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terça-feira, 30 de abril de 2024

Índia tenta ser superpotência do século 21



Alunos de escola indiana

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,A população da Índia triplicou desde meados do século passado. Agora a economia indiana registra crescimento semelhante  Fonte: BBC


As eleições, que começaram em 19 de abril e vão até 1º de junho, e nas quais participarão quase 1 bilhão de pessoas, são cruciais para as ambições crescentes do país.

Pesquisas indicam que a maioria do eleitorado deve optar por dar um terceiro mandato ao primeiro-ministro Narendra Modi.

Modi tem a vantagem de que, durante seu mandato, a posição global da Índia melhorou e as relações do país com os Estados Unidos se fortaleceram


A Índia é hoje uma das poucas potências com armas nucleares, recentemente superou a China como o país mais populoso do mundo e se tornou o primeiro na história a conseguir pousar com sucesso um módulo no polo sul da Lua

Graças à sua crescente classe média, ao seu dinamismo empresarial e ajudado pelo seu 1,4 bilhão de habitantes, o país espera também virar a nova superpotência econômica do século 21.

"A Índia será uma superpotência: tem uma grande base de consumidores e uma população muito jovem", diz Pushpin Singh, economista sênior do Centro de Investigação Econômica e Empresarial (CEBR, na sigla em ingês), uma empresa de consultoria com sede em Londres.

Idade média da população. Países selecionados do G20 (em anos). Gráfico de barras que mostra média de idade dos países do G20 .

Segundo um relatório do CEBR publicado em dezembro, a Índia deverá manter um forte crescimento de cerca de 6,5% ao ano entre 2024 e 2028, e tornar-se a terceira maior economia do mundo até 2032, ultrapassando o Japão e a Alemanha.

As projeções do instituto para o final do século veem a Índia emergir como a maior superpotência econômica mundial, com um PIB (Produto Interno Bruto, soma de bens e serviços produzidos por uma economia) 30% superior ao dos Estados Unidos em 2080.

Os líderes do país asiático confiam na demografia indiana e na sua diplomacia para acelerar a ascensão do país.

1. A 'voz' do sul global

Painel de debates do foro dos BRICS

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,A Índia quer ser a voz do chamado Sul global

Antes de cogitar desafiar a hegemonia dos Estados Unidos, a Índia estabeleceu um objetivo de curto prazo: ser líder do chamado Sul Global, termo usado para se referir aos países em desenvolvimento da Ásia, África e América Latina que querem ter mais peso nos assuntos globais.

Em um discurso durante a segunda cúpula da Voz do Sul Global, em novembro de 2023, Modi garantiu que o grupo quer autonomia e está disposto a assumir grandes responsabilidades nos assuntos globais.

Ele disse também que a Índia tem orgulho de representar a voz do sul em fóruns globais como o G20.

Ronak Gopaldas, economista e cientista político da Signal Risk, uma consultoria sediada na África do Sul, afirma que a Índia aproveita seu crescente poder econômico para ganhar influência em várias regiões do mundo, especialmente na África, um continente que se tornou fundamental para Índia.



Una persona contando moneda india.
Getty Images
Índia, uma potência em ascensão

  • 5Posição da Índia no ranking das maiores economias do mundo, após superar Reino Unido em 2023

  • 11A posição que a Índia ocupava em 2012

  • 3A posição do país projetada para 2032

Fonte: FMI, Morgan Stanley

Até 2050, uma em cada quatro pessoas no mundo será africana, observa Gopaldas em entrevista à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC.

"É um continente que tem a população em idade ativa mais jovem do mundo e possui minerais críticos que o mundo necessita para a transição energética. A África é grande e importante demais para se ignorar", afirma o economista.

"Muitos países africanos veem a Índia como uma democracia que costumava ser pobre e que agora está prosperando, enquanto a Índia se vê como a voz do sul global."

O primeiro-ministro Narendra Modi aproveitou a presidência temporária do G20 e a cúpula realizada em Nova Déli no ano passado para promover a Índia como um "símbolo de inclusão" entre os países do sul global.

Talvez o seu maior sucesso diplomático no ano passado tenha sido a aceitação de sua proposta de incluir a União Africana (organização internacional africana composta por 55 países) como membro permanente do fórum.

O economista Pushpin Singh concorda que a Índia busca e está conquistando cada vez mais influência internacional.

"A Índia quer atrair investimento estrangeiro para o país e formar alianças com o resto do mundo, com o objetivo de se tornar um grande ator internacional e competir com outras potências", explica.

Singh não acredita que o país esteja buscando desesperadamente o status de superpotência.

"A Índia sabe que ainda há muito trabalho a fazer, mas acho que reconhece que mais cedo ou mais tarde isso vai acontecer."

2. Alinhamentos múltiplos

Jawaharlal Nehru

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Legenda da foto,O ex-primeiro-ministro da Índia Jawaharlal Nehru (centro) foi um dos promotores do Movimento dos Não-Alinhados em 1956

Enquanto a Guerra Fria ditava a política internacional de muitos países, a Índia recorreu a uma política de não-alinhamento que em 1961 acabou por se tornar um fórum: o Movimento dos Não-Alinhados.

Mas já há alguns anos, Nova Déli abandonou a sua posição histórica de não-alinhamento para exercer o "multialinhamento estratégico".

Em maio de 2022, a Índia participou da cúpula de líderes do Diálogo de Segurança Quadrilateral (Quad) em Tóquio, onde Modi afirmou que a Índia compartilha objetivos comuns com os outros membros (Austrália, Japão e EUA) na região do Indo-Pacífico.

Em junho do mesmo ano, Modi apareceu acompanhado do presidente da China, Xi Jinping, e do russo Vladimir Putin na 14ª Cúpula dos Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) realizada em formato virtual e pediu para fortalecer a identidade do grupo.

Pouco depois, o chanceler alemão Olaf Scholz convidou a Índia a participar da Cúpula do G7 (grupo formado por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido) na Baviera como país parceiro.

Ao participar nestas cúpulas com visões do mundo tão diversas, a Índia exerce um "multialinhamento estratégico": uma política externa que é mais pragmática do que ideológica.

As prioridades estratégicas do país vêm em primeiro lugar e as alianças geopolíticas tendem a ser fluidas: um aliado em uma questão pode ser um adversário em outra.

"A Índia é um importante parceiro econômico e de segurança para o Ocidente e sabe que é. Ao mesmo tempo, vê-se como líder do Sul global e tem uma relação histórica com a Rússia", explica o economista Ronak Gopaldas.

"Por tudo isto, a Índia tenta maximizar a sua influência estratégica e econômica para conseguir acordos econômicos favoráveis para o país."

Golpaldas salienta que o multialinhamento estratégico requer uma diplomacia muito boa e a Índia tem tido até agora sucesso na implementação desta política como uma potência em ascensão que tem "um pé no Quad e outro nos Brics".

"Provavelmente chegará um momento em que terá que escolher um lado, tudo dependerá de quão eficaz sua diplomacia continuará sendo."

3. Uma poderosa diáspora

Ajay Banga

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Legenda da foto,Ajay Banga foi nomeado presidente do Banco Mundial em junho de 2023

A Índia tem uma das maiores e mais bem-sucedidas diásporas (dispersão populacional por vários países) do mundo.

Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), são 18 milhões de pessoas, mas Nova Déli garante que há 30 milhões de indianos no exterior – se incluídos aqueles que renunciaram à nacionalidade indiana, já que o país não permite a dupla nacionalidade.

Eles vivem principalmente nos países do Golfo Pérsico, nos EUA, Reino Unido e Canadá.

Estes emigrantes tornaram-se uma grande força econômica.

Em 2023, eles enviaram quase US$ 125 bilhões (R$ 640 bilhões) em remessas para seu país de origem, cerca de 3,4% do PIB do país, tornando a Índia o principal destinatário de remessas internacionais no mundo.

A diáspora indiana é geralmente educada e rica. Dois grandes exemplos do sucesso de seus descendentes são Kamala Harris, vice-presidente dos Estados Unidos, e Rishi Sunak, primeiro-ministro do Reino Unido.

E em meados do ano passado, Ajay Banga, nascido perto de Bombaim, foi nomeado presidente do Banco Mundial, uma das instituições financeiras mais importantes do mundo.

Os indianos ou descendentes de indianos também lideram gigantes da tecnologia como Google, IBM e Microsoft.

Desde que chegou ao poder em 2014, o primeiro-ministro Narenda Modi tem procurado estabelecer laços estreitos com seus compatriotas no exterior, a quem chama de "embaixadores da marca" Índia.

Ele sabe que ter uma diáspora de sucesso cria muitas vezes uma imagem positiva do país de origem e que pode contar com ela para promover os interesses do país no exterior.

"Não há dúvida de que a grande diáspora indiana que está atualmente espalhada pelo mundo, na qual me incluo, e também ajuda a aumentar a influência do país e o seu soft power", diz o economista Pushpin Singh, se referindo à estratégia de países para conquistarem poder e prestígio sem uso da força.

A influência da diáspora indiana não é nova, mas é cada vez mais visível.

"Os indianos no exterior desempenharam um papel fundamental na melhoria das relações entre os EUA e a Índia há duas décadas e isso possibilitou que ambos os países assinassem um acordo nuclear", disse Chietigj Bajpaee, pesquisador e especialista na questão nuclear de sul da Ásia da Chatham House, um instituto de pesquisa com sede em Londres.

Ele acredita que a dimensão da diáspora indiana, seu nível de educação, de riqueza e sua presença nas grandes potências fazem dela um ativo importante para a nação asiática.

Obstáculos internos

Narenda Modi em 2019

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Legenda da foto,Em 2019, Narenda Modi disse que só ele poderia tornar a Índia uma superpotência

Chietigj Bajpaee salienta que a Índia não obterá o status de superpotência em um futuro próximo e ainda enfrenta muitos desafios, tanto econômicos como sociais.

"A economia sofre com problemas estruturais. O próprio governo admite que dois terços da população indiana recebe algum tipo de ajuda alimentar: são quase 800 milhões de pessoas", afirma.

"Há também problemas de infraestrutura, de logística e a Índia ainda tem uma economia protecionista."

Bajpaee acredita que um indicador chave para saber se a Índia conseguirá emergir como uma superpotência será quando o país for capaz de substituir a China como motor econômico mundial. E quando se tornar uma alternativa na cadeia de suprimentos global, reduzindo a dependência com relação à China.

Modi acredita que isso vai acontecer.

"A Índia será o motor do crescimento no mundo", declarou o presidente durante uma visita à África do Sul no ano passado.

Ao final de 2023, o país consolidou o título de grande economia que mais cresce no mundo, com avanço anualizado de 8,4% nos últimos três meses do ano.

Abordar as crescentes disparidades entre o norte e o sul do país é também uma prioridade para muitos indianos.

Embora seja verdade que o país registrou um rápido crescimento nos últimos 20 anos, a riqueza não chegou a todos.

Em geral, o sul e o oeste do país (exceto Rajastão e Kerala) são mais ricos e mais desenvolvidos do que o norte, que é mais rural e populoso.

Enquanto no sul se pode ver uma Índia próspera, cheia de novas empresas e indústrias, milhões no norte vivem na pobreza e são os mais afetados pelo desemprego, um grande problema em nível nacional.

Apenas 40% da população em idade ativa da Índia trabalham ou querem trabalhar, de acordo com dados do ano passado do Centro de Monitoramento da Economia Indiana (CMIE).

O novo governo da Índia precisa criar empregos suficientes para sua população e incentivar a incorporação das mulheres no mercado de trabalho: apenas 10% das mulheres em idade ativa trabalhavam no final de 2022, segundo o CMIE.

Polarização

A polarização política também se tornou um grande problema.

Desde o século 19, persiste o dilema sobre se a Índia deveria ser uma nação secular ou hindu, já que cerca de 80% da população se identifica com esta religião.

O debate intensificou-se desde 2014, quando o partido nacionalista hindu BJP, de Modi, venceu as eleições.

A discriminação contra a população muçulmana aumentou.

A autora Devika Rege, que publicou recentemente Quarterlife, um romance sobre a transformação da Índia após as eleições de 2014, acredita que seu país está passando por uma onda de "desarmonia comunitária".

Ela diz que a sociedade se polarizou e que as liberdades civis foram comprometidas desde aquela eleição.

Tensões geopolíticas

Muitos também acreditam que o crescimento da Índia pode ser prejudicado devido à sua geografia.

"Esta é uma região com muitas tensões geopolíticas", explica o economista Pushpin Singh.

A Índia mantém uma relação muito tensa com o Paquistão, nação vizinha que também desenvolveu armas nucleares e disputa a região da Caxemira, onde os muçulmanos são maioria.

Ambos os países reivindicam toda a região, mas controlam apenas partes dela. Eles já travaram duas guerras e um conflito menor na região.

A Índia e a China, que também reivindica uma parte da Caxemira, discordam sobre a linha fronteiriça na região do Himalaia e já entraram em confronto no passado.

Desde a década de 1950, a China recusa-se a reconhecer as fronteiras concebidas durante a era colonial britânica.

Em 1962, isto levou a uma guerra breve mas brutal entre os dois países, que terminou em derrota militar humilhante para a Índia.

Mais recentemente, em 2020, ambas as potências voltaram a se enfrentar.

Os outros vizinhos da Índia incluem o Afeganistão e Mianmar, países que estão mergulhados em guerras civis. São conflitos que, segundo Bajpaee, prejudicam o crescimento e o potencial da Índia.

"A grande questão é se a Índia pode prosperar sem a sua região", afirma o pesquisador da Chatham House.

A maioria acredita que sim


Professor Edgar Bom Jardim - PE

'Estudantes protestam como contra Guerra do Vietnã': a crise nas universidades dos EUA por conflito em Gaza

 Manifestantes contra a guerra em Gaza na UCLA

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Legenda da foto,Na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), o domingo de protestos foi marcado por tensão

"Trouxe meus filhos para inspirá-los", diz Shaan Sethi enquanto levanta as crianças, de 7 e 9 anos, para que possam enxergar o que está além do bloqueio da segurança.

Estamos na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA, na sigla em ingês), uma das mais prestigiosas instituições de ensino superior dos Estados Unidos.

Do outro lado da cerca dupla, vigiada por agentes e "decorada" com faixas que dizem "Palestina Livre" ou "Parem o Genocídio", cerca de duzentos estudantes acampam desde quinta-feira (25/4) para exigir que a instituição se dissocie de empresas e indivíduos que "estão se beneficiando" da operação militar israelense em Gaza.

A incursão militar começou como uma retaliação ao ataque de 7 de outubro perpetrado por militantes do Hamas, que deixou 1.200 mortos e 240 reféns, segundo o governo israelense


"Esta sempre foi uma área aberta, onde os alunos descansavam na grama ou se reuniam entre as aulas", diz Sethi, que se formou em Economia Internacional neste mesmo campus anos atrás.

Ele conta que nunca tinha visto esta área cercada e rodeada por seguranças.

"Então, quis mostrar aos meus filhos, porque é algo inédito mas também para que eles entendam o país está polarizado atualmente", acrescenta.

Os campi universitários tornaram-se o maior reflexo da tensão que a guerra no Oriente Médio gera nos Estados Unidos e da divisão cada vez mais acentuada da sociedade americana frente ao apoio do governo americano a um aliado histórico: Israel.

Protestos e tensão crescente

Os protestos nas universidades americanas devido à guerra em Gaza não são uma coisa nova.

Eles têm ocorrido, com maior ou menor intensidade, desde o ataque do Hamas e o início da ofensiva israelense no território palestino.

Acompanhados de perto por parlamentares democratas e republicanos no Capitólio, fizeram com que vários responsáveis pelos principais centros universitários dos Estados Unidos comparecessem perante o Congresso.

Em janeiro, as polêmicas decorrentes desse conflito acabaram custando à então reitora de Harvard, Claudine Gay, o seu cargo.

Mas as mobilizações ganharam outra dimensão nas últimas duas semanas, depois que a polícia invadiu a Universidade de Columbia, em Nova York, e prendeu uma centena de estudantes pró-Palestina que estavam acampados no campus






Estudante com lenço árabe cobrindo o rosto

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Legenda da foto,Protestos estudantis se espalharam pelos centros de ensino superior em todo o país

Os estudantes continuam com os protestos em Columbia, correndo o risco de serem suspensos por não terem cumprido o prazo de remoção do acampamento estabelecido pelas autoridades da universidade — às 14h locais da segunda-feira (13h pelo horário de Brasília).

E não só as manifestações não pararam em Columbia, como se espalharam por universidades de todo o país, de Yale ao Instituto de tecnologia de Massachusetts (MIT), passando por Emory, Emerson, Tufts, Brown, Stanford e a Universidade do Texas em Austin.

A costa oeste não é exceção. A Universidade do Sul da Califórnia (USC), localizada em Los Angeles e um dos mais importantes centros educacionais privados do Estado, anunciou na quinta-feira que cancelaria sua cerimônia de formatura "dados os riscos de segurança representados pelos protestos".

Confronto de manifestantes pró e anti-Israel no campus da UCLA em Los Angeles em 28 de abril de 2024

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Legenda da foto,Confronto de manifestantes pró e anti-Israel no campus da UCLA em Los Angeles em 28 de abril de 2024

Mais a noroeste, no campus da UCLA, o dia de maior tensão ocorreu no domingo, quando manifestantes pró-palestinos se depararam com um contraprotesto promovido pelo Conselho Americano-Israelense.

A organização, fundada com a missão de "construir uma comunidade israelense-americana comprometida e unida que fortaleça a identidade israelense e judaica da próxima geração e o vínculo com o Estado de Israel" proclama em suas redes sociais que é "inaceitável que qualquer campus universitário se torne uma plataforma para atividades pró-terroristas e antiamericanas".

Cercas foram derrubadas, houve confrontos verbais, insultos, algumas escaramuças, uma mulher com ferimentos leves na cabeça.

A polícia do campus chegou por volta das 14h30 e as dezenas de pessoas reunidas foram convidadas a se dispersar.

"A UCLA tem uma longa história como local de protesto pacífico", afirmou Mary Osako, vice-presidente de Comunicações Estratégicas, num comunicado divulgado pela assessoria de imprensa da universidade. "Estamos consternados com a violência que eclodiu."

Nesta segunda-feira, só restou a segurança reforçada, uma calma tensa e o enorme telão e alto-falantes que os organizadores do contraprotesto colocaram na véspera no Dickson Plaza, num pedaço de gramado a poucos metros do acampamento estudantil cercado.

Adornada com faixas exigindo a libertação dos reféns e sublinhando o apoio a Israel, o aparato audiovisual continuava a transmitir repetidamente imagens do ataque de 7 de outubro, entrevistas com sobreviventes e mensagens de apoio de figuras da comunidade judaica.

"Queremos educar os estudantes e todos os que por aqui passam, mostrar-lhes o que o Hamas faz e o que este campus apoia quando gritam 'Intifada, intifada, revolução' ou 'Do rio ao mar'", lema que se refere à área geográfica entre o rio Jordão e o mar Mediterrâneo, diz um dos organizadores do contraprotesto, que afirma não ter vínculos com a universidade e pede para manter o anonimato.

Segurança no campus da UCLA em Los Angeles, 19 de abril de 2024

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Legenda da foto,Após os protestos de domingo, houve aumento da segurança no campus da UCLA

'Não me sinto bem-vindo'

"Estou desgostoso, enojado. É incrível que aqueles que se dizem ativistas a favor dos direitos humanos cantem e façam proclamações de morte e destruição”, acrescenta Alex Jacobs, que se identifica como estudante da UCLA, mas prefere não dizer de que faculdade.

Ele usa óculos escuros, boné e máscara para evitar ser reconhecido, enquanto aponta para os campistas.

"Entendo a necessidade de se manifestar, de expressar opiniões, mas como estudante judeu e pró-Israel não me sinto mais bem-vindo nesta universidade onde sempre sonhei estudar", diz Andrew Gerbs, estudante de Sociologia da UCLA, que chegou cedo para observar a situação e que, ao contrário de outros, está aberto a falar com os meios de comunicação e a deixar-se fotografar.

"Acho que posso falar por outros estudantes judeus. Isso nos gera ansiedade, nos distrai dos estudos, porque afinal isso é um centro de estudos", enfatiza, embora reconheça que as aulas continuam sendo ministradas normalmente no campus, algo que a BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC, também conseguiu verificar.

"Venham, venham conhecer a verdade!", grita uma mulher para vários estudantes que passam em frente à praça.

Mas já é meio-dia e os estudantes a ignoram e correm para outra parte do campus.

Lugar para ideias e debate

Acontece que para este horário, 12 horas, estavam previstas duas marchas simultâneas, convocadas pela Faculdade de Justiça na Palestina, que reúne professores e demais funcionários da universidade, e pelos Estudantes da UCLA pela Justiça na Palestina.

"Estamos com nossos alunos", diz a faixa levada por professores simpatizantes do acampamento.

Ouvem-se palavras de ordem a favor da libertação da Palestina. Outros cantos citam diretamente o primeiro-ministro israelense: "Diga-nos, Netanyahu, quantas crianças matou hoje?"

São dezenas de pessoas e alguns usam suas insígnias acadêmicas enquanto marcham pela rua Plaza Portola.

"A universidade é um lugar de ideias, de debate, e defendemos o direito dos estudantes de expressá-las, seu direito de mobilização", diz Ananya Roy, diretora fundadora do Instituto Luskin sobre Desigualdade e Democracia da UCLA e professora de Planejamento Urbano, Bem-estar Social e Geografia.

"Os estudantes protestam agora por Gaza como fizeram aqueles que protestaram pelo Vietnã", acrescenta.

Ela reconhece as diferenças, mas traça um paralelo com os protestos estudantis que, no final da década de 1960, acabaram por tomar conta da cena política nacional e são lembrados mais e mais entre aqueles que comentam a situação atual nos campi.

Alguns docentes e funcionários da  UCLA marcham sob uma faixa que diz 'Estamos com nossos estudantes' no campus universitário de Los Angeles na segunda-feira, 29 de abril de 2024

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Legenda da foto,Na segunda-feira (29/4), ocorreram duas marchas simultâneas na UCLA, organizadas por professores e alunos

"Onde vamos protestar se não aqui? Este é o lugar ideal para fazer isso", diz um estudante que prefere não revelar seu nome, mas que atua como contato de imprensa para uma coalizão estudantil.

"O que pedimos é que a Universidade da Califórnia pare de investir fundos naqueles que lucram com o genocídio em Gaza. E vamos protestar até conseguir", enfatiza ao lado da biblioteca Powell.

Enquanto isso, do outro lado da área do acampamento, pelos corredores do Royce Hall, centenas de estudantes marcham com a mesma reivindicação, alguns com keffias (lenços árabes) amarradas no pescoço ou cobrindo a cabeça, outros com camisetas pró-Palestina, muitos com máscaras.

"Antissionismo não é o mesmo que antissemitismo", diz uma das faixas que levantam.

"A terra pela qual você mata não lhe pertence", escreveram em outro pedaço de papelão.

"O poder do povo é mais forte do que o das pessoas no poder", diz outro cartaz.

"Invista na educação, não na guerra", clama mais um.

Uma manifestante pró-Palestina segura um cartaz no campus da UCLA em Los Angeles em 29 de abril de 2024

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Legenda da foto,As mobilizações na UCLA foram majoritariamente pacíficas

Não demora muito para perceberem que também há jornalistas entre os estudantes.

"Não fale com a imprensa", diz um dos estudantes que coordena o protesto. "Não deixe que fotos sejam tiradas."

Deixo-os avançar sob os arcos do corredor de onde se avistam as barracas de acampamento multicoloridas, refaço meu caminho e sigo para o outro lado do perímetro de segurança.

Lá, lembro-me da primeira conversa da manhã, com Sethi, o pai que tentava fazer com que seus filhos entendessem o mundo dividido em que vivemos.

"Digo a eles que são como dois times", ele me disse.

"Mas aí, eles me perguntam: 'E nós, em qual estamos?'"

Ao que Sethi respondeu: "Estamos entre aqueles que apoiam a paz."

  • Leire Ventas
  • Role,Correspondente da BBC News Mundo em Los Angeles
Professor Edgar Bom Jardim - PE