domingo, 30 de outubro de 2022

Lula eleito presidente: relembre a trajetória política do petista da infância ao Palácio do Planalto





Apoiadores

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Apoiadores de Lula comemoram vitória na avenida Paulista

Com 99,9% das urnas apuradas, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) confirmou oficialmente que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está eleito para a Presidência da República, derrotando em segundo turno o atual presidente, Jair Bolsonaro (PL), por 50,9% a 49,1%.

Será, a partir de janeiro, a terceira vez em que Lula assumirá o comando do governo brasileiro — eleito pela primeira vez em 2002, ele havia sido reeleito em 2006 e governou até 2010, quando conseguiu eleger sua sucessora, Dilma Rousseff.

Relembre a seguir a trajetória do petista.

Mapa de votos para Lula e Bolsonaro por Estado no Brasil

Origem e raízes políticas

Lula nasceu em 27 de outubro de 1945 na localidade de Caetés — hoje município, na época parte da cidade de Garanhuns —, em Pernambuco.


Aos sete anos de idade, migrou com a família liderada por sua mãe, Dona Lindu, para o Guarujá, no litoral paulista.

A viagem de quase duas semanas foi feita em um caminhão "pau de arara", como era comum na época.

Chegou a São Paulo apenas em 1956. Estabeleceu-se com a família nos fundos de um bar no bairro do Ipiranga, bairro operário onde criaria seu instituto décadas mais tarde.

Lula sendo carregado após comício com sindicalistas em 1979, em São Bernardo

CRÉDITO,AFP

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Lula após comício de sindicalistas em 1979; no Sindicato dos Metalúrgicos, ele lançou as greves de operários que contribuíram para o enfraquecimento da ditadura militar


O primeiro passo para se transformar em político veio em 1962, quando formou-se torneiro mecânico em um curso do Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial). Um ano depois perderia o dedo mínimo da mão esquerda, o que se tornaria uma das suas principais marcas, ao lado da barba farta e da voz rouca.

Casou-se três vezes. A mais recente, em maio de 2022, foi com a socióloga e militante do PT Rosângela Silva, a Janja. A primeira mulher, Maria de Lourdes, morreu em 1970 por conta de uma gravidez de risco, assim como seu primeiro filho. Em 1974, Lula conheceu a também viúva Marisa Letícia (1950-2017), e do casamento nasceram quatro filhos.

Marisa esteve ao lado de Lula em toda sua carreira política, mas o ex-presidente a valorizava ainda mais pelos primeiros anos, quando ela o apoiou desde sua primeira eleição como presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em 1975.

A partir dali ele lançou as greves de operários que contribuíram para o enfraquecimento da ditadura militar (1964-1985). Mas mesmo entre os maiores inimigos cultivou algumas amizades. Era o caso do ex-chefe da Polícia Federal Romeu Tuma, que o liberou da prisão para acompanhar o velório da mãe, em 1980.

Partido dos Trabalhadores

Foi o mesmo ano em que sua carreira político-partidária começou, com a fundação do Partido dos Trabalhadores (PT).

Em 1982, com uma plataforma radical defendida por intelectuais do partido, Lula disputou o governo do Estado de São Paulo e terminou em quarto lugar, com menos de 10% dos votos. Logo depois fundaria a CUT (Central Única dos Trabalhadores) e participaria do movimento Diretas Já, pela volta da democracia.

Lula com FHC, Marisa e José de Alencar em sua primeira cerimônia de posse, em 2003

CRÉDITO,MARCELLO CASAL JR./AG BRASIL

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Lula com FHC, Marisa e José Alencar em sua primeira cerimônia de posse, em 2003; petista chorou na titulação dizendo que o diploma de presidente da República era o primeiro de sua vida

O movimento não teve resultado imediato, mas a possibilidade de os brasileiros voltarem a votar para presidente reapareceu em 1985, em uma votação no Congresso. Lula, por sua vez, defendeu a abstenção dos deputados petistas na eleição indireta de Tancredo Neves à Presidência da República.

Parlamentares que se rebelaram contra a decisão acabaram expulsos do partido, contra a vontade de Lula. Tancredo morreu antes de tomar posse como presidente. Quando José Sarney assumiu, o PT migrou para a oposição.

Em 1986, Lula se tornou o deputado federal mais votado do país, para participar da Assembleia Constituinte.

O papel discreto não o afastou da candidatura à Presidência da República pela primeira vez, 1989.

Lula e Marisa Letícia na posse em 2007

CRÉDITO,RICARDO STUCKERT/PR

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Modelo econômico começou a dar sinais de cansaço no segundo mandato de Lula

Mas Lula perdeu o segundo turno para Fernando Collor de Mello. Dois anos depois, o petista estaria nas ruas para pedir o impeachment de Collor, acusado de corrupção. Quando Itamar Franco tomou o lugar de Collor, Lula recusou cargos no governo.

Em nova disputa nas urnas, acabou derrotado em 1994 por Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, que foi ministro de Itamar e um dos idealizadores do Plano Real, chamado por Lula de "estelionato eleitoral".

Foi um choque para o petista, que meses antes chegara a cogitar a formação de uma chapa moderada ao lado do tucano Tasso Jereissatti como vice. Os planos foram barrados por radicais no PT. Quatro anos depois, surpreendido pela emenda que passou a permitir a reeleição, perdeu novamente para FHC, no primeiro turno.

A impopularidade de FHC em seu segundo mandato tornava a vitória de Lula mais provável em 2002. Além das mudanças políticas e econômicas, Lula abraçou o marketing político como centralizador das mensagens eleitorais.

Um dos pontos cruciais foi a chamada "Carta ao povo brasileiro", em que Lula acalmava o mercado com promessas de manter os pilares macroeconômicos do antecessor e governar com responsabilidade fiscal. Um empresário, José Alencar, se tornou seu confidente e vice-presidente por oito anos.

O sucesso lhe garantiu a vitória contra o também tucano José Serra.

Lula chorou na cerimônia de titulação no Tribunal Superior Eleitoral dizendo que o diploma de presidente da República era o primeiro que tinha ganhado na vida.

A antiga assessora Clara Ant, que coordenou iniciativas de Lula nos últimos 30 anos, define o ex-presidente como "um notório pragmático." "Lula só rompia com os radicais. Mas não dizia nada, esperava até os radicais romperem com ele primeiro. Foi assim como sindicalista e foi assim como político também. Ele só quer saber do que pode dar certo."

No poder, da popularidade ao mensalão

Em seu governo, iniciativas difusas até então se transformaram no unificado Bolsa Família, um programa de transferência de renda voltado aos mais pobres que em 2022 acabou extinto para dar lugar ao Auxílio Brasil, programa do governo de Jair Bolsonaro.

Sob Lula, o que seria uma reforma da Previdência para garantir direitos trabalhistas transformou-se em um aceno ao mercado para lidar com deficit galopante.

Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa durante julgamento do mensalão

CRÉDITO,AG BRASIL

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Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa durante julgamento do mensalão; escândalo marcou governo Lula

Popular internamente, Lula ganhou fama internacional, sobretudo pelas medidas de combate à pobreza. Ficou famoso, em 2009, em reunião do G20, o momento em que o então presidente americano Barack Obama o chamou de "o cara".

O boom das commodities, o avanço de políticas de crédito e a emergência de uma nova classe média geraram anos de crescimento econômico e aumento do consumo, mas no fim do governo Lula esse modelo econômico já dava mostras de esgotamento.

Na política, veio o escândalo do mensalão, em 2005, em que ministros centrais do governo Lula foram acusados de compra de apoio político no Congresso.

Depois de perder para denúncias o seu ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, e de ver seu amigo Delúbio Soares, tesoureiro do PT, apontado como artífice do esquema, Lula se disse "traído", mas evitou apontar os aliados como responsáveis. Sua popularidade afundou até a faixa dos 30% e ele respondeu com acenos para os dois lados.

Primeiro, instituiu a política de valorização do salário mínimo e o ProUni, programa de concessão de bolsas universitárias a jovens carentes. Depois, ofereceu mais ortodoxia na economia, sob o comando do presidente do Banco Central e ex-deputado do PSDB, Henrique Meirelles. Acabou reeleito em 2006, vencendo o tucano Geraldo Alckmin.

Seu segundo mandato foi mais centrado em programas de infraestrutura. Em 2007, Lula privatizou estradas federais, deixando para trás um antigo dogma petista contrário à venda de patrimônio público. Lançou também o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), coordenado por Dilma Rousseff, então ministra-chefe da Casa Civil.

A ex-petista Marta Suplicy acredita que já nessa época Lula pensava em ter uma mulher como sua sucessora. "Mas é curioso que ele tenha escolhido para isso uma pessoa (Dilma) que não era moderada como ele, nem gosta de falar com políticos", diz a política, hoje secretária municipal em São Paulo.

Quando veio a crise econômica internacional, em 2008, o governo Lula disse se tratar de uma "marolinha". O presidente foi à TV pedir aos brasileiros que continuassem impulsionando o consumo. Pouco depois, veio o programa habitacional "Minha Casa, Minha Vida", também a ser coordenado por Dilma.

Lula fez sua sucessora e deixou o cargo com quase 90% de aprovação popular. Mas isso nem de longe significava a aposentadoria do ex-presidente.

Fora do Planalto

Lula com Dilma em 2013

CRÉDITO,RICARDO STUCKERT/INSTITUTO LULA

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Lula com Dilma em 2013; em campanha acirrada com menor presença do ex-presidente, a petista venceu Aécio Neves

Em 2011, nos primeiros meses longe de Brasília, Lula foi diagnosticado com câncer na laringe e iniciou um longo tratamento. Só retornou à cena política para intervir no PT de São Paulo e fazer do ex-ministro Fernando Haddad seu candidato, bem-sucedido, a prefeito.

O ano de 2013 parecia começar bem para Lula, mas os protestos populares do meio daquele ano transformaram Haddad e Dilma em dois grandes alvos dos manifestantes.

Por ter mais traquejo político que os dois tecnocratas que indicou, Lula interveio nas duas gestões. Não faltaram relatos de insatisfação com a autonomia que o ex-presidente exibia para mandar nos governos de outros.

Um antigo aliado que prefere não se identificar define essa liberdade assim: "Parecia aquelas reuniões de ministério quando um assessor dizia ao Lula que ele precisava fazer uma coisa diferente do que planejava. Ele respondia: 'Você tem quantos votos? Eu tenho 50 milhões.' No governo desses (indicados), os votos ainda eram dele."

Muitos petistas esperavam que Lula voltasse a ser candidato a presidente em 2014, mas a vontade de Dilma se reeleger prevaleceu. Em uma campanha acirrada com menor presença do ex-presidente, a petista venceu Aécio Neves por margem estreita.

José Dirceu, Lula e Antonio Palocci em foto de arquivo

CRÉDITO,ROOSEWELT PINHEIRO/AG BRASIL

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O ex-ministro Antonio Palocci (dir.) afirmou em depoimento que Lula tinha 'pacto de sangue' com Odebrecht; acima, os dois com José Dirceu em 2004

O ex-porta-voz e cientista político André Singer já via o esgotamento do modelo de conciliação de Lula no início do segundo mandato de Dilma. "Hoje, o PT gira em torno do lulismo. Não é mais o PT com a alma da sua fundação. Mas o lulismo é sobre reforma gradual e pacto conservador, ele vai além do PT e da esquerda. Funcionou para muita gente por muitos anos. Gente que nunca tinha votado em partido de esquerda e que votou por Lula ser dessa forma", disse à BBC News Brasil em 2018.

Lava Jato

Até que, em 2015, a operação Lava Jato inicia investigações sobre figuras-chave de sua administração. As acusações de corrupção na estatal fizeram com que Lula fosse pela primeira vez ouvido como testemunha em uma série de investigações sobre integrantes do seu governo.

No ano seguinte, eclodiu uma nova onda de protestos populares pelo impeachment de Dilma, e polêmicos bonecos de Lula vestidos como presidiário (os "pixulecos") se tornam presença constante nas manifestações.

A Lava Jato resultou na prisão e condenação de antigos aliados de Lula, como o ex-governador do Rio Sergio Cabral (cujas penas chegam a 100 anos, em cinco processos) e o ex-ministro Antonio Palocci, condenado em 2017 a 12 anos por lavagem de dinheiro e corrupção.

Em julho de 2017, o juiz federal Sergio Moro condenou Lula a nove anos e seis meses de prisão por corrupção no julgamento em que era acusado de receber um apartamento no Guarujá (SP) em troca da promoção de interesses da empreiteira OAS junto à Petrobras.

Em março do ano seguinte, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) rejeitou por unanimidade os recursos apresentados pela defesa de Lula contra a condenação.

No início de abril de 2018, um pedido de habeas corpus do ex-presidente foi negado pelo STF. Lula, então, teve sua prisão decretada. Naquele momento, já se apresentava como pré-candidato à Presidência nas eleições que aconteceriam em outubro.

O ex-presidente Lula naquele momento mantinha-se como líder em intenções de votos — ainda que também tivesse significativa taxa de rejeição —, segundo pesquisas eleitorais.

Sergio Moro

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Processos contra o ex-presidente foram encerrados por falta de provas ou por parcialidade de Moro

Na prisão

O ex-presidente se manteve figura importante da política nacional durante seu período na prisão.

Chegou a ser registrado como candidato oficial do PT, tendo Haddad como vice, mas seu registro foi negado pelo Tribunal Superior Eleitoral com base na Lei da Ficha Limpa.

Haddad acabou concorrendo e foi derrotado, em segundo turno, por Jair Bolsonaro.

Num primeiro momento, foi impedido de dar entrevistas, mas o STF revogou essa proibição.

Lula deixou a prisão duas vezes. Na primeira, em 14 de novembro do ano passado, ele saiu para prestar depoimento à juíza Gabriela Hardt, que substitui Moro — atualmente ministro da Justiça e Segurança Pública — nas ações da Lava Jato.

Na segunda, em abril deste ano, ficou fora por cerca de nove horas. Ele viajou a São Bernardo do Campo, em São Paulo, para o velório e a cerimônia de cremação de seu neto Arthur, de sete anos, que morreu no dia anterior vítima de uma infecção bacteriana.

Antes disso, em janeiro, a defesa de Lula já havia solicitado à Justiça que o ex-presidente deixasse a prisão para ir ao funeral de seu irmão Genival Inácio da Silva, o Vavá, em São Bernardo do Campo. Mas a juíza Carolina Lebbos — responsável por supervisionar o cumprimento da pena de Lula e autora da decisão que o liberou para o velório do neto — negou.

Na ocasião, a magistrada diz ter tomado a decisão com base em um parecer da Polícia Federal, segundo o qual não era possível, à época, garantir a segurança de Lula e das demais pessoas durante o trajeto até São Bernardo devido ao curto prazo.

Pouco antes do enterro de Vavá, no entanto, o STF autorizou o ex-presidente a deixar a prisão. Mas Lula decidiu não ir — não havia mais tempo hábil.

Liberdade e candidatura

Lula deixa a prisão

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Lula deixou a Superintendência da Polícia Federal em Curitiba e se encontrou com apoiadores

Em 7 de novembro de 2019, uma nova decisão do STF permitiu a saída de Lula da cadeia. O tribunal decidiu que a prisão após condenação em segunda instância era inconstitucional e que réus só poderiam ser presos após o chamado "trânsito em julgado", que é o fim do processo, quando estão esgotadas todas as possibilidades de recurso em instâncias superiores.

Era o caso de Lula, cujo processo não havia transitado em julgado à época.

O ex-presidente foi solto em Curitiba, em 8 de novembro de 2019, depois de passar 580 dias preso.

Mais tarde, em março de 2021, o STF entendeu também que os processos contra Lula não deveriam ter tramitado na Justiça de Curitiba. Pouco depois, em junho, a Corte decidiu também que o ex-presidente não havia sido julgado com imparcialidade por Sergio Moro.

Com isso, as condenações que recaíam sobre Lula foram consideradas nulas, mas o petista ainda poderia responder às mesmas acusações em novos processos, que deveriam ser conduzidos em Brasília.

Só que esse retorno dos processos à estaca zero fez com ocorresse a prescrição da pretensão punitiva, ou seja, havia acabado o prazo legal para a punição dos crimes, no caso de Lula ser considerado culpado.

Lula e Alckmin durante a campanha presidencial

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Lula formou chapa com ex-rival Geraldo Alckmin

E quando não há mais possibilidade de punição, as acusações são arquivadas definitivamente. Ou seja, Lula não pode mais ser julgado nos casos do tríplex e do sítio de Atibaia. Hoje, todos os desdobramentos da Lava Jato contra Lula na Justiça estão encerrados ou suspensos.

Isso pavimentou a volta de Lula à cena eleitoral. Em 21 de julho deste ano, o PT oficializou a candidatura de Lula à Presidência, em uma chapa com Geraldo Alckmin (PSB) - ex-governador de São Paulo pelo PSDB que havia sido rival do petista em duas campanhas presidenciais, em 2006 e 2018.

O vídeo de lançamento da campanha anunciava a chapa com uma "receita de Lula com chuchu", em referência ao apelido de Alckmin (que inclusive já havia sido historicamente usado por Lula para se referir ao antigo adversário) e dizendo se tratar de uma "mistura que tem sabor de esperança".

Apesar do sentimento anti-petista de grande parcela da população, Lula se manteve à frente de Jair Bolsonaro nas pesquisas de opinião, beneficiando-se do voto útil ligado à alta rejeição ao atual presidente - em meio à crise econômica, rescaldos da pandemia de covid e posturas polêmicas de Bolsonaro sinalizando possíveis rupturas democráticas ou não cumprimento do resultado das urnas.

 Conteúdo da BBC BRASIL

Professor Edgar Bom Jardim - PE

O Brasil venceu o mal: Lula é eleito presidente. Confira momentos-chave que marcaram campanha para vitória histórica




Lula vestindo branco e com os braços para cima em sinal comemorativo

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Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi eleito presidente do Brasil no domingo (30/10), com 50,83% dos votos válidos.

O presidente Jair Bolsonaro (PL) teve 49,17%. Os votos nulos somavam 3,16% e os brancos, 1,43%. O TSE confirmou a vitória de Lula com 98,86% das urnas apuradas.

A apuração foi apertada na maior parte do tempo. Bolsonaro saiu à frente, mas Lula o passou quando quase 70% das urnas estavam apuradas e ampliou pouco a pouco a vantagem.

Este será o terceiro mandato do petista, que governou o país de 2003 até 2006, e de 2007 até 2011.

1. O apoio de uma 'frente ampla'

Lula conquistou aliados importantes, que foram além dos nomes previsíveis do espectro político da esquerda. Entre eles, os ex-opositores: o sutil apoio declarado por Ciro Gomes (PDT) e o apoio vocal e até militante de Simone Tebet (MDB), que tem acompanhado o petista nos atos de campanha.

"O candidato do PT conseguiu organizar em torno de si amplo apoio de segmentos sociais variados, incluindo classe de baixa renda, mulheres de vários campos profissionais, artistas, celebridades, parte da classe econômica, política e do capital financeiro", aponta a professora Maria do Socorro Braga.

Na avaliação do cientista político Creomar de Souza, Lula rompeu uma barreira ideológica ao conseguir apoios de figuras consideradas da centro-direita.

"Nomes como Simone Tebet e Fernando Henrique Cardoso, que não votaram no PT, isso é uma novidade no quadro político. Já os apoios que o Bolsonaro recebeu até agora são mais do mesmo. Não há ninguém que entrou no palanque que possamos dizer 'esse eu não esperava'."

2. Desempenho nos debates

Na avaliação de cientistas políticos, o desempenho do petista deixou a desejar em alguns momentos dos debates, tanto no primeiro quanto no segundo turno.

"Lula não usou bem o seu tempo e ainda buscou ingenuamente se colocar como colega de um político que defende dizimar o oponente. Como estadista que o Lula é, precisa ter outra postura e atitudes diante das agressões, acusações, pressões e ameaças de Bolsonaro. A depender dos temas, ele poderia ter sido mais propositivo, estratégico e até focado em desequilibrar Bolsonaro", opina Maria do Socorro Braga, professora de Ciência Política da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Mas em alguns momentos, Lula parece ter conseguido se comunicar bem com parte ampla do eleitorado, incluindo, possivelmente a parcela que ainda não havia decidido o voto. Entre os destaques, estão os momentos em que o petista ênfase ao legado de seu governo em políticas sociais e defendeu conquistas econômicas.

Contra o adversário, os destaques ficaram em transmitir mensagens sobre a má gestão de Bolsonaro durante a pandemia da covid-19, no âmbito da proteção do meio ambiente e em questionar Bolsonaro sobre o sigilo de cem anos, o caso da 'rachadinha' e a compra de dezenas de imóveis pela sua família.

3. Polêmicas protagonizadas por Bolsonaro

A campanha do oponente de Lula, Jair Bolsonaro, foi marcada por polêmicas.

Em 14 de outubro, durante uma entrevista a um podcast, Bolsonaro disse que "pintou um clima" durante visita a um grupo de meninas venezuelanas no Distrito Federal.

Na ocasião, ele associou as adolescentes à exploração sexual: "Tinha umas 15, 20 meninas, sábado de manhã, se arrumando, todas venezuelanas. Eu pergunto: meninas bonitinhas, 14, 15 anos, se arrumando no sábado para quê? Ganhar a vida."

A fala teve grande repercussão, com críticas pelo uso do termo.

Em outro episódio, na última semana de campanha, o ex-deputado carioca Roberto Jefferson, quando soube que seria preso pela Polícia Federal, disparou mais de 50 tiros e jogou três granadas contra servidores da PF, que ficaram feridos.

"Jefferson é apoiador declarado de Bolsonaro e o resultado, previsível, foi um efeito colateral negativo na campanha bolsonarista, atingida pelo efeito dos disparos. Sobretudo porque as vítimas foram policiais, uma das bases que ajudou a eleger Bolsonaro em 2018. Vale lembrar que essa atitude violenta foi a seguida a uma primeira, dirigida a uma mulher, a ministra Cármen Lúcia , público mais refratário ao Bolsonaro", diz Braga.

A violência à ministra Carmem Lúcia citada por Braga foi proferida por Jefferson durante sua audiência de custódia, em 25 de outubro. Em depoimento a Airton Vieira, juiz instrutor do ministro Alexandre de Moraes no Supremo, Jefferson disse que Cármen Lúcia age "pior que prostitutas".

"Essa fala contra uma ministra, mulher e sexagenaria, foi ruim para Bolsonaro na questão de estratégia de gênero. Como reflexo do que aconteceu com Jefferson, agora o presidente se manifesta contra o antigo aliado, e nas propagandas políticas, fala da segurança, penalização à mãos duras, mas sem falar da questão do armamento", afirma Luciana Veiga, professora de ciências políticas na UNIRIO.

4. Ativismo nas redes sociais

"A partir de um certo momento, os grupos antibolsonaristas passam a fazer uma campanha digital de forma muito agressiva, divulgando passagens que vão complicando o presidente Bolsonaro, como a declaração de Guedes sobre o salário mínimo [após o ministro afimar que o governo estuda desvincular o reajuste do salário mínimo à taxa de inflação], a questão do 'pintou um clima' e por fim os acontecimentos envolvendo o Roberto Jefferson", diz Creomar de Souza, cientista político fundador da consultoria política Dharma.

O deputado federal e ex-candidato à Presidência da República André Janones é uma das figuras-chave nessa postura mais agressiva do espectro político da esquerda nas redes sociais. Em suas redes sociais, Janones é marcante ao insuflar polêmicas envolvendo a família Bolsonaro e criticá-los, inclusive por meio de memes e vídeos.

5. Auge do antibolsonarismo

A rejeição a Lula e ao PT que aparece nas vozes da Vila Carioca ilustra um pouco do antipetismo que vai mudando de cara quando o partido passa de oposição a situação em 2002. Um processo que atinge uma espécie de ápice entre 2014, quando é deflagrada a Operação Lava-Jato, e 2018, no movimento que culmina com a eleição do presidente Jair Bolsonaro.

"O sentimento antipetista é um sentimento que existe meio pulverizado no eleitorado sem ter um grande sentimento de consolidação em algum lugar, que vai tendo no governo - nos governos petistas - razões para se fortalecer. Eu acho então depois o impeachment da Dilma e as denúncias em torno dela, do governo dela, nos escândalos de petrolão, Correios e tudo mais vão criando esse ambiente de fúria", disse o cientista político Glauco Peres, professor do Departamento de Ciência Política da USP (Universidade de São Paulo), à BBC News Brasil durante produção de vídeo sobre antipetismo na Vila Carioca, primeiro bairro de Lula em São Paulo.

A ascensão de Jair Bolsonaro, contudo, dá origem não só ao bolsonarismo, mas também ao antibolsonarismo, outra força que passou a mobilizar a decisão dos eleitores e que cresceu nos últimos quatro anos.

Pesquisas conduzidas pelo cientista político Leonardo Avritzer, da UFMG, com quem a repórter da BBC Camilla Veras Mota conversou, apontam que o antipetismo tem recuado desde as eleições de 2020, chegando a ser numericamente superado pelo antibolsonarismo recentemente.

Na pesquisa Ipec divulgada após o primeiro turno, em 5 de outubro, 50% dos entrevistados disseram que não votariam em Bolsonaro de jeito nenhum — independentemente de quem fosse o opositor.

Ainda assim, Lula aparecr com rejeição de acima de 35% do eleitorado — um percentual ainda relevante, que dá um pouco da dimensão do desafio de um eventual novo governo. Cm informação BBC




Professor Edgar Bom Jardim - PE

'Nunca vi nada desse tipo no Brasil desde a redemocratização', diz ex-presidente do TSE sobre operações da PRF



O ex-presidente do STF Ayres Britto

CRÉDITO,MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL

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Ayres Britto disse que se ficar comprovado que as ações da PRF tiveram o objetivo de prejudicar o acesso de eleitores às urnas, isso poderia comprometer a 'legitimidade' do segundo turno

O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Ayres Britto demonstrou preocupação com as notícias sobre as operações da Polícia Rodoviária Federal (PRF) realizadas neste domingo (30/10) durante o período de votação de segundo turno.

Relatos de diversas partes do Brasil apontam que a PRF estaria parando ônibus com eleitores em direção aos locais de votação.

A operação se concentraria especialmente no Nordeste, região onde o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) venceu o presidente Jair Bolsonaro (PL) no primeiro turno das eleições.

"Nunca vi nada desse tipo no Brasil desde a redemocratização. Esse tipo de coação", disse o ex-presidente do TSE à BBC News Brasil.


As operações da PRF em rodovias brasileiras começaram a chamar atenção nas primeiras horas deste domingo, quando ônibus e outros veículos que transportavam eleitores a locais de voto começaram a ser parados.

Diversos relatos apontaram que veículos lotados de eleitores do presidente Lula foram abordados por agentes da PRF em todo o país, mas especialmente na região Nordeste.

As operações, no entanto, aconteceram após o TSE divulgar uma resolução proibindo operações da PRF relacionadas ao transporte público, gratuito ou não, de eleitores


Ayres Britto disse que se ficar comprovado que as ações da PRF tiveram o objetivo de prejudicar o acesso de eleitores às urnas, isso poderia comprometer a "legitimidade" do segundo turno.

"É preciso ver em qual medida isso (as operações) afeta o processo eleitoral como um todo. O que se pode dizer com segurança jurídica é que a PRF é um órgão de Estado e não de governo. Ela está submetida ao princípio constitucional da impessoalidade. A depender das circunstâncias, isso pode comprometer a normalidade e legitimidade do processo eleitoral", disse o ex-ministro.

Ayres Britto disse que, dependendo da gravidade das ações da PRF, o TSE poderia até adiar o horário de votação neste segundo turno, que vai até as 17h (horário de Brasília).

Em entrevista coletiva realizada na tarde deste domingo, porém, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, descartou a possibilidade de prorrogar o horário de votação por conta das operações da PRF.

Ele disse ter sido informado pelo diretor da PRF, Silvinei Marques, que os veículos abordados durante as operações foram liberados e que nenhum deles teria sido impedido de chegar aos locais de votação.

"Isso, em alguns casos, retardou a chegada dos eleitores até a seção eleitoral. Mas, em nenhum caso, impediu os eleitores de chegarem às suas seções eleitorais", disse o ministro.

Questionado sobre se o pleito poderia ser suspenso por conta do efeito das operações, Ayres Britto adotou moderação.

"Não tenho os elementos todos do caso para fazer um juízo técnico sobre isso", afirmou.

PRF fez operações no dia do segundo turno

CRÉDITO,GOVERNO FEDERAL

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PRF fez operações no dia do segundo turno

Número de operações maior

O número de operações da PRF chamou atenção já nas primeiras horas do período de votação. Segundo o jornal Folha de S.Paulo, até às 12h35 deste domingo, foram realizadas 514 fiscalizações. O número seria 70% do que o realizado no primeiro turno.

Segundo o portal G1, foram contabilizadas 549 operações sendo que 272, o equivalente a 49,5% do total teria ocorrido no Nordeste.

Neste domingo, Alexandre de Moraes intimou o diretor-geral da PRF a parar as operações e a prestar esclarecimentos sobre o assunto. Após o encontro, Alexandre de Moraes informou que tinha obtido as informações que havia solicitado e que não teria havido prejuízo aos eleitores abordados pela PRF.

A BBC News Brasil enviou questionados à assessoria de imprensa da PRF. O órgão enviou uma nota oficial, mas não respondeu diretamente nenhuma das perguntas enviadas pela reportagem.

Na nota, a PRF diz que respondeu às notificações enviadas pelo TSE e que as ações do órgão nos últimos dias teriam sido responsáveis pela redução de 43% no número de mortos e de 72% no número de feridos em rodovias federais na comparação com o período próximo ao primeiro turno.

  • Leandro Prazeres
  • Da BBC News Brasil em Brasília

Professor Edgar Bom Jardim - PE