de auxílio para catadores e ambulantes, boa parte dos ganhos previstos para esta época do ano deixarão de fazer parte da receita familiar desses brasileiros.

'Famílias sofrendo e precisando de ajuda'

Mazinho Twister, como é conhecido Francisco Aparecido de Alencar, de 47 anos, é dono de uma empresa que fabrica e loca trios elétricos. Todos os anos durante o Carnaval, ele costuma alugar seus veículos para até 30 eventos realizados por todo o Estado de São Paulo.

Em 2022, Mazinho está com todos os seus 14 trios elétricos parados na garagem. "Meu lucro foi há zero nos últimos dois anos. Eu tinha 22 funcionários e suspendi todos, com exceção de um rapaz que cuida da garagem e ajuda na conservação dos trios", conta o empresário, que mora em Campinas.

"A maioria das pessoas dispensadas estão vivendo atualmente apenas do auxílio do governo", diz.

Mazinho lamenta ainda a situação de muitos de seus colegas de ramo, que foram obrigados a vender seus trios diante da falta de trabalho. "Eu por enquanto estou resistindo, mas estou com o aluguel da garagem onde guardo os veículos atrasado e 90.000 reais de dívida no banco", conta.

O anseio por sair às ruas é compartilhado por Luiz Adolpho, presidente do clube do Homem da Meia-Noite, um dos mais tradicionais e famosos blocos de Olinda. "Tenho 57 anos e antes da pandemia não me lembro de um Carnaval em que não brinquei na rua", conta.

O bloco de 90 anos de história não desfila há dois anos e tomou a decisão de também não participar de eventos fechados. Mantém contato com o público apenas por meio de clipes lançados pelas redes sociais e visitações à sua sede, com obrigatoriedade de máscara e apresentação de um comprovante de vacinação.

Segundo Adolpho, o Homem da Meia-Noite emprega uma média de 450 a 600 pessoas todos os anos, entre músicos, operadores de som, seguranças e montadores. "Infelizmente não conseguimos manter todos os funcionários desde o início da pandemia. Fizemos arrecadação de cestas básicas para ajudar os mais necessitados, mas não é possível atender a todos que foram prejudicados pelo cancelamento dos blocos em Olinda e Recife", lamenta o pernambucano.

"Na verdade, há uma grande necessidade de acolhimento das pessoas que ficaram sem renda por conta de todos os eventos de Carnaval que não acontecerão em todo o Brasil. Recebemos relatos de muitas famílias sofrendo e precisando de ajuda".

  • Julia Braun
  • Da BBC News Brasil em São Paulo
Professor Edgar Bom Jardim - PE

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Malfatti, Graz, Novaes e Aita: as mulheres (esquecidas) da Semana de Arte Moderna de 22





Folheto da Semana de Arte Moderna

CRÉDITO,KARINA BACCI/DIVULGAÇÃO

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Folheto da Semana de Arte Moderna

No ano em que ocorreu a Semana de Arte Moderna, em 1922, as mulheres no Brasil ainda não podiam votar - a conquista desse direito viria uma década depois. Na vida privada, elas não podiam ter conta bancária sem autorização do marido, assim como não existia o divórcio - este seria permitido no país quase 60 anos após o evento modernista.

Isso revela como a Semana de 22, ocorrida em São Paulo entre os dias 13 e 17 de fevereiro, foi revolucionária para a sociedade da época, mas também ajuda a explicar o porquê o nome de praticamente apenas uma mulher entrou para a história do evento - Tarsila do Amaral.

Porém, segundo a professora do Departamento de Artes Visuais do Instituto de Artes da Universidade de Brasília (UnB), Vera Pugliese, Tarsila nem no Brasil estava na data do festival.

"É interessante que, principalmente fora do meio universitário, Tarsila do Amaral seja indicada como uma das principais participantes da Semana de Arte Moderna. Em fevereiro de 1922, ela estava em Paris", diz Pugliese


A pintora paulista foi, de fato, umas das principais modernistas do país, "mas não participou da Semana de Arte Moderna. Nenhuma de suas obras esteve presente no festival artístico", conta a professora da UnB

Corrigindo a história: Aina, Gomide Graz e Novaes

Segundo os registros, apenas quatro mulheres participaram da Semana de Arte Moderna: as artistas visuais Anita Malfatti, Gomide Graz e Zina Aita; e a pianista Guiomar Novaes.

"Considerando-se a época, é natural que o número de participantes mulheres tenha sido pequeno, afinal, no Brasil do início do século 20 ainda predominava a ideia de arte feminina e arte masculina", explica a professora do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (USP) Mayra Laudanna


A professora Pugliese lembra que fazia parte da cultura burguesa da década de 1920 que as mulheres dessas famílias "escrevessem poesia e mesmo desenhassem ou pintassem, preferencialmente aquarelas", e que "tocassem ou pelo menos tivessem aprendido um instrumento musical".

"Escultura, nem pensar; era considerada excessivamente masculina", afirma.

No entanto, não era incentivado que as mulheres se profissionalizassem, uma vez que seus conhecimentos artísticos "deveriam restringir-se ao espaço privado de suas residências, dentro dos limites permitidos primeiro pelo pai e depois pelo marido", diz a professora da UnB.

Além das diferenças de gênero, a própria definição de arte da época impôs barreiras à popularização das artistas ligadas à decoração, como a tapeçaria e a cerâmica.

"Precisamos com urgência rever as hierarquias da história da arte para entender melhor o que foi a experiência modernista, que não se limitou ao espaço da tela, da moldura", ressalta a professora do Instituto de Estudos Brasileiros da USP Ana Paula Cavalcanti Simioni.

Autora do livro "Mulheres modernistas: estratégias de consagração da arte brasileira", que será publicado neste semestre, Simioni explica que um dos objetivos da arte modernista foi o de transformar os objetos do dia a dia. "Promover a ruptura com a separação entre arte e vida que se tinha", diz.

"Isso levará a uma compreensão mais generosa e contextualizada da relevância de Regina Graz [tapeceira] e Zina Aita [ceramista] para a arte moderna", sugere Simioni.

Já em relação ao esquecimento da participação da pianista Guiomar Novaes na Semana de Arte Moderna, a professora Laudanna sugere que o motivo pode ser a musicista "ter se indisposto com o evento devido a algumas paródias ocorridas antes de sua apresentação no Teatro Municipal de São Paulo", afirma.

Zina Aita

Mário de Andrade (sentado), Anita Malfatti (sentada, ao centro) e Zina Aita (à esquerda de Anita) em São Paulo em 1922

CRÉDITO,DOMÍNIO PÚBLICO

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Mário de Andrade (sentado), Anita Malfatti (sentada, ao centro) e Zina Aita (à esquerda de Anita) em São Paulo em 1922

A artista plástica Tereza Aita, conhecida como Zina, nasceu em Belo Horizonte, Minas Gerais, em 1900, e estudou desenho, pintura e cerâmica na Itália dos 14 aos 18 anos.

Quando retornou ao Brasil, em 1918, teve contato com o modernismo por meio, principalmente, dos amigos Anita Malfatti e Mário de Andrade.

Apesar de ser considerada precursora do modernismo em Minas Gerais por causa de uma exposição individual feita na capital mineira em 1920, Laudanna aponta que a lacuna sobre a obra de Aita no Brasil é enorme.

"Ainda hoje, pouco se sabe e quase nada se conhece dos trabalhos de Zina Aina", diz Laudanna. "Ela basicamente foi esquecida por falta de pesquisas [no Brasil] e por se localizar pouquíssimas obras suas".

A professora Pugliese também destaca o retorno de Zina à Itália logo após a Semana de Arte Moderna, em 1924, tendo permanecido no país até a sua morte, em 1967, e a sua preferência pela cerâmica.

"A desvalorização da cerâmica, taxada como arte decorativa (inclusive entre os artistas homens) não favoreceu seu reconhecimento como artista maior no meio das artes plásticas [modernistas]", acrescenta Pugliese.

"Sua produção permanece pouco conhecida, e grande parte de suas obras não é datada", afirma trecho de sua biografia na enciclopédia do Itaú Cultural.

Regina Gomide Graz

Retrato de Regina Gomide Graz

CRÉDITO,ENCICLOPÉDIA ITAÚ CULTURAL DE ARTE E CULTURA BRASI

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Retrato de Regina Gomide Graz feito pelo seu irmão, Antônio Gomide

A pintora, decoradora e tapeceira Regina Gomide Graz nasceu em Itapetininga (SP) em 1897. Após estudar em Genebra, na Suíça, Graz retornou ao Brasil em 1920, se aproximou dos modernistas e expôs sua obra em tapeçaria na Semana de Arte Moderna. Foi pioneira no interesse pela tradição indígena brasileira, tendo estudado a tecelagem indígena do Alto Amazonas para compor parte de sua obra.

"Regina Gomide Graz foi a introdutora das artes decorativas modernas no Brasil, em especial nos suportes têxteis. Participou de um projeto de modernização da decoração em lares de São Paulo, ao lado de seu esposo, o artista suíço John Graz e seu irmão, o artista Antonio Gomide", conta Simioni.

A artista é considerada uma das mais produtivas do Modernismo brasileiro entre 1920 e 1940, mas sua obra foi reduzida pela história como "colaboradora" do marido John Graz e do irmão Antônio Gomide. Em livros, Regina é descrita como "esposa" e "irmã" de artistas, quase nunca como "autora".

Exposição dos tapetes de Regina Gomide

CRÉDITO,DOMÍNIO PÚBLICO

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Exposição dos tapetes de Regina Gomide Graz em 1925

Além disso, "em virtude de sua escolha por materialidades menos valorizadas pela história da arte (decoração, arte têxtil), Regina acabou ocupando um lugar menor, mas que vem sido revisto", diz Simioni.

Guiomar Novaes

Retrato da pianista Guiomar Novaes

CRÉDITO,REPRODUÇÃO INSTITUTO PIANO BRASILEIRO

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Retrato da pianista Guiomar Novaes

A pianista se apresentou na terceira noite do evento em um recital com obras de Debussy e Villa-Lobos. Teria sido a única artista daquela noite no Teatro Municipal a ter uma plateia em silêncio durante a sua apresentação e, em seguida, receber aplausos calorosos do público.

Apesar do sucesso entre o público, Novaes deu uma entrevista na época afirmando estar triste com "peças satíricas à música de Chopin" que marcaram a segunda noite de apresentações. A pianista teria se sentido ofendida, uma vez que Chopin era a sua especialidade.

Novaes nasceu em São João da Boa Vista, interior paulista, em 1894. Começou a tocar piano aos 4 anos e, aos 15, se mudou para a Europa para estudar música.

A musicista teve uma sólida carreira internacional, tendo se apresentado para personalidades como a Rainha Elizabeth 2ª e o presidente americano Franklin Roosevelt. Ela já era uma das pianistas mais prestigiadas do Brasil quando se apresentou na Semana de Arte Moderna.

Malfatti, a primeira modernista

A discreta e tímida Anita Malfatti produziu "uma arte distante dos padrões vigentes [os padrões europeus] antes mesmo de 1922", diz Laudanna. Por isso, segundo a professora, Malfatti é considerada a primeira pintora modernista do Brasi

Anita Malfatti em foto de 1912

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Anita Malfatti em foto de 1912

Filha de um imigrante italiano, Malfatti nasceu em 1889 em São Paulo. Em 1910, se mudou para a Alemanha para estudar artes. Em seguida, foi para os Estados Unidos, onde produziu uma série de nus artísticos - um escândalo para os conservadores da época.

Em 1917, já de volta ao Brasil, a pintora realizou uma exposição individual em São Paulo intitulada "Exposição de Pintura Moderna", que serviu de estopim para a Semana de Arte Moderna, cinco anos depois.

Isso porque, assim como o evento de 1922, que não foi bem recebido por parte do público, a exposição individual de Malfatti de 1917 foi ferozmente criticada por Monteiro Lobato em um texto intitulado "Paranóia ou Mistificação?".

"Após a crítica negativa de Monteiro Lobato, Oswald de Andrade, Di Cavalcanti e outros saíram em defesa de Anita nos jornais. Foi aí que estes artistas tomaram consciência do que os unia: um desejo de inovação e de se contraporem aos parâmetros da crítica e de gosto então em vigor", comenta Simioni.

A exposição de 1917 foi lembrada pelos críticos e pelos jornais nos anos em que se seguiram. Ora lembravam da coragem e originalidade de Malfatti, ora retomavam as críticas de Lobato.

"Ainda que Malfatti não tenha se concretizado como a cabeça do movimento modernista, posição inicialmente assumida por Victor Brecheret, a artista continuou sendo, na Semana de Arte Moderna, a personificação do escândalo da arte modernista", explica Pugliese.

O projeto "Ver Anitta", da professora Laudanna, hospedado no site da USP, recuperou entrevistas de Malfatti sobre a repercussão de sua exposição anterior à Semana de Arte Moderna.

Em 1955, a pintora afirmou ao jornal A Gazeta que não tinha ideia de que suas obras de 1917 seriam encaradas como uma "revolução".

"Achei que era natural aquilo", disse Anita à Gazeta sobre a crítica de Lobato.

"Apenas não tomei aquilo tudo como uma revolução nem imaginei o que iria causar mais tarde. Apenas quando o movimento tomou conta da literatura, da música e das outras artes, em geral, foi que avaliei o que estava acontecendo", continuou a artista modernista.

Malfatti expôs cerca de dez obras durante a Semana de Arte Moderna

"Estávamos completamente felizes apesar dos protestos e vaias. O Villa executou um tremendo concerto sinfônico de abalar as paredes do velho Municipal, na noitada de sexta-feira. Assim terminava a Semana. Tínhamos feito algo que só vinte ou trinta anos depois poderíamos registrar assim: deixamos um ponto luminoso na história da cultura da Cidade de São Paulo", afirmou Malfatti em 1954 ao jornal O Carioca.

Reescrevendo Tarsila na Semana

Tarsila, por sua vez, além de não ter participado do evento, foi apresentada aos modernistas fomentadores da Semana, Oswald de Andrade, Mario de Andrade e Menotti del Picchia, meses depois do evento, por intermédio de Anita Malfatti, sua conhecida desde 1919.

"Tarsila passou a conviver com eles após a Semana. Juntos, formaram o 'Grupo dos Cinco', que se manteve unido em torno da ideia de produzir uma arte 'brasileira'", resgata Laudanna.

O "Grupo dos Cinco" durou apenas alguns meses, contudo.

"O grupo se desfaz com o retorno de Tarsila para a Europa ainda no mesmo ano de 1922", diz a professora da USP.

"A Semana foi se construindo como um "mito fundador" posteriormente, assim como se foi construindo Tarsila como a musa do modernismo, e em algum momento se atrelou uma coisa a outra, mas isso não tem nenhuma veracidade", conclui a professora Simioni

  • Laís Modelli
  • De São Paulo para a BBC Brasil

Professor Edgar Bom Jardim - PE