quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Tolhas com o rosto dos candidatos movimentam a economia



Vanessa Andrade

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Vanessa Andrade, de 42 anos e vendedora na Rua 25 de Março. Comerciantes informais falam à BBC News Brasil sobre economia, política e eleições de 2022

Os produtos vendidos por eles se tornaram um símbolo das eleições presidenciais de 2022: as toalhas com os rostos de candidatos, cujas vendas passaram a ser consideradas um termômetro da preferência dos eleitores nas urnas.

São profissionais que fazem parte do contingente 39,3 milhões de trabalhadores informais existentes no Brasil, que representam quase 40% da população ocupada no país, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

O número de trabalhadores informais no Brasil registrado em julho — dado mais recente disponível — é o maior da série histórica do IBGE, com início em 2012.

Ainda segundo dados do IBGE, o Brasil somava 1,1 milhão de trabalhadores ambulantes e feirantes em junho deste ano, com uma renda média mensal de R$ 1.163, segundo dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, compilados pelo economista Cosmo Donato, da LCA Consultores



Toalhas como forma de diálogo político

"Vender toalhas também é uma forma de ter um diálogo político", diz Tânia Chaves, de 36 anos e vendedora de toalhas aos domingos na Av. Paulista fechada para carros e aberta para lazer.

Moradora de Interlagos, na zona sul de São Paulo (a 20 km da Praça da Sé, na região central da cidade), o varal de Tânia se destacava no dia da visita pela BBC News Brasil (4/9) por ser o único naquele dia com toalhas tanto de Lula, como de Bolsonaro — os três outros vendedores que trabalhavam naquele domingo na Paulista tinham apenas material do líder das pesquisas eleitorais.

Casada, sem filhos e católica não praticante, Tânia aproveita a venda sazonal de toalhas dos candidatos para complementar a renda da comercialização de seu produto principal, que são porta-temperos de vidro, em suportes de madeira.

"Num dia bom, vendo de R$ 800 a R$ 1 mil em material de eleição, e na mesma faixa em porta-temperos. Mas meu produto é mais sazonal, depende do fluxo de turistas na cidade, já as faixas e bandeiras [dos candidatos e do Brasil] estão muito mais valorizadas nesse momento, por conta da eleição", diz a vendedora.

Tânia compra o material de eleição na região da Santa Ifigênia, no centro de São Paulo, por R$ 15 a R$ 20, e vende as toalhas por R$ 40 e a bandeira do Brasil por R$ 50.

"A do Lula vende mais, mas o 7 de setembro impulsionou as vendas de bandeiras do Brasil. Nos atos do Bolsonaro, as pessoas priorizam mais a bandeira do país, do que a do Bolsonaro. São mais aquelas tiazinhas que compram, as tiazinhas do Bolsonaro", diz Tânia, acrescentando que o material de Lula tem mais saída entre a faixa etária mais nova, a "molecada".

Apesar de vender toalhas dos dois candidatos, Tânia diz desaprovar a polarização. "São onze opções de voto e essa polarização não é bacana para a gente", afirma.

Tânia Chaves

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Tânia Chaves, de 36 anos e vendedora de toalhas aos domingos na Av. Paulista

A vendedora vai de Ciro Gomes no primeiro turno. "O Ciro para mim é um candidato que não está pendurado em cargo político todo ano, é uma pessoa que põe ideias novas — às vezes parece tudo mirabolante, mas ele está tentando ver além do muro."

Questionada sobre por que não vende toalhas de Ciro, ela explica que não existem toalhas do candidato do PDT no mercado. "Não tem, nem que eu quisesse [comprar] e também as pessoas ficam na polarização mesmo", lamenta.

Mesmo contrária à dualidade, Tânia diz já ter escolha para um possível segundo turno entre Lula e Bolsonaro.

"Lula. Porque eu tenho um único pensamento: em quatro anos, a gente não consegue mais tirar o Bolsonaro. Mas eu tenho certeza de que, se acontecer alguma coisa com a candidatura do Lula, se alguma coisa surgir, ele sairá de boa. Acho que ali é mais democrático do que aqui."

'Sou partidário, tenho lado'

Para além dos comerciantes mais pragmáticos, há um outro perfil entre os vendedores de toalha: os militantes políticos que vendem toalhas apenas de um candidato.

Yuri Ribeiro dos Santos

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Yuri Ribeiro dos Santos, de 33 anos e comerciante nas vias públicas há seis anos

"Eu sou partidário, tenho lado. Não vendo [material do Bolsonaro]. É a mesma coisa que você perguntar se eu venderia toalha do [ditador nazista Adolf] Hitler", diz Yuri Ribeiro dos Santos, de 33 anos e morador do Jardim Helena, na zona leste de São Paulo.

Comerciante nas vias públicas há seis anos, ele é um dos vendedores da Av. Paulista que trabalham apenas com toalhas, camisetas e bottons de Lula.

"Bolsonaro para mim foi um desastre. Não só para mim, mas para a nação brasileira. Na condução da pandemia, aquela situação que teve em Manaus. Morreu muita gente por culpa da negligência do governo. E aí eu vou colocar a toalha do cara para vender aí?", questiona.

"Eu não penso só em dinheiro. Acho que se eles [os outros vendedores] querem vender dos dois, eles vendem. Eu não vendo por que sou filiado ao PT e não divulgo a imagem de um cara que eu acho que é fascista", afirma o vendedor.

Solteiro, sem filhos e ateu, antes de vender nas ruas, Yuri foi líder de hospedagem num hospital voltado ao público de alta renda. Quando não vende material político, ele trabalha em shows com material dos artistas e em grandes eventos, como Carnaval e a Parada Gay.

"Não tem outro caminho para a gente, nos dias de hoje, a não ser a política. Porque fora da política, é guerra. Estamos vendo a guerra entre Rússia e Ucrânia: ali acabou o diálogo político", diz Yuri.

"Então a política é um caminho mais viável para resolvermos nossos conflitos. Eu acredito numa revolução. Acreditava mais antigamente, mas ainda hoje acredito. Mas acho que não estamos no momento de radicalizar as coisas, acho que tomando o Congresso com a força popular, vamos conseguir um resultado melhor, sangrando menos."

Adinaldo Aparecido Lemos Batista

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Adinaldo Aparecido Lemos Batista, de 55 anos, foi candidato a vereador em 2020 pelo PT em Limeira

Adinaldo Aparecido Lemos Batista, de 55 anos, já foi da Congregação Cristã do Brasil, mas diz que no momento "está parado, porque esse negócio de religião virou comércio".

"Estou meio 'descrençado' por causa dessa política. A Congregação Cristã não prega para a turma negócio de política, porque ela é contra igreja misturar com política. Mas o povo da Congregação virou político, porque eles estão com o golpe, estão junto com Bolsonaro. Eu não apoio esse tipo de coisa, por isso estou meio afastado", explica o vendedor ambulante.

Paranaense, filho de mineiro e morador de São Paulo há muitos anos — atualmente no Planalto Paulista, bairro da zona sul —, ele já trabalhou como assessor parlamentar na Câmara de Limeira e foi candidato a vereador na cidade do interior paulista em 2020 pelo PT, com o nome Batista do Mega Fone, tendo recebido 64 votos, segundo dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Ele tem uma empresa de pintura, que está parada, então faz bicos como vendedor de cerveja, refrigerante, pipoca e algodão-doce na praia ou de material político na cidade.

"Eu fiquei 580 dias na vigília Lula Livre em Curitiba. Trabalhei mais de um ano voluntário, daí comecei vendendo materiais lá e depois continuei vendendo. A gente trabalha para a luta", afirma.

Ele compra as toalhas de Lula na 25 de Março por cerca de R$ 20 e revende por R$ 35.

"O Lula ganha essa eleição direto, não vai dar segundo turno. Hoje o tempo está ruim, não deu quase ninguém e já vendi mais de 15 toalhas. Domingo vendemos na faixa de R$ 800 a R$ 1.200, entre toalhas e as outras coisas. No sábado, são de R$ 400 a R$ 600", calcula.

'Escolher entre tomar leite ou comer carne não deveria acontecer'

Para Vanessa Andrade, de 42 anos, evangélica e vendedora de roupas infantis e sazonais na Rua 25 de Março, a escolha pelo candidato petista tem razões econômicas.

"Eu sou do Lula. Sempre votei no PT, porque ele envolve o trabalhador, porque eu trabalhava na rua em 2013 e tinha dinheiro na rua, pela situação que estamos vivendo hoje de ter o leite a R$ 10. Eu tenho condições e consigo manter minha família, mas e quem não tem? Escolher entre tomar leite ou comer carne é uma situação a que nunca se deveria chegar", afirma.

"Eu cheguei a ter loja e perdi minha loja durante a pandemia. Eu vendia vestidos de festa, mas com dois anos parados, eu tive que fechar a loja e peguei essa banca", relata.

"Ele [Bolsonaro] atrapalhou demais, as decisões dele na pandemia demoraram demais, por não acreditar no que poderia acontecer. Eu entendo, ele é um ser humano, mas atrapalhou."

Vanessa compra as toalhas de Lula e Bolsonaro no Brás, a R$ 10, e vende entre 50 e 60 por dia por R$ 25 cada. No geral, as toalhas de Lula vendem mais, afirma, mas o 7 de setembro impulsionou as vendas de material de Jair Bolsonaro e deixaram ela na dúvida sobre o desfecho das eleições.

"Depois dessa manifestação do 7 de setembro, eu não sei pontuar o que vai acontecer. Porque era muita gente apoiando ele [Bolsonaro] e aqueles que estão indecisos podem ir pelo oba-oba", avalia.

A baiana Idei Ribeiro Soares, de 33 anos e funcionária em uma barraca a poucos metros dali, também tem críticas à situação da economia brasileira.

"Está muito difícil, principalmente no supermercado, o preço das coisas está um absurdo. Para o pobre viver está complicado, porque há tempos que o salário não sobe e as coisas só aumentam. Então para a mãe e o pai de família está muito ruim", afirma.

Idei Ribeiro Soares

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Idei Ribeiro Soares, de 33 anos e funcionária em uma barraca na 25 de Março

Mãe de três filhos e católica, ela era merendeira em Umburanas, na Bahia, mas conta que perdeu o emprego por questões políticas locais. "Tinha que votar em que eles quisessem e, para mim, não funciona desse jeito. Eu tenho livre-arbítrio, eu voto em quem eu quiser."

Segundo Idei, ela foi demitida por não seguir a orientação de voto. Como a cidade é pequena e as únicas fontes de renda são os empregos ligados à Prefeitura ou os benefícios sociais e aposentadorias, foi para São Paulo, em busca do sustento dos filhos.

Com a mudança, a comerciante ainda não transferiu o título de eleitora. "Eu não voto aqui, mas se fosse votar, não ia nem em Lula, nem em Bolsonaro. Ia na Simone [Tebet] ou no Ciro, porque tem que dar oportunidade para outras pessoas", afirma.

Além do que recebe na barraca, Idei conta com o Auxílio Brasil, elevado a R$ 600 até dezembro. Ela afirma, porém, que isso não faz ela querer votar em Bolsonaro.

"Ele não está nos dando nada, isso é um direito nosso. Ele dá isso, mas quando a gente vai ao mercado, vai embora praticamente tudo. Então ele não está ajudando, ainda mais que ele vem fazer isso logo próximo da eleição", afirma.

"O governo Bolsonaro nunca foi de ajudar os mais necessitados, é um governo para pessoas que têm dinheiro, não é um governo da classe mais pobre. É assim que eu vejo."

As toalhas da barraca onde Idei trabalha são compradas por R$ 16 no Shopping Saara, na própria 25 de Março, e revendidas a R$ 30. Saem entre 10 e 20 toalhas por dia, mas o movimento não é mais o mesmo de quando começou a febre pelo produto, lamenta a comerciante.

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62963712


Professor Edgar Bom Jardim - PE

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Como corte de verba ameaça atendimento à saúde de moradores de rua



Agentes de saúde do Consultório na Rua durante atendimento

CRÉDITO,DANIEL DE SOUZA

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Agentes de saúde do Consultório na Rua durante atendimento

Um morador de rua que chega a uma unidade básica de saúde pública pode ter dificuldade de conseguir atendimento por falta de documentação ou até por questões referentes às condições relacionadas à falta de moradia.

"Às vezes o exame de sangue só é feito às 7 da manhã naquela unidade, e essa pessoa não consegue chegar. Ou, se espera ali, pode ser retirado por agentes da prefeitura por não poder ficar em determinada calçada ou banco. Também há a questão de vestimenta, alguns são impedidos de entrar sem camisa, por exemplo, e até a crença da própria pessoa em achar que ela não pode entrar ali", diz Daniel de Souza, articulador nacional dos consultórios na rua, e parte do programa desde seu início, em 2012.

Foi com a intenção de fazer uma ponte entre agentes de saúde, assistentes sociais e outros serviços públicos que surgiu o Consultório na Rua, uma estratégia criada pela Política Nacional de Atenção Primária para ampliar o acesso da população em situação de rua aos serviços de saúde.

O serviço é composto por equipes multiprofissionais que desenvolvem ações integrais de saúde de acordo com as necessidades dessa população.

Em cinco anos, no período entre 2015 e 2020, estima-se que a população de brasileiros em situação de rua mais do que dobrou, passando de cerca de 102 mil para 222 mil, segundo estimativa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada)


Apesar disso, dados de um estudo feito pelo Ieps e pelo Instituto Cactus, ao qual a BBC News Brasil teve acesso exclusivo, indicam que houve uma queda no investimento destinado ao programa Consultório na Rua.

Em 2019, o investimento foi de R$ 580.470. Pouco depois, em 2021, o investimento do Ministério da Saúde na área caiu para R$ 490.436, uma redução de cerca de R$ 90 mil.

A BBC News Brasil questionou o Ministério da Saúde sobre o investimento reduzido, mas não recebeu resposta até a publicação desta matéria.

Dados de pesquisa feita pelo IEPS e Instituto Cactus

CRÉDITO,IEPS (INSTITUTO DE ESTUDOS PARA POLÍTICAS DE SAÚDE

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Dados de pesquisa feita pelo Ieps e Instituto Cactus


"O programa é extremante importante e necessário para o atendimento da população de rua, e esse desmonte de investimentos, que também vemos no SUS (Sistema Único de Saúde) e na Farmácia Popular, tende a deixar esse grupo em uma situação de vulnerabilidade ainda maior", analisa Nilza Rogeria Nunes, professora da PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) e pesquisadora na área de políticas sociais.

Na avaliação de Dayana Rosa, pesquisadora do Ieps, o número do contingente deve ser maior do que o notificado.

"Sabemos que não há metodologias capazes de estimar com precisão quantas são as pessoas sem moradia. O dinheiro disponível para essa política pública não acompanha a necessidade de quem está na rua."

Nilza Nunes acrescenta, ainda, que os censos deixam de fora pessoas em situação de pobreza como catadores de recicláveis que passam a semana dormindo nas ruas, mas periodicamente voltam às suas casas longe das cidades onde ficam na maior parte do tempo.

As políticas públicas focadas na população de rua ainda são recentes. Os avanços mais significativos começaram em 2009, com a instituição da Política Nacional para a População em Situação de Rua e do Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento.

No âmbito da saúde, o Plano Operativo de Saúde para a população em situação de rua, implementado no mesmo ano, e a criação do Programa Consultório na Rua, de 2012, são considerados os avanços mais relevantes.

Como funciona o Consultório na Rua

Há cerca de 180 consultórios de rua no Brasil. O trabalho das equipes é percorrer as cidades, sobretudo os locais conhecidos por maiores aglomerações de pessoas desabrigadas, e oferecer atendimento.

O projeto faz parte do atendimento do SUS, financiado pelo Ministério da Saúde. Em alguns municípios, os consultórios têm parceria com instituições sem fins lucrativos, como é o caso de São Paulo, que fez parceira com o Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto.

Três imagens, em montagem, de momentos de atendimentos diferentes do consultório na rua

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Vacinação, curativos, escuta ativa de sintomas clínicos e orientação são apenas algumas das ações promovidas pelos consultórios nas ruas

Há três tipos de composições diferentes para as equipes, que podem ser formada com quatro a sete profissionais a depender do censo da população de rua naquela determinada cidade ou região.

Entre os agentes, podem estar enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e terapeutas ocupacionais, agentes sociais, técnicos ou auxiliares de enfermagem, médicos, técnicos em saúde bucal, cirurgiões dentistas, profissionais de educação física e profissionais com formação em arte e educação.

"O trabalho é ir até essas pessoas e perguntar se estão precisando de alguma coisa, se têm queixas relacionadas à saúde. Se o paciente responde que tem tossido, por exemplo, perguntamos há quanto tempo, se tem experimentado outros sintomas... Vamos ouvindo e tentamos solucionar o problema. Também fazemos curativos, aplicamos vacinas, fazemos atendimentos psicológicos...", diz o articulador nacional dos consultórios de rua, Daniel de Souza.

"Para chegar até essas pessoas, toda equipe tem, ou pelo menos deveria ter, um carro ou uma van com os insumos necessários, já que o atendimento é in loco. Algumas equipes têm um 'quartel general' em alguma unidade de saúde, mas ao abordar um paciente que precisa de um atendimento mais complexo, podemos levá-lo para qualquer unidade", completa.

Em vídeo veiculado pela Fiocruz no YouTube, uma idosa no Rio de Janeiro aparece recebendo atendimento odontológico.

"Eles que me acharam, eu tive essa surpresa. Eu ficava sentada lá, amuada. Eles perguntaram se eu queria ajuda, disseram que iam cuidar de mim. Eu não tinha água para escovar os dentes, não tinha recursos."

Busca pelo cuidado integral

O articulador Daniel de Souza reforça que, para atender a uma população tão ampla, com características diferentes, é necessário pensar de uma forma ampla e que abrace a questão da cidadania além das necessidades urgentes da saúde.

"Temos parcerias com a Secretaria de Desenvolvimento Social e com a Defensoria Pública. Essa galera às vezes tem desejo de sair da rua, mas não querem ir para qualquer abrigo, não tem documentos, tem baixa escolaridade e pouca ou nenhuma experiência profissional. Com a parceria podemos oferecer soluções mais completas para essas pessoas", aponta.

Em alguns municípios, como é o caso de São Paulo, moradores de rua que tenham o ensino fundamental completo (ou consigam completar com a ajuda do próprio programa), podem ser empregados na própria equipe do consultório da rua.

É o caso, por exemplo, de Samira Alves Matos, transexual que viveu um período difícil nas ruas e teve a oportunidade de entrar na equipe como agente de saúde. Com a ajuda de uma ONG focada na população LGBTQIA+, se formou na faculdade e hoje é assistente social.

"Hoje tenho a oportunidade de atender pessoas para quem conto minha história, e posso inspirá-las que é possível conseguir condições melhores", diz Samira.

Três imagens, em montagem, de momentos de atendimentos diferentes do consultório na rua

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Agentes dos consultórios nas ruas promovem, além de atendimento de saúde, orientações sociais para a população de rua

As dificuldades do atendimento

Um dos empecilhos do atendimento à população de rua, especialmente para tratamentos mais longos, como para tuberculose (de duração de cerca de seis meses), ou até para doenças crônicas, como hipertensão, diabetes e para pessoas que convivem com o vírus HIV, é o fato de que muitos são itinerantes, e portanto, é difícil para os agentes de saúde encontrá-los.

"Mesmo que consigam os remédios, podem pegar chuva, serem roubados, e não conseguir no mês seguinte se perderem os documentos, por exemplo", exemplifica a pesquisadora Nilza Nunes.

Em relação à falta de investimento, Daniel afirma que São Paulo e Rio de Janeiro sentiram menos impactos sobretudo por conta de um dinheiro destinado especificamente durante o período da pandemia da covid-19. "Mas equipes em outras cidades perderam trabalhadores e insumos", diz.

"Já existem políticas nacionais voltadas à população de rua desde 2009. A gente precisa mostrar que há pessoas comprometidas com essa luta, e o que falta realmente é investimento. Teríamos condições de atuar de forma muito mais humanizada e ampla se isso virasse uma pauta política, mas há falta de interesse politico, e isso inclusive reverbera no olhar que a sociedade tem: quem desconhece, criminaliza", conclui Nilza.

Agentes de saúde andando

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Agentes de saúde a caminho de moradores de rua que vivem embaixo de ponte



  • Giulia Granchi
  • Da BBC News Brasil em São Paulo
Professor Edgar Bom Jardim - PE