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quarta-feira, 24 de novembro de 2021

'O ecocídio vai ser o genocídio do século 21'




Fumaça de poluição

CRÉDITO,GETTY IMAGES

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O advogado Rodrigo Lledó integra um grupo de especialistas que defende que a destruição do meio ambiente seja considerada crime pelo Tribunal Penal Internacional

Matar o próprio lar.

Esta é a definição da palavra de origem grega e latina "ecocídio", que está ganhando cada vez mais notoriedade no mundo devido à emergência climática.

A pesca industrial que leva à perda de várias espécies, os derramamentos de óleo, a pecuária intensiva que causa desmatamento em áreas como a Amazônia e a poluição por plástico nos oceanos são alguns dos exemplos de atos que causam graves danos ambientais.

Diante desta situação, cientistas, acadêmicos e líderes ambientais de diversos países alertam sobre a necessidade de transformar o ecocídio em um crime internacional que penaliza a destruição generalizada do mundo natural.

Algo que, atualmente, não existe.



Por isso, um grupo de especialistas renomados está trabalhando para que o Estatuto de Roma, do Tribunal Penal Internacional (TPI), seja modificado e inclua o ecocídio entre seus crimes.

O advogado chileno Rodrigo Lledó faz parte deste grupo. Na entrevista a seguir, ele analisa por que é importante responsabilizar criminalmente a destruição ambiental, por que ainda existem países que resistem a esta ideia e quão próximos estamos realmente do ecocídio ser incluído no Estatuto de Roma.

Rodrigo Lledó

CRÉDITO,RODRIGO LLEDÓ

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O advogado e acadêmico Rodrigo Lledó é diretor da Fundação Internacional Baltazar Garzón

Línea

BBC News Mundo - O que é o ecocídio?

Rodrigo Lledó - É qualquer ato ilegal ou arbitrário perpetrado sabendo-se que existe uma possibilidade significativa de causar graves danos ao meio ambiente, ou que estes (danos) serão extensos ou duradouros.

Não é um termo novo, ao contrário do que se pensa. Fala-se em ecocídio desde a Guerra do Vietnã, quando os Estados Unidos pulverizaram o agente laranja e outros produtos químicos na selva vietnamita.

Um avião lança agente laranja sobre uma floresta no norte do Vietnã em 1966

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Um avião lança agente laranja sobre uma floresta no norte do Vietnã em 1966

Então, na década de 1970, a destruição do meio ambiente foi incluída como um crime de guerra.

No entanto, isso foi bom para os anos 1970. Mas hoje temos uma emergência climática decretada, e ela está acontecendo em tempos de paz. Portanto, falta uma forma penal de criminalizar a destruição deliberada do meio ambiente em tempos de paz.

BBC News Mundo - Por que é importante que o ecocídio seja reconhecido como crime hoje?

Lledó - Porque estamos em uma emergência climática. Porque a destruição do meio ambiente, mesmo que não se acredite, é lícita a nível internacional. É totalmente legal. Você pode ir para mar aberto e despejar toneladas e toneladas de produtos químicos, e isso não é ilegal.

Isso tem que mudar, tem que ser um crime. Ou, pelo menos, ilegal.

BBC News Mundo - As multas ou regulamentações que atualmente se aplicam em alguns países não são suficientes?

Lledó - Isso de que "quem polui paga" é muito bom, mas no fim das contas o que acontece com esses atos de poluição é que quem paga é o consumidor.

Porque a poluição se traduz em preços. Neste momento, por exemplo, o preço da eletricidade subiu muito devido ao aumento das licenças de emissão de CO2 impostas pela União Europeia.

Lixo e plástico à beira-mar

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'Precisamos que o direito penal internacional se adeque e responda à mudança climática'

Com o ecocídio, a ideia é responsabilizar penalmente e individualmente aqueles que causam danos. Tem que haver medidas preventivas para que isso não aconteça e, se acontecer, tem que ir para a cadeia.

BBC News Mundo - De uma perspectiva histórica, o ecocídio será um crime importante no futuro?


Lledó - Provavelmente.

Em 1948, no Tribunal de Nuremberg, falamos sobre crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio porque eram os problemas que a humanidade enfrentava naquela época. A Segunda Guerra Mundial tinha acabado de terminar.

Mas, hoje em dia, a humanidade enfrenta outros problemas e, por isso, precisamos que o direito penal internacional se adeque e responda a esses problemas. E o maior problema é justamente a mudança climática.

Então, assim como olhamos para trás, para o genocídio ou crimes contra a humanidade, no final, o ecocídio será como o genocídio do século 21.

BBC News Mundo - E quão perto estamos de o ecocídio ser um crime internacional?

Lledó - Vai depender dos Estados membros do Tribunal Penal Internacional.

Tribunal Penal Internacional

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Para que o ecocídio seja criminalizado internacionalmente, é preciso o apoio de 2/3 dos Estados membros

Em 2019, antes da pandemia, dois Estados concordaram em tipificar o ecocídio como um delito: Vanuatu e Maldivas. Que particularidades eles têm? São países insulares, que em questão de 10 ou 15 anos estarão submersos. Na verdade, eles já sofreram a invasão do mar e, portanto, sérios danos às suas plantações e outras coisas terríveis.

O que resta agora é que os Estados digam: sim, queremos que seja um crime da competência do Tribunal. Então, você tem que convencê-los...

Mas, para modificar o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, é necessária a aprovação de dois terços dos Estados membros. Por isso, é provável que demore vários anos.

BBC News Mundo - Quais as justificativas para não aceitar a tipificação do ecocídio como crime internacional?

Lledó - Justificativas que se concentram em não incomodar as empresas. Porque existem empresas altamente poluidoras que vão ter que modificar seu sistema produtivo.

Por este motivo, foi considerada a possibilidade de um período de transição, dar a elas um prazo para se adequarem. A ideia não é criminalizar as empresas por acaso, mas pelo risco que representam.

Desmatamento

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O desmatamento pode se tornar um crime internacional se o ecocídio for incluído no Estatuto de Roma

O que é preciso fazer é que essas mesmas empresas desenvolvam a sua atividade, mas tomando medidas para não agredir o meio ambiente. Porque hoje em dia danificar o meio ambiente sai de graça e depende de um Estado regular ou não. E quanto aos Estados falidos? Ou em alto mar, onde é terra de ninguém?

BBC News Mundo - Esta resistência também tem a ver com o fato de muitas pessoas e países ainda não estarem conscientes do que está acontecendo, certo?

Lledó - Sim, claro. Por muito tempo, tem havido uma falta de consciência. Mas também houve muita desinformação para poder continuar produzindo petróleo, etc... Há interesses.

E, se você olhar a atitude dos Estados, a pergunta que eles fazem é: quanto mais podemos esquentar o planeta? E, na realidade, não sabemos. Estamos brincando com fogo. Mas que estamos nos aproximando de um desastre, é claro que estamos, e cada vez mais. É irresponsável.

E não se trata de ser catastrófico e dizer que vamos nos extinguir. Mas vamos pagar caro. Nossos filhos e netos terão muita dificuldade. Vai ser complexo cultivar, vai custar muito caro. As áreas cultiváveis ​​vão ser reduzidas assim como as áreas habitáveis.

BBC News Mundo - Que países latino-americanos poderiam se beneficiar mais se o ecocídio for tipificado como crime?

Lledó - Acho que sobretudo os países que abrigam a Amazônia, como Equador, Colômbia e Brasil. Dependemos da Amazônia, é o pulmão do mundo.

BBC News Mundo - E as empresas que, apesar de prejudicarem o meio ambiente, trazem grandes benefícios a suas comunidades?

Lledó - A definição de ecocídio leva em consideração a desproporção entre o benefício esperado versus o dano a ser causado. Ou seja, posso provocar um dano ao meio ambiente se houver um benefício enorme para a humanidade.

Por exemplo, uma represa que vai gerar eletricidade de forma limpa para milhares de pessoas.

Ficha de arquivo onde está escrito 'mudança climática'

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Especialistas querem que o dano ao meio ambiente seja crime a nível internacional

Porque se transformamos o meio ambiente, se o danificamos, tem que haver uma proporção, tem que ser sustentável, que nos beneficie e permita seguir vivendo como humanidade. Do contrário, o que estamos fazendo é suicídio na verdade.

Por exemplo, a produção de abacate no Chile deixa toda a área de Petorca seca, para quê? Para benefício financeiro de um homem que é dono daqueles abacates. Há uma enorme desproporção entre o dano que causa e o benefício social. Então, este seria um caso de ecocídio.

BBC News Mundo - Você acredita que a tipificação do ecocídio pode realmente ajudar a acabar com o problema ambiental?

Lledó - É um passo importante, mas claramente não resolve todos os problemas.

É importante que outras iniciativas de mais longo prazo, como um tribunal ambiental e uma convenção internacional vinculante, se tornem realidade também.

  • Fernanda Paúl
  • BBC News Mundo
Professor Edgar Bom Jardim - PE

quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Brasil cortou 93% da verba para pesquisa em mudanças climáticas


Gado em area desmatada

CRÉDITO,REUTERS

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Dados levantados pela BBC News Brasil mostram corte em pesquisas sobre mudanças climáticas no Brasil

O governo do presidente Jair Bolsonaro cortou em 93% os gastos para estudos e projetos de mitigação e adaptação às mudanças climáticas nos três primeiros anos da sua gestão quando comparado com os três anos anteriores.

Os dados foram levantados pela BBC News Brasil por meio do Sistema Integrado de Orçamento do Governo Federal (Siop). Entre janeiro de 2016 e dezembro de 2018, os investimentos nessa área foram de R$ 31,1 milhões.Na gestão Bolsonaro, porém, os gastos foram de apenas R$ 2,1 milhões.

Procurados, os ministérios do Meio Ambiente e da Ciência, Tecnologia e Inovações, e a Presidência da República não se pronunciaram.

As mudanças climáticas são um conjunto de alterações no clima do planeta causadas pela ação humana. Entre os principais fatores está a emissão de gases causadores do efeito estufa como o gás carbônico e metano.

Estudos indicam que países altamente dependentes da exportação de commodities agrícolas como o Brasil estão particularmente vulneráveis ao fenômeno porque ele pode causar, por exemplo, alterações no regime de chuvas e ventos e resultar em eventos climáticos extremos como secas prolongadas, ondas de frio e de calor mais frequentes.

Pressionado por altas taxas de desmatamento nos últimos anos, o governo Bolsonaro participa da COP-26, Conferência do Clima da ONU, que acontece em Glasgow, no Reino Unido. O próprio presidente não viajou para a Escócia.

Um dos principais objetivos da delegação brasileira é convencer a comunidade internacional do seu compromisso com a agenda ambiental.

Na terça-feira (2/11), representantes de mais de cem países, entre eles China e Brasil, assinaram um acordo para proteção de florestas que tem como meta zerar o desmatamento no mundo até 2030. O Brasil também aumentou a meta de redução de gases poluentes de 43% para 50% até 2030 e se comprometeu em antecipar a meta de zerar o desmatamento ilegal de 2030 para 2028.

Na semana passada, a BBC News Brasil antecipou que o Brasil decidiu assinar um importante acordo sobre proteção de florestas conhecido como "Forest Deal".

Mais promessas, menos verba

O levantamento feito pela BBC News Brasil, porém, mostra uma redução drástica do investimento do governo federal em estudos para preparar o país para os efeitos da crise no clima.

Os dados consideram duas ações orçamentárias do governo federal destinadas, especificamente, a produzir estudos e projetos com essa temática: 20G4 — Fomento a Estudos e Projetos para Mitigação e Adaptação à Mudança do Clima (sob responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente) e 20VA — Apoio a Estudos e Projetos de Pesquisa e Desenvolvimento à Mudança do Clima (a cargo do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações).

O levantamento aponta que o ritmo de investimento entre 2016 e 2018 era de redução. Em 2016, por exemplo, o governo gastou R$ 20,7 milhões. No ano seguinte, esse valor caiu para R$ 8,4 milhões. Em 2018, chegou a R$ 2 milhões.

Jair Bolsonaro

CRÉDITO,EPA/JOEDSON ALVES

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Governo Bolsonaro reduziu drasticamente recursos para estudos sobre efeitos de mudanças climáticas, apontam dados

A queda prosseguiu no governo Bolsonaro. Em 2019, o governo investiu R$ 1 milhão. Em 2020, foram gastos R$ 659 mil. Neste ano, até outubro, foram gastos R$ 426 mil.

Os dados mostram ainda que no Ministério do Meio Ambiente os investimentos em estudos sobre mudanças climáticas foram zerados a partir de 2019.

Política climática

A política ambiental do governo Bolsonaro é alvo de críticas domésticas e internacionais. Por outro lado, ele é apoiado por diversos setores do agronegócio e da mineração. Em sua campanha, em 2018, ele prometeu acabar com o que chamava de "indústria das multas" ambientais.

Em 2019 e 2020, o Brasil registrou as piores taxas anuais de desmatamento desde 2008. No período, foram desmatados mais de 20 mil quilômetros quadrados, uma área equivalente a 13 cidades de São Paulo. O avanço do desmatamento e dos incêndios florestais nesses dois anos despertaram reações de organizações não-governamentais e de chefes de estado estrangeiros como o presidente da França, Emmanuel Macron.

A posição de Bolsonaro em relação às mudanças climáticas também é fruto de críticas de ambientalistas e cientistas. Em 2019, após a COP-25, por exemplo, Bolsonaro chegou a afirmar que a pressão internacional em torno do assunto seria parte de um "jogo comercial" com o objetivo de prejudicar países em desenvolvimento como o Brasil.

"Eu quero saber... alguma resolução para a Europa começar a ser reflorestada? Alguma decisão? Ou só ficam perturbando o Brasil? É um jogo comercial, eu não sei como o pessoal não consegue entender que é um jogo comercial", disse o presidente.

O ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, que ficou no cargo janeiro de 2019 a março de 2021, chegou a colocar em dúvida que as mudanças climáticas seriam causadas pela ação humana, na contramão do consenso da comunidade científica.

"Há mudanças climáticas? Sim, certamente, sempre teve. É causada pelo homem? Muitas pessoas dizem que sim, não sabemos com certeza", disse o ex-chanceler em um evento nos EUA, em setembro de 2019.

Gado em meio à queimada

CRÉDITO,REUTERS/RICARDO MORAES

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Política ambiental do governo Bolsonaro é alvo de críticas domésticas e internacionais

O ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, que ficou na pasta de janeiro de 2019 a junho de 2021, admitia a responsabilidade do ser humano nas mudanças climáticas. Mesmo assim, foi na sua gestão que a pasta extinguiu, no início do governo Bolsonaro, a secretaria responsável por elaborar políticas públicas sobre o assunto.

Foi apenas em 2020, em meio a críticas internacionais, que Salles determinou a recriação de uma secretaria dedicada às mudanças climáticas dentro do ministério. Salles deixou o cargo em junho deste ano em meio a investigações sobre seu suposto envolvimento com um grupo de empresários que faria contrabando de madeira da Amazônia.

Críticas

Especialistas ouvidas pela BBC News Brasil criticaram os cortes nos investimentos do governo em estudos sobre as mudanças climáticas. Segundo elas, o governo Bolsonaro prejudicou a política climática do país.

Para Natalie Unterstell, presidente do think tank Talanoa, os números mostram que os investimentos aquém da necessidade do Brasil para lidar com a crise climática.

"Estudos recentes mostram que o mundo deveria investir pesado em estudos e projetos para mitigar os efeitos da mudança climática. Esses cortes comprometem a forma como o Brasil se prepara. Isso mostra que ela não é prioridade para um órgão que deveria ser um importante formulador de políticas públicas. Isso é um reflexo da paralisação da agenda ambiental o governo que se deu dentro do MMA e a partir dele", diz Natalie.

"Um olhar para o esvaziamento da ação orçamentária referente ao fomento a projetos para mitigação e adaptação à mudança do clima mostra bem isso. Em 2021, foram empenhados na ação orçamentária 20G4 míseros R$ 110 mil reais até agora. Para 2022, estão previstos pouco mais de 500 mil reais. Nesses números fica patente a desatenção ao tema", afirmou a ex-presidente do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e pesquisadora sênior do Observatório do Clima, Suely Araújo.

A BBC News Brasil enviou questionamentos para o Ministério do Meio Ambiente, Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações e para a Presidência da República sobre os cortes. Nenhum dos três se pronunciou sobre o assunto.

  • Leandro Prazeres
  • Da BBC News Brasil em Brasília

Professor Edgar Bom Jardim - PE