domingo, 16 de julho de 2017

A revolução de Aquenáton, o faraó que acabou com 2 mil deuses e instaurou o monoteísmo no Egito




Aquenáton e sua mulher, NefertitiDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionCasado com a famosa rainha Nefertiti, Aquenáton também era conhecido com Amenhotep IV

Desde o início de seu reinado, o faraó Aquenáton e sua mulher Nefertiti decidiram desafiar todo o sistema religioso do Antigo Egito. Dispostos a sacudir as bases de sua sociedade, eles criaram ideias que levariam o império à beira do abismo.
O casal começou a reinar durante os anos dourados da civilização egípcia, por volta de 1.353 a. C., quando o império era o mais rico e poderoso do mundo —as colheitas eram abundantes, a população, bem alimentada, os templos e palácios reais estavam cheios de tesouros e o exército obtia inúmeras vitórias contra todos os inimigos. Todos acreditavam que o sucesso vinha por conseguirem manter os deuses felizes.
Foi então que Aquenáton chegou ao trono com o ímpeto de modificar uma religião de 1,5 mil anos de idade.

Somente o sol

A ideia era revolucionária: pela primeira vez na história, um faraó queria substituir o panteão de deuses egípcios por uma única divindade — o deus Sol, ou Atón, o criador de todos.
A proposta era considerada uma heresia. Mas como o faraó era considerado um deus na terra, tinha poderes ilimitados para modificar o que quisesse. Ele decretou que os 2 mil deuses que eram adorados no Egito havia mais de um milênio estavam extintos. Suas aparências humanas e animalescas foram substituídas pela forma abstrata do Sol e de seus raios.



O sol no trono de Tutancâmon, que talvez tenha sido refeito para AquenatónDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionO sol era o único deus necessário para nova religião

Para os poderosos sacerdores tradicionais, que haviam dedicado suas vidas inteiras aos deuses antigos, a mudança de doutrina era uma catástrofe. Eles praticamente haviam governado o Egito, agora eram dispensáveis — e formavam um grupo perigoso de inimigos para Aquenáton.
No quinto ano de seu reinado, o faraó decidiu que deixaria a cidade de Tebas e se instalaria ao norte do rio Nilo.



LúxorDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionLúxor, à beira do rio Nilo, foi construída sobre as ruínas de Tebas

Rumo ao futuro

Àquela altura, era evidente que Aquenáton queria romper com o passado. Ele deu a Nefertiti igualdade de poderes e o título de Grande Esposa Real. Juntos eles viajam 320 quilômetros e mandaram construir uma cidade no local onde hoje fica o município de Amarna.
Sobre uma rocha que ainda existe nas colinas da região, está escrita uma proclamação pública composta por Aquenáton que explica o motivo que o levou a escolher precisamente aquele lugar. Ele teria sido comandado pelo próprio deus Sol, que o mandava edificar ali.
A comunicação teria sido feita por meio de um sinal: a região é cercada de colinas, e em certas épocas do ano o Sol se põe entre elas, criando a forma do hieróglifo do horizonte. Aquenáton interpretou isso como um sinal.



Sol se pondo entre colinas e formando o símbolo do horizonte
Image captionSol se pondo entre colinas e formando o símbolo do horizonte

Horizonte de Atón

Millhares de pessoas de Tebas foram trazidas para construir, decorar e administrar a nova capital, que chegou a ter população de 50 mil pessoas.
A cidade tinha poços, árvores e jardins florescendo no meio do deserto. Casas, palácios e templos ao deus único foram criados em tempo recorde.
O local foi batizado de Ajetatón —horizonte de Aton— e se tornou o novo coração político e religioso do império, e o centro de um novo culto.
Não só a capital e a religião mudaram. A revolução iniciada pelo casal real trouxe outras novidades: nos costumes.



Retrato da família real
Image captionGravuras que retratam a vida íntima da família real eram uma novidade
Retrato da família realDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionPela primeira vez a família real era retratada demonstrando afeto

Gravuras cheias de detalhes encontradas em Amarna mostram momentos íntimos da vida da família real, como Aquenáton e Nefertiti abraçando suas filhas. Até então, nenhuma família real egípcia havia sito retratada em demonstrações de carinho.
São obras espontâneas e cheias de vida se comparadas com a arte egípcia anterior, que tende a ser mais estática e monumental.
As estátuas do faraó que ainda existem possuem as mesmas qualidades. A sua postura, de pé, com os braços cruzados sustentando insígnias reais, é comum. Mas sua fisionomia é completamente diferente da dos soberanos que vieram antes e depois, que costumam ter semblantes fortes e viris.
Aquenáton, ao contrário, tem um rosto comprido, com um nariz grande que aponta para sua barba. Seus inusitados lábios carnudos, seus quadris largos e sua barriga um pouco proeminente remetem a uma sensualidade feminina.



Estátua de AkenatónDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionNão restaram muitas estátuas do faraó

Oração ao ar livre

A arquitetura do período também demonstra um desejo de romper com o passado. Os templos tradicionalmente fechados se afunilavam, com o piso levemente levantado e o teto caído, e pouquíssima entrada de luz.
O culto ao Sol trouxe santuários ao ar livre, algo que nunca havia sido feito em grande escala.



Estátua de Aquenatón e NefertitiDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionO casal real começou a acreditar que era divino

Em certo momento, os únicos fiéis autorizados a entrar nos templos eram o faraó e sua mulher. A partir de textos encontrados nos dias de hoje, os estudiosos teorizam que Aquenáton e Nefertiti passaram a acreditar que somente eles podiam se comunicar com Aton. O faraó seria filho de Deus e Nefertiti também seria divina - os súditos deveriam adorá-los.
Foi o ápice de sua revolução religiosa.

Queda

No entanto, as coisas começaram a desandar. Os súditos não haviam de fato abandonado a adoração aos outros deuses, então Aquenáton ordenou que todas as imagens dos deuses antigos fossem destruídas, especialmente as do deus maior do panteão, Amon-Rá.
Também mandou seus soldados apagarem a memória de todos os deuses em suas terras. No fim de seu reinado, sua revolução se enfraqueceu - como ele se recusava a sair da nova cidade, era visto como fraco e o império como vunerável a invasões.



Tábuas de escrita do período
Image captionTábuas de argila encontradas em Amarna revelam a natureza do problema enfrentado pelo faraó

Tábuas de argila encontradas em Amarna mostram o estado em que se encontrava o império. Uma delas foi enviada pelo governante de um dos países vizinhos protegidos pelo faraó. Ele pedia que o Egito enviasse tropas para ajudá-lo a manter os hititas, inimigos do império, sob controle.
"Já pedi, mas não fui respondido. Não me enviaram a ajuda de que preciso", se queixava o governante. Aquenáton nunca enviou tropas e o Estado vizinho caiu nas mãos dos hititas — o exército estava tão ocupado em missões de perseguição religiosa que o Egito perdeu territórios, poder, posses e status no continente.

Muitas tragédias

Nas paredes do túmulo de Aquenáton está gravado o drama da família.



Escultura do rosto de AquenatónDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionMortes na família enfraqueceram Aquenatón ainda mais

Apesar de estar muito danificada, é possível ver uma cena de luto. Umas das princesas morreu e seus pais aparecem chorando - algo sem precedentes, já que as famílias reais jamais demonstravam emoções em público.
Outras evidências indicam que Aquenáton perdeu mais de uma filha, provavelmente por causa da peste, que arrasava a região na época.
Epidemias do tipo podiam matar até 40% da população, e, como era faraó, Aquenáton era considerado pessoalmente responsável pela desgraça. Para os súditos, a catástrofe era resultado de uma ofensa feita aos antigos deuses.
No pico da crise, a rainha Nefertiti morreu e o soberano perdeu a mulher que o havia acompanhado desde o princípio.



Busto de NefertitiDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionNefertiti era conhecida por sua beleza e por suas qualidades como governante

Paraíso perdido

O paraíso de Aquenáton estava à beira do colapso. O Egito estava perdendo sua riqueza e poder.
Treze anos depois da fundação de sua cidade, Aquenáton morrreu. Há quem acredite que ele tenha sido assassinado para que seu reinado terminasse.
A cidade foi abandonada e, mais tarde, sistematicamente destruída e apagada dos registros. Também foram esquecidos o culto à Atón e o próprio Aquenáton, que durante muito tempo só foi lembrado por ser, segundo indicam os registros, o pai do grande Tutancâmon, seu sucessor.



Máscara mortuária de TutankamónDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionTutancâmon é o mais famoso dos 170 faraós que se estima terem governado o Egito

Foi Tutancâmon quem resgatou os antigos deuses e restaurou o poder e a prosperidade do Egito. Os sacerdotes voltaram a ter seu antigo poder, e a vida voltou à normalidade.
Nenhum outro faraó egípcio voltou a tentar mudar a ordem estabelecida e desafiar a religião tradicional. Os que vieram após Aquenáton se esforçaram por destruir todos os registros de seu culto herege.
Suas estátuas foram derrubadas e as pedras dos templos usadas como material para a construção de novos prédios. As rochas esculpidas foram escondidas que ninguém voltasse a vê-las.
Isso acabou preservando-as para a posteridade: na década de 1920, elas começaram a reaparecer. Muito do que sabemos de Aquenáton e do culto a Atón vem delas.
Fonte:BBC.
Professor Edgar Bom Jardim - PE

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