sábado, 11 de fevereiro de 2023

Publicado pelo Exército, livro que diz que yanomamis não existem inspirou políticas que levaram a crise humanitária


Capa do livro mostra homem loiro de olhos azuis segurando máscara com feições indígenas
Legenda da foto,

Em 1995, a editora da Biblioteca do Exército publicou 3.000 exemplares de 'A Farsa Ianomâmi'

Em meio à grave crise humanitária que atinge os indígenas yanomami, textos com teorias conspiratórias sobre esse povo voltaram a ser lidos em blogs e compartilhados nas redes sociais.

Em comum, eles reproduzem citações e argumentos de um livro publicado em 1995 pela editora da Biblioteca do Exército e escrito pelo falecido coronel Carlos Alberto Lima Menna Barreto.

Com acusações não comprovadas e um conjunto de documentos controversos, A Farsa Ianomâmi insinua, em linhas gerais, que um povo identificado como yanomami não existia antes que a fotógrafa Claudia Andujar e organizações internacionais com interesses na Amazônia o inventassem para, com isso, se beneficiarem da demarcação da terra indígena (leia abaixo informações que refutam esses argumentos do livro).

O Exército publicou 3.000 exemplares do livro em 1995, mesmo ano em que morreu Menna Barreto



Hoje, o livro circula em arquivos compartilhados gratuitamente pela internet e foi recomendado algumas vezes por Olavo de Carvalho (1947-2022), como mostram textos de seu site e seus programas de aula.

Além da influência de Carvalho, guru de parte da direita, dois especialistas entrevistados pela BBC News Brasil apontam que a relação entre o livro e a política conduzida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em seus quatro anos de governo (2019-2022) é maior.

"Com certeza esse livro ressoa ao longo do governo Bolsonaro. Inclusive, eu comecei a estudar esse livro a partir do discurso do Bolsonaro em 2019 na ONU (Organização das Nações Unidas). Quando eu escutei aquela fala, eu lembrei do livro, que eu tinha lido por curiosidade. A fala tinha total correspondência com o livro”, diz o historiador João Pedro Garcez, que teve A Farsa Ianomâmi como um de seus objetos de estudo no mestrado na Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Capa do livro "A Farsa Ianomâmi"

"Parece que o governo Bolsonaro fez um tipo de gestão de acordo com o livro porque, neste, os indígenas são colocados como uma massa de manobra de interesses estrangeiros. Então, eles são vistos como inimigos do Brasil. Dentro dessa racionalidade, faz sentido deixá-los na beira da morte, porque eles não fazem parte da ideia de Brasil que está presente no pensamento militar", acrescenta o pesquisador, referindo-se à crise humanitária entre o povo yanomami.

Não se sabe se Bolsonaro leu A Farsa Ianomâmi ou não, mas o que Garcez e outro entrevistado, o geógrafo francês François-Michel Le Tourneau, afirmam é que o livro simboliza as posições do ex-presidente e aliados acerca dos indígenas e da Amazônia.

No Telegram, Bolsonaro afirmou que as acusações de descaso de seu governo com os indígenas eram uma "farsa de esquerda" e defendeu que a saúde indígena foi uma das prioridades da sua gestão.

Bolsonaro sorrindo e conversando com três indígenas

CRÉDITO,GETTY IMAGES

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Governo Bolsonaro foi marcado pela defesa da mineração em terras indígenas e pela não demarcação de áreas protegidas para esses povos

A conduta do antigo governo nessa área está passando agora por intenso escrutínio, depois que o site jornalístico Sumaúma revelou fotos e dados da sofrida situação da saúde de crianças, adultos e idosos yanomami.

No final de janeiro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso pediu a abertura de uma investigação sobre "a possível participação de autoridades do governo Jair Bolsonaro na prática, em tese, dos crimes de genocídio, desobediência, quebra de segredo de justiça, e de delitos ambientais relacionados à vida, à saúde e à segurança de diversas comunidades indígenas".

Na decisão, Barroso menciona haver evidências de "ação ou omissão" do antigo governo que agravaram a situação dos yanomami. Um exemplo trazido pelo ministro do STF foi a publicação, no Diário Oficial, de data e local de uma operação sigilosa contra o garimpo ilegal em território yanomami, o que pode ter alertado os invasores.

Indígenas vistos como 'ameaça'

Carlos Alberto Lima Menna Barreto se apresenta, logo no início de sua obra, como um “gaúcho natural de Porto Alegre, oriundo de tradicional família de militares”. Foi em 1968 que, segundo o próprio, ele “travou os primeiros contatos com a Amazônia, que a partir dessa data o seduziu”.

Em Roraima, Menna Barreto atuou como primeiro comandante do 2º Batalhão Especial de Fronteira e do Comando de Fronteira e, após ir para a reserva, foi secretário de Segurança do Estado.

Nas páginas finais de sua obra, o coronel propôs algumas ações. A primeira recomendação era a anulação da criação da reserva yanomami — homologada em 1992 —, por conta das “fraudes” que o militar disse ter apresentado no livro. Uma segunda proposta consistia em “regulamentar a exploração do ouro, do diamante e de outros minérios por pessoas físicas e empresas”.

Talvez essas bandeiras lembrem posições de Jair Bolsonaro.

Quando deputado federal, o então capitão da reserva pediu, em 1993, a anulação da demarcação da terra indígena yanomami; quando presidente, ele declarou em diversas ocasiões que não haveria mais demarcação de terras indígenas em seu governo.

Em fevereiro de 2022, o então presidente comemorou que na sua gestão no Planalto “não foi demarcada nenhuma terra indígena”.

Por longos anos, Bolsonaro também defendeu o garimpo em terras indígenas e, na presidência, agiu nesse sentido. Veio do Executivo, por exemplo, um projeto de lei de 2020 que tentou regulamentar a mineração nessas áreas protegidas — mas a proposta acabou não avançando.

Mulher indígena de costas, segurando criança no colo

CRÉDITO,RAPHAEL ALVES/EPA-EFE/REX/SHUTTERSTOCK

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Uma mulher indígena yanomami e um bebê próximos a à Casa de Saúde Indígena em Boa Vista (RR)

Autor de livros e pesquisas sobre os yanomami e a Amazônia, o francês François-Michel Le Tourneau identifica três grupos de pressão sobre o governo Bolsonaro que buscaram limitar direitos do indígenas: os ruralistas, as igrejas evangélicas e os militares.

Para Tourneau, o general Augusto Heleno, então chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e ex-comandante militar da Amazônia, era uma figura emblemática de uma geração de oficiais e generais que vê a Amazônia como um ponto vulnerável para a unidade nacional brasileira.

“O fato de ter deixado a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e os índios do Brasil completamente abandonados por quatro anos era realmente isso. Para eles, se fomentava dentro da Funai um movimento de desmembramento do Brasil e se defendia que esses territórios estavam cheios de riquezas que precisavam ser exploradas”, diz o geógrafo, diretor de pesquisas do Centre National de la Recherche Scientifique, na França.

“Os índios do Brasil não têm nenhum interesse em independência política. Há uma confusão, pois eles podem querer autonomia, mas autonomia não é independência”, explica o francês, que diz ter “aprendido a viver” com as suspeitas que desperta por ser um estrangeiro estudando a Amazônia.

Para Torneau, o livro A Farsa Ianomâmi é mais um exemplo dessa interpretação de um segmento dos militares sobre os indígenas da Amazônia.

“Por que o governo Bolsonaro recebeu bem esse tipo de teoria, ou até mesmo propagou esse tipo de teoria [do livro]? Porque o fundo ideológico e cultural deles está fundamentando sobre a ideia de que as identidades indígenas de certa forma são uma ameaça ao Brasil.”

Segundo o catálogo online do Exército, há hoje 56 exemplares do livro espalhados por bibliotecas da força pelo Brasil — 12 deles estão em colégios militares, que oferecem ensino fundamental e médio.

Reação militar à Constituição de 1988

O historiador João Pedro Garcez lembra de estudos que já demonstraram que, em 1988, ano de promulgação da Constituição, e em 1992, ano de realização da conferência Eco-92 no Rio de Janeiro, aumentou a produção acadêmica militar sobre a Amazônia.

“Eu acredito que tanto esse crescimento quanto a publicação do livro A Farsa Ianomâmi têm a ver com uma reação dos militares à Constituição Federal, que defende a autodeterminação dos povos, e por consequência a demarcação das terras indígenas; e a própria Eco-92, que trouxe muito forte para o Brasil a discussão ambiental”, diz Garcez, doutorando em história na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

O historiador aponta que o autor de A Farsa Ianomâmi usou muitos artigos de opinião publicados em jornais para validar seus argumentos, ao mesmo tempo em que se valeu de sua experiência em Roraima. O livro é escrito em primeira pessoa.

“Ele reivindicava muito essa autoridade testemunhal. O livro tem uma característica autobiográfica”, explica Garcez.

Menna Barreto também traz no livro um documento datado de 1981 e atribuído ao Conselho Mundial de Igrejas Cristãs, que teria sede na Suíça. O texto, reproduzido inicialmente pelo jornal O Estado de S.Paulo, expõe planos de “infiltrar missionários e contratados, inclusive não religiosos, em todas as nações indígenas”. Mas a veracidade do documento é controversa.

Texto datilografado

CRÉDITO,REPRODUÇÃO

Legenda da foto,

Trecho de relatório de comissão parlamentar de 1987 afirma que acusações sobre 'conspiração internacional' por conselho de igrejas cristãs não foram confirmadas

Em 1987, foi criada uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para apurar denúncias “formuladas pelo jornal O Estado de S.Paulo, referentes a uma conspiração internacional envolvendo restrições à soberania nacional sobre a região amazônica”, segundo documentos do Congresso.

Após investigação, o relator concluiu “que a instituição ‘Conselho Mundial de Igrejas Cristãs’, elemento-chave das denúncias, não teve sua existência confirmada […]. Ao contrário, todas as entidades consultadas negaram conhecer sua existência”.

Menna Barreto recorreu também a relatos de viajantes europeus de séculos passados para sustentar o argumento de que a identificação yanomami não era citada. Assim, o coronel defendeu um dos principais argumentos de seu livro: o de que os yanomami não existem e foram inventados por interesses alheios.

“Ele ignora toda a produção antropológica contemporânea a ele. Essa produção mostra que os yanomâmi são um supergrupo e que tem divisões dentro desse supergrupo”, afirma Garcez.

A antropóloga e indigenista Hanna Limulja explica que os indígenas que compõem o grande território yanomami podem até se referir com outras palavras a seus subgrupos, mas que a consideração deles como yanomami pelos especialistas não é nada arbitrária.

“Por que esse povo é considerando yanomami? Porque eles compartilham um território, práticas culturais, uma língua. O yanomami é uma língua isolada, é um tronco, e dentro disso você pode ter variações. Por exemplo, o latim é um tronco, e aí você tem variações como o português e o espanhol, que são próximos”, aponta Limulja.

“O fato de a gente catagorizar os yanomami ou não não quer dizer que a gente invente um povo. O povo está lá. A gente o define da maneira que a gente consegue, com nossos estudos, dentro das nossas categorias.”

Exército afirma que livro não é usado pedagogicamente

François-Michel Le Tourneau explica que boa parte do conteúdo de A Farsa Ianomâmi é uma “cópia” de teorias conspiratórias abastecidas nos anos 1990 pelo americano Lyndon LaRouche.

“Para mim, o mais importante nesse livro não é só o autor, mas quem publicou. Ele foi publicado pela Biblioteca do Exército, e isso dá um peso para o livro”, aponta o geógrafo.

A reportagem enviou perguntas ao Exército brasileiro, que foram parcialmente respondidas. Em nota, o Exército informou que, apesar de exemplares de A Farsa Ianomâmi estarem em colégios militares, “a obra não consta da lista de livros paradidáticos constantes das Normas de Planejamento e Gestão Escolar (NPGE) do Sistema Colégio Militar do Brasil”.

Por isso, não está “autorizada nenhuma atividade pedagógica com o livro nos Colégios Militares”.

A BBC News Brasil também tentou entrevistar líderes yanomami mas, em meio à crise humanitária no território, não pôde ser atendida por falta de disponibilidade.

Também foi oferecida uma oportunidade de posicionamento à fotógrafa Claudia Andujar, por meio do contato com uma galeria de arte que a representa. Não houve retorno. Em 2010, porém, foi publicada uma entrevista em que a artista aborda o livro A Farsa Ianomâmi.

Segundo ela, o livro foi construído em um período em que ela participou dos esforços para a demarcação da terra yanomami.

“Olha, naquela época, fui muito perseguida pelos militares que estavam na presidência e nas diretorias da Funai. Apesar de tudo isso, e graças a bons contatos políticos em Brasília, conseguimos a demarcação das terras. Mas em Roraima continuei odiada. Esse cara que escreveu sobre mim era de lá. Saíram tantas notícias negativas contra nosso trabalho que você nem imagina. Saiu publicamente que eu era uma espiã americana, depois que era uma espiã belga, coisas simplesmente absurdas. Eu não tenho nada haver com a Bélgica”, disse Andujar, em entrevista a uma revista acadêmica.

Página de livro com capítulo 'A traição oficial'
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Coronel do Exército que atuou por anos em Roraima escreveu livro reivindicando sua experiência na região

Circulação deveria ser restrita?

Apesar de criticarem o conteúdo do livro e sua disseminação pelo Exército, os especialistas entrevistados pela BBC News Brasil opinam que não deveria haver algum tipo de restrição à circulação de A Farsa Ianomâmi.

“Até pensando no caso do meu estudo, eu acho que ele é uma obra sintomática de um pensamento militar acerca dessas das questões indígena e ambiental. Eu entendo que ele reproduz e talvez até dissemine algumas ideias que são bem problemáticas, mas não acredito que a censura ou a tentativa de tirar ele de circulação não seja o meio mais efetivo de combater ele”, diz Garcez.

“E algo muito presente no livro e na circulação dele é a colocação de que há uma grande conspiração para deixar tudo aquilo escondido. Então, retirando-o de circulação, talvez acabe validando mais esse ponto.”

François-Michel Le Tourneau concorda.

“Acho que, se você começar a andar do lado da censura, é um caminho sem volta. Acredito que é mais interessante se produzir um outro livro que demonstre os equívocos com argumentos mais sólidos”, sugere o pesquisador francês.

  • Mariana Alvim
  • Role,Da BBC News Brasil em São Paulo
Professor Edgar Bom Jardim - PE

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

Em clima amistoso, Biden e Lula falam sobre proteger democracia e meio ambiente na Casa Branca



Lula e Biden conversam e dão risada

CRÉDITO,MARIANA SANCHES/BBC

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O clima do encontro entre os presidentes foi descontraído

O encontro entre os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e dos EUA, Joe Biden, teve abraços, sorrisos, risadas, descontração e um clima de cumplicidade.

Em uma conversa inicial de 13 minutos, testemunhada pelos jornalistas no salão oval da Casa Branca, Lula citou a emergência climática, Biden fez uma defesa da democracia e arrancou risos da plateia ao fazer uma piada comparativa entre o ex-presidente americano Donald Trump e o ex-mandatário brasileiro Jair Bolsonaro.

"O Brasil ficou 4 anos se auto-marginalizando, o ex-presidente não gostava de manter relações com nenhum país. O mundo dele começava e terminava em fake news, de manhã, à tarde e à noite. Ele parecia desprezar relações internacionais", disse Lula, em crítica a Bolsonaro.

Neste momento, Biden o interrompe e dispara: "Soa familiar para mim", arrancando risos de Lula e de jornalistas na sala


O presidente americano começou sua fala dizendo que Lula era "bem-vindo de volta" à Casa Branca, em uma menção ao fato de que o petista já fora recebido ali durante seus primeiros mandatos


"As nossas duas nações são democracias fortes e foram testadas, duramente testadas. Em ambos os casos a democracia prevaleceu", afirmou Biden, em uma referência aos ataques ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, e à Praça dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023.

Ambos os presidentes viam grande simbolismo em seu encontro, uma espécie de manifesto da força da democracia.

Biden disse que esse é um "momento muito importante para os nossos países e para o mundo" e relembrou que telefonou para Lula no dia 9 de janeiro para afirmar "apoio incondicional à democracia do Brasil".

Também disse que no mesmo telefonema percebeu que "nossas agendas pareciam muito semelhantes" e agradeceu a parceria do Brasil.

"Somos as duas maiores democracias do hemisfério e Brasil e EUA se unem para rejeitar a violência política e os ataques às nossas instituições. Acredito que devemos continuar a defender juntos os valores democráticos que constituem o núcleo da nossa força não só no nosso hemisfério mas no mundo", disse Biden.

Prevista para durar 15 minutos, a conversa entre os dois presidentes chegou a 50 minutos. Na sequência, eles teriam ao menos mais 45 minutos de encontro acompanhados de seus ministros.

O comportamento de Biden diante de Lula contrasta com o modo como o mandatário americano se posicionou diante de Jair Bolsonaro, em meados do ano passado, durante a Cúpula das Américas, em Los Angeles.

Bolsonaro e Biden mal trocaram olhares e toda a reunião, incluindo a participação dos ministros, durou 50 minutos.

Biden, Lula e ministros dos dois se encontram na Casa Branca

CRÉDITO,RICARDO STUCKERT/PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

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Reunião pública foi seguida de encontro com presença de ministros

'EUA podem contar com o Brasil'

Em resposta à fala inicial de Biden, Lula afirmou que os EUA podem contar com o Brasil.

"Os Estados Unidos representam muito na relação com o Brasil", disse o presidente. E seguiu: "Nós agora temos alguns problemas para trabalhar juntos: nunca mais permitir que haja um novo capítulo do Capitólio, e que nunca mais haja o que aconteceu no Brasil, uma invasão no Congresso Nacional, do Palácio do presidente e da Suprema Corte".

Na sequência, Lula afirmou que os dois países precisam trabalhar para resolver a desigualdade econômica e racial e então enveredou pelo tema sobre o qual mais falaria: a questão ambiental.

"Nos últimos anos, a Amazônia foi invadida pela irracionalidade política, irracionalidade humana, porque nós tivemos um presidente que mandava desmatar, mandava garimpo entrar nas áreas indígenas e mandava garimpar nas florestas que nós demarcárvamos como reserva na Amazônia", afirmou Lula, em referência indireta à crise humanitária e ambiental na Terra Indígena Yanomami.

Biden já disse mais de uma vez que gostaria de criar um fundo para preservar a Amazônia.

Durante o governo Bolsonaro, o enviado climático de Biden, John Kerry, e sua equipe mantinha diálogos mensais com a equipe ambiental de Bolsonaro pressionando por reduções dos índices de desmatamento - o que nunca ocorreu ao longo do governo.

Assim, os americanos jamais concretizaram o envio de recursos à Amazônia. Agora, porém, em um movimento unilateral, pretendem fazer um aporte ao Fundo Amazônia, constituído originalmente por Alemanha e Noruega e que havia sido congelado sob Bolsonaro.

"Eu assumi o compromisso de que até 2030, nós vamos chegar ao desmatamento zero na Amazônia. Nós vamos fazer um esforço muito grande para transformar a Amazônia não num santuário da humanidade, as no centro de pesquisa compartilhada com o mundo inteiro", disse Lula, enquanto Biden assentia com a cabeça e cruzava os dedos.

Lula disse que é urgente proteger o meio ambiente, pelo bem da humanidade.

“A questão climática, se não tem uma governança global forte, que tome decisões que todos os países sejam obrigados a cumprir, não vai dar certo. Não sei qual o foro certo. Não sei se é a ONU, o G20 ou G8. Mas alguma coisa temos de fazer para obrigar os países, os congressos e empresários a acatar decisões que tomamos em níveis globais", afirmou.

No ano que vem o Brasil assume a presidência do G-20 e quer criar um "clube de paz" para negociar o fim da guerra na Ucrânia.

Guerra na Ucrânia

Lula e Biden também discutiram a guerra na Ucrânia - área onde há menos consenso entre os dois líderes.

Enquanto os EUA condenam a invasão feita pela Rússia, o atual presidente brasileiro tem seguido a postura história de se manter neutro em conflitos internacionais, apenas pedindo por paz.

No comunicado em conjunto com Biden, no entanto, incluiu uma linguagem mais dura à Rússia, lamentando a "violação da integridade territorial da Ucrânia pela Rússia e a anexação de partes de seu território como violações flagrantes do direito internacional".

Os presidentes afirmaram que conclamam "uma paz justa e duradoura".

"Os líderes expressaram preocupação com os efeitos globais do conflito na segurança energética e alimentar, especialmente nas regiões mais pobres do planeta", diz o comunicado.

Após o encontro, o presidente Lula afirmou que pretende criar um "grupo da paz" para intermediar uma solução para o problema com a presença apenas de países que não estejam direta ou indiretamente ligados ao conflito.

"Falei com o Biden o que eu já tinha falado com (o presidente francês Emmanuel) Macron e com o premiê alemão Olaf Scholz. Que nós temos que criar um grupo de países que não estão envolvidos direta ou indiretamente na guerra para que a gente encontre uma possibilidade de chegar à paz", afirmou Lula.

"É preciso um grupo de negociadores nos quais os dois lados acreditem e com os quais os dois lados possam contar."


  • Mariana Sanches
  • Role,Da BBC News Brasil em Washington
Professor Edgar Bom Jardim - PE