segunda-feira, 1 de novembro de 2021

De aprovação recorde ao impeachment: relembre os principais momentos do governo Dilma


História: Governo Dilma Rousseff

Dilma Rousseff foi afastada temporariamente da presidência em maio

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Dilma Rousseff foi afastada temporariamente da Presidência em maio

Com tantos vaivéns do momento político, fica até difícil lembrar como o governo Dilma Rousseff começou.

A lembrança pode surpreender os mais críticos: no fim do seu primeiro mandato, a presidente tinha 59% de aprovação - o maior índice para um presidente neste período desde a redemocratização - e era elogiada por ser responsável pela "faxina ética", quando demitiu ministros envolvidos em casos de corrupção.

O fato de ser a primeira presidente mulher do Brasil alavancou suas viagens internacionais e encontros com chefes de Estado. Em 2011, Dilma foi a primeira mulher a fazer o discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU.

No entanto, as críticas ao governo não demoraram a aparecer. Depois dos anos de bonança do governo Lula, quando a economia chegou a crescer 7,5%, o PIB não repetiu o mesmo desempenho. A inflação voltou a subir e a crise econômica começou a afetar o mercado de trabalho, aumentando o desemprego. Somou-se a isso o andamento da operação Lava Jato, que envolve nomes importantes do PT.

Os protestos contra o governo vieram na sequência, acompanhados pela queda da popularidade de Dilma e pedidos cada vez mais declarados pelo impeachment da presidente, que culminaram no julgamento desta semana no Senado.

Relembre a seguir alguns dos fatos marcantes dos dois mandatos da presidente:

Primeiro mandato

Dilma foi a primeira mulher a fazer o discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU

CRÉDITO,ROBERTO STUCKERT FILHO/PR

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Dilma foi a primeira mulher a fazer o discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU

Primeira mulher presidente

As viagens internacionais e os encontros com chefes de Estado marcaram os primeiros meses do governo Dilma em razão do ineditismo de o Brasil ser representado por uma presidente mulher. Entre as visitas mais importantes está a do presidente dos EUA, Barack Obama, ao Brasil, em março de 2011.

Em setembro, ela foi a primeira mulher a fazer o discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU. Em sua fala, disse que era a "voz da democracia" e defendeu a criação do Estado palestino.

No roteiro de viagens de Dilma, além de países da América do Sul, estiveram França, África, Bélgica, Grécia e Turquia.

Ex-ministro Nelson Jobim (Defesa) foi um dos que caíram no primeiro ano de Dilma

CRÉDITO,ANTONIO CRUZ/AGÊNCIA BRASIL

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Ex-ministro Nelson Jobim (Defesa) foi um dos que caíram no primeiro ano de Dilma

Troca de ministros e 'faxina ética'

Antes de completar um ano de governo, Dilma viu sete ministros caírem, seis deles por acusações de corrupção. Em dezembro de 2010, o recém-indicado ministro do Turismo, Pedro Novais, foi o primeiro integrante do governo a ser acusado, antes mesmo da posse. Denunciado por irregularidades cometidas quando era deputado, acabou deixando a pasta em setembro de 2011.

O primeiro ministro a sair, no entanto, foi Antonio Palocci, que deixou a Casa Civil em 8 de junho do mesmo ano, um dia após as acusações contra ele terem sido arquivadas pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Palocci era suspeito de enriquecimento ilícito, porque teria multiplicado seu patrimônio em 20 vezes nos quatro anos anteriores. A senadora Gleisi Hoffman (PT-PR) assumiu a pasta.

Os ministros Alfredo Nascimento (Transportes), Nelson Jobim (Defesa), Wagner Rossi (Agricultura), Orlando Silva (Esportes) e Carlos Lupi (Trabalho) completaram a lista de baixas.

A forma enérgica como Dilma lidou com esses episódios fez com que parte da população passasse a vê-la como a grande responsável pela "faxina ética" contra a corrupção.

Isso se refletiu na aprovação de 59% da população - o maior índice para o primeiro mandato de um presidente desde a redemocratização, maior até que a popularidade de Lula nos primeiros quatro anos na presidência, que foi de 52%.

Lava Jato foi deflagrada em 2014; um dos primeiros presos foi o doleiro Alberto Youssef

CRÉDITO,TÂNIA RÊGO AGÊNCIA BRASIL

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Lava Jato foi deflagrada em 2014; um dos primeiros presos foi o doleiro Alberto Youssef

Lava Jato e Pasadena

Deflagrada em março de 2014, a operação Lava Jato começou a investigar um grande esquema de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos.

Uma das primeiras prisões, também em março, foi a do doleiro Alberto Youssef. Dias depois, houve a prisão de Paulo Roberto Costa, ex-diretor de abastecimento da Petrobras. Costa era investigado pelo Ministério Público Federal por supostas irregularidades na compra pela Petrobras da refinaria de Pasadena, no Texas, em 2006.

Indícios de que a compra da refinaria teria sido desastrosa para a estatal - em uma época em que Dilma ainda era ministra de Minas e Energia do governo Lula e presidente do Conselho Administrativo da empresa - levaram ao pedido de instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Duas CPIs acabaram sendo criadas: uma exclusiva do Senado e uma mista.

Depois de meses de investigação, a CPI mista aprovou o relatório do deputado Marco Maia (PT-RS), que pedia o indiciamento de 52 pessoas e reconhecia prejuízo de US$ 561,5 milhões (R$ 1,9 bilhão) na compra da refinaria.

Costa e Youssef assinaram com o Ministério Público Federal acordos de delação premiada para explicar detalhes do esquema e receber, em contrapartida, alívio de penas.

Em novembro de 2014, a Polícia Federal deflagrou uma nova fase da Lava Jato, que envolveu buscas em grandes empreiteiras como Camargo Corrêa, OAS, Odebrecht e outras sete companhias.

Dilma sempre teve relação complicada com o Congresso e pouco contato com parlamentares

CRÉDITO,FABIO RODRIGUES POZZEBOM/AGÊNCIA BRASIL

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Dilma sempre teve relação complicada com o Congresso e pouco contato com parlamentares

Relação com o Congresso

No início do primeiro mandato, Dilma se aproveitou do capital político do ex-presidente Lula em suas relações com o Congresso. Em 2011, o PT tinha a maior bancada na Câmara dos Deputados, com 88 parlamentares. E controlava 15 cadeiras do Senado, apenas cinco a menos do que o PMDB.

Ao longo dos primeiros quatro anos no governo, a presidente precisou conter resistências na base, em partidos como PR e PMDB. Na aprovação do MP dos Portos na Câmara, em 2012, foi preciso esforço para pacificar aliados e vencer os partidos oposicionistas.

Além disso, desde o início do mandato, os parlamentares aliados reclamavam que Dilma não os recebia. As queixas eram tão frequentes que levaram à troca do então ministro das Relações Institucionais, Luiz Sérgio, por Ideli Salvatti, que estava na Pesca.

Um levantamento feito pelo jornal O Globo mostrou que, entre janeiro de 2011, quando assumiu, e outubro de 2014, Dilma recebeu com exclusividade apenas dois deputados federais e 13 senadores.

A oposição também acusou Dilma diversas vezes de governar "por decreto", pelo número de medidas provisórias editadas pelo governo. Nos quatro anos do primeiro mandato, foram mais de 140 MPs. Apenas uma foi revogada.

Em 2013, a presidente montou uma operação política para evitar que problemas com o PMDB e outros partidos da base aliada prejudicassem a campanha à reeleição em 2014.

O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, e o presidente do PT, Rui Falcão, eram os encarregados da articulação. O objetivo era refazer a coligação partidária que deu a Dilma o maior tempo de propaganda na TV nas eleições de 2010.

A estratégia servia principalmente para acabar as rusgas entre o Palácio do Planalto e o PMDB e incluía liberar dinheiro das emendas parlamentares e apoiar mudanças na tramitação das medidas provisórias para não afogar o Senado.

Apesar da instabilidade, a relação entre Dilma e o Congresso continuou firme em momentos importantes, como na aprovação do projeto que desobrigou o governo de cumprir qualquer meta de superavit em 2014. Nada parecido ao rompimento visto hoje no Parlamento.

Emprego formal se manteve em alta no primeiro mandato da presidente

CRÉDITO,RAFAEL NEDDERMEYER / FOTOS PÚBLICAS

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Emprego formal se manteve em alta no primeiro mandato da presidente

Economia em desaceleração

No primeiro ano do governo Dilma a economia já dava sinais de desaceleração, depois de o PIB brasileiro ter crescido 7,5% em 2010, o maior avanço desde 1986. Em 2011, o PIB cresceu 2,7%, bem menos que os 5,5% projetados.

O ponto positivo ficou por conta do emprego formal, que se mantinha em alta: apenas 5% da população economicamente ativa estava desempregada. No entanto, à medida que o primeiro mandato avançava, a economia apresentava mais resultados preocupantes.

Em 2012, ela cresceu 0,9%, o pior desempenho desde 2009. No ano seguinte, se recuperou impulsionada pela alta de investimentos - o governo fez várias linhas de financiamento - e a alta do PIB foi de 2,3%.

Para enfrentar a desaceleração, o governo apelou para medidas de desoneração, tanto para o setor produtivo quanto para os consumidores. Pacotes de estímulos fiscais e financeiros também foram lançados contra os gargalos de infraestrutura, como nas entradas e portos.

Segundo cálculos feitos por auditores da Receita Federal para a Folha de S. Paulo, as desonerações concedidas pelo governo desde 2011 somariam estimados R$ 458 bilhões em 2018, quando deveria terminar o segundo mandato de Dilma.

A redução de impostos começou no governo Lula, como forma de estimular o crescimento do país. No entanto, passou a ser mais intensa quando Dilma foi eleita e avançou fortemente no primeiro ano de mandato.

As desonerações aumentaram a dívida bruta do país. Em 2014, o setor público gastou R$ 32,5 bilhões a mais do que arrecadou com tributos — o equivalente a 0,63% do Produto Interno Bruto, o primeiro déficit desde 2002.

Junho de 2013 foi marcado por grandes protestos em dezenas de cidades

CRÉDITO,GETTY IMAGES

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Junho de 2013 foi marcado por grandes protestos em dezenas de cidades

Junho de 2013 e Copa

Junho de 2013 foi um mês dramático para o governo Dilma, com uma onda de protestos tomando conta das principais capitais para criticar a corrupção e os gastos com a Copa do Mundo. Centenas de milhares de manifestantes foram às ruas com diferentes demandas: de investimentos em saúde e educação a menos corrupção no Congresso.

A primeira bandeira, no entanto, foi contra o aumento das tarifas de transporte público. No auge das manifestações, Dilma se pronunciou em rede nacional e convocou um pacto com parlamentares e governantes em torno das melhorias exigidas, especialmente mobilidade urbana e a garantia de reverter 100% dos recursos do petróleo para a educação.

Os protestos não se repetiram com a mesma intensidade na Copa, em 2014, que ocorreu sem grandes problemas.

Pedaladas fiscais

Em 2013 começaram a ocorrer as chamadas pedaladas fiscais, nome dado à prática do Tesouro Nacional de atrasar de forma proposital o repasse de dinheiro para bancos (públicos e também privados) e autarquias, como o INSS.

O objetivo era melhorar artificialmente as contas federais. Ao deixar de transferir o dinheiro, o governo apresentava todos os meses despesas menores do que elas deveriam ser na prática.

Campanha presidencial de 2014 foi marcada pela disputa acirrada por votos

CRÉDITO,RICARDO STUCKERT / INSTITUTO LULA

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Campanha presidencial de 2014 foi marcada pela disputa acirrada por votos

Eleições de 2014

A campanha presidencial foi marcada pela disputa acirrada por votos e pela morte do candidato do PSB, Eduardo Campos, que estava em terceiro lugar nas pesquisas e era considerado uma via alternativa à oposição PT-PSDB. Marina Silva, substituta de Campos, logo saiu do páreo. Dilma foi reeleita com 51,64% dos votos válidos.

Dilma anunciou equipe econômica com Joaquim Levy e Nelson Barbosa para acalmar o mercado

CRÉDITO,JOSÉ CRUZ/AGÊNCIA BRASIL

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Dilma anunciou equipe econômica com Joaquim Levy e Nelson Barbosa para acalmar o mercado

O anúncio de Levy

No fim de 2014, com a evolução da crise da Petrobras e a piora dos indicadores econômicos, Dilma antecipa os nomes de sua nova equipe econômica para acalmar os mercados. Então executivo do Bradesco, Joaquim Levy é anunciado como ministro da Fazenda. No Planejamento fica Nelson Barbosa, também com longa experiência no governo.

Segundo mandato

Popularidade da presidente afastada caiu no começo do segundo mandato

CRÉDITO,RICARDO STUCKERT / INSTITUTO LULA

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Popularidade da presidente afastada caiu no começo do segundo mandato

Popularidade abalada

A popularidade da presidente se inverteu no segundo mandato, com os efeitos da situação econômica e da crise de governabilidade. Nos primeiros três meses de 2016, pesquisa CNI-Ibope apontou que somente 24% dos entrevistados diziam confiar em Dilma, o pior resultado desde o início do segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1999.

Ajuste fiscal e desemprego

No primeiro mandato, sinais de que a meta do superávit primário (economia para pagar os juros da dívida) não seria cumprida levaram o governo a adotar, no primeiro mandato, um ajuste fiscal voltado à redução de gastos públicos.

Em 2015, encabeçado pelo então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, o ajuste voltou a fazer parte da agenda econômica do governo, mas para recompor as receitas. A nova prioridade da política econômica era reequilibrar as contas públicas.

Para isso, Levy lançou medidas que ficaram conhecidas como "pacote de maldades", com o objetivo de aumentar a arrecadação federal e retomar o crescimento da economia - entre elas, medidas provisórias que alteraram o acesso a direitos previdenciários como seguro-desemprego e pensão por morte. Logo nos primeiros meses, houve também ajustes nos preços dos combustíveis e da eletricidade para aumentar a arrecadação.

Levy lançou medidas que ficaram conhecidas como "pacote de maldades" para retomar o crescimento

CRÉDITO,MARCELO CAMARGO/ AGÊNCIA BRASIL

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Levy lançou medidas que ficaram conhecidas como "pacote de maldades"

No entanto, muitos economistas consideram que o corte necessário de gastos não veio, assim como o aumento de impostos, o que foi agravado pela crescente dificuldade do governo de dialogar com o Congresso.

Em 2015, o PIB caiu 3,8%. Tarifas de ônibus e energia elétrica, além de impostos e taxas, como IPVA e IPTU, estiveram por trás da alta da inflação, que bateu 7% nos primeiros meses do ano.

Com a economia em crise, o mercado de trabalho passou por um rápido processo de piora, com reflexos sobre o emprego e formalização do trabalho.

A taxa de desemprego do país cresceu para 8,5% na média no ano passado, divulgou o IBGE em março. Esse resultado é o maior já medido pela Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), iniciada em 2012. Em 2014, a média foi de 6,8%.

Depois de uma sequência de derrotas em sua batalha para promover o ajuste, inclusive a perda do grau de investimento do país, Levy deixou o governo em dezembro do ano passado.

Lava Jato

As fases da operação Lava Jato monopolizaram as manchetes do ano passado e deste ano. Entre os momentos mais importantes estão a prisão dos presidentes da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, e da Andrade Gutierrez, Otávio Marques de Azevedo, em junho.

Em setembro, o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto foi condenado a 15 anos e quatro meses de prisão por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e associação criminosa. Ele teria recebido cerca de R$ 4,26 milhões em propinas envolvendo contratos da Petrobras. No ano passado, o então senador e líder do governo no Senado Delcídio do Amaral (ex-PT) foi preso sob acusação de tentar obstruir as investigações da Lava Jato - foi o primeiro caso no Brasil de prisão de senador no exercício do cargo.

Protestos contra o governo têm bandeiras pelo fim da corrupção e pela saída de Dilma

CRÉDITO,FERNANDO FRAZÃO/AGÊNCIA BRASIL

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Protestos contra o governo tinham bandeiras pelo fim da corrupção e pela saída de Dilma

Protestos "Fora Dilma"

Em um cenário de crise econômica e ajustes fiscais, a reprovação do governo Dilma chegou a 62% em 2015, de acordo com o Datafolha, e levou milhares às ruas das principais cidades do país. As principais bandeiras dos manifestantes eram o combate a corrupção e a saída de Dilma e do PT do governo. Muitos elogiavam a atuação do juiz Sérgio Moro, da Lava Jato.

Realizada após novos protestos nas ruas, pesquisa do Datafolha indicou que o segundo mandato da petista já alcançou a mais alta taxa de rejeição de um presidente desde setembro de 1992 - pouco antes do impeachment de Fernando Collor.

Afastamento de Dilma dos parlamentares agravou marcha do impeachment

CRÉDITO,LULA MARQUES/AGÊNCIA PT

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Afastamento de Dilma dos parlamentares agravou marcha do impeachment

Saída do PMDB e isolamento

A saída do PMDB, partido do vice-presidente, Michel Temer, da base aliada concretizou o isolamento da presidente no Congresso. O afastamento da presidente dos parlamentares se agravou com a marcha do processo de impeachment e o convite feito a Lula para ocupar a Casa Civil.

A tentativa de trazer Lula para construir pontes com os partidos enfrentou forte resistência e levou milhares de manifestantes às ruas, além de afastar possibilidades de novas alianças. Outras siglas, como o PRB, também saíram da base aliada.

Senado iniciou julgamento de Dilma na semana passada, em última etapa do processo de impeachment

CRÉDITO,ROQUE DE SÁ/AGÊNCIA SENADO

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Senado iniciou julgamento de Dilma na quinta, em última fase do processo de impeachment

Impeachment

Em dezembro de 2015, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, autorizou o pedido para a abertura do processo de impeachment de Dilma Rousseff. Ele deu andamento ao requerimento formulado pelos juristas Hélio Bicudo, fundador do PT, Janaina Paschoal e Miguel Reale Júnior. Os juristas atacam as chamadas "pedaladas fiscais", prática atribuída ao governo de atrasar repasses a bancos públicos a fim de cumprir as metas parciais da previsão orçamentária.

Em abril, a Câmara aprovou a Comissão Especial do Impeachment. Por 38 votos a 27, a comissão aprovou no dia 11 de abril o parecer do relator Jovair Arantes (PTB-GO) favorável à abertura do processo de afastamento da presidente. O afastamento da presidente também passou pelo plenário da Câmara, por 367 votos a favor e 137 contra.

O processo seguiu para o Senado. No dia 6 de maio, a Comissão Especial do Impeachment da Casa aprovou por 15 votos a 5, o parecer do relator Antonio Anastasia (PSDB-MG), favorável à abertura de um processo contra Dilma.

Advogado de Dilma, Cardozo tenta provar que presidente não cometeu crimes de responsabilidade

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Advogado de Dilma, Cardozo tenta provar que ela não cometeu crimes de responsabilidade

Em seguida, o plenário decidiu por 55 votos a 20 que a petista seria processada e, assim, afastada temporariamente do cargo para o julgamento. Ela deixou o cargo em 12 de maio. Em seu primeiro discurso na nova condição, Dilma Rousseff afirmou que o processo de impeachment era "fraudulento" e um "verdadeiro golpe".

Os mesmos termos foram repetidos diversas vezes em entrevistas que Dilma deu à imprensa internacional no Palácio da Alvorada, onde ficou nos últimos quatro meses.

Nesta segunda-feira, a presidente afastada dará seu depoimento no julgamento que ocorre no Senado, a etapa final do processo de impeachment. Desde quinta-feira, foram ouvidas as testemunhas de acusação e de defesa, que foram questionadas pelos senadores.

A sessão decisiva, com a votação no plenário, deve ocorrer até quarta-feira. Para que o impeachment seja aprovado são necessários pelo menos 54 votos. Nesse caso, Dilma será afastada definitivamente da Presidência da República e ficará inelegível por oito anos, a partir de 2019.

29/08/2016

Professor Edgar Bom Jardim - PE

Como primeira 'presidenta', Dilma deixou algum legado para as mulheres?



Dilma e as mulheres

CRÉDITO,ROBERTO STUCKERT FILHO

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Dilma foi a primeira presidente mulher do Brasil

Na última quarta-feira, Dilma Rousseff se despediu em caráter definitivo do Planalto após a aprovação do impeachment no Senado e, assim, encerrou cinco anos e meio de mandato da primeira representante feminina no posto mais importante do país. Em seu discurso final, ela deixou uma mensagem para as mulheres.

"Às mulheres brasileiras, que me cobriram de flores e de carinho, peço que acreditem que vocês podem. As futuras gerações de brasileiras saberão que, na primeira vez que uma mulher assumiu a Presidência do Brasil, o machismo e a misoginia mostraram suas feias faces. Abrimos um caminho de mão única em direção à igualdade de gênero. Nada nos fará recuar", afirmou.

Mas qual foi, de fato, o legado que a primeira 'presidenta' deixou para as brasileiras?

Para ativistas e cientistas políticas, o saldo "foi positivo, mas poderia ter sido melhor".

"Dilma fez diferença, não só por ser mulher, mas por ser mulher consciente do seu lugar no mundo e consciente das desigualdades de gênero - e por ter lutado contra isso", avaliou Jacira Melo, diretora-executiva do Instituto Patrícia Galvão.

As especialistas ouvidas pela BBC Brasil citaram principalmente avanços na questão do combate à violência doméstica, da representatividade na política e da independência financeira da mulher.

As maiores críticas ficaram por conta de dois temas polêmicos: os direitos reprodutivos e a questão da diversidade sexual.

A BBC Brasil preparou uma lista com algumas das principais reivindicações de grupos que defendem a igualdade de gênero e traz análises sobre o quanto esses tópicos avançaram ou retrocederam nos últimos anos, além de falar das expectativas para o próximo governo.

Representatividade da mulher na política

O Brasil ocupa o 155º lugar no ranking de igualdade entre homens e mulheres na política, segundo levantamento do IPU (Inter-Parliamentary Union) em agosto com 193 países. Atualmente, 10% da Câmara dos Deputados é formada por mulheres e, no Senado, elas são 13%.

Por tudo isso, a participação feminina em secretarias e ministérios, segundo as especialistas, seria essencial para garantir não só a representatividade delas, como também para que as questões de gênero sejam colocadas em pauta.

"A democracia não se completa sem a participação real das mulheres. Mulheres e homens, no exercício da liderança política, devem estar comprometidos com a plataforma de direitos das mulheres entre as grandes prioridades políticas", afirmou à BBC Brasil Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres Brasil.

Posse de Temer

CRÉDITO,BETO BARATA/PR

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Em cerimônia no Senado, Michel Temer tomou posse como presidente; ativistas criticam falta de representatividade das mulheres no governo dele

No aspecto dos ministérios, Dilma ganhou destaque por ter nomeado o maior número de ministras mulheres na história do país - foram 18 em diferentes momentos de seus cinco anos e meio de governo.

"Ela queria que tivesse havido paridade de ministros, metade mulher e metade homem. Mas por conta de brigas internas do PT não houve. (Mas) foi uma diferença brutal, porque nunca tivemos um governo com um número tão grande de mulheres. E isso estimula várias mulheres a participarem da política", disse Maria do Socorro Braga, professora de Sistemas Democráticos e Teoria Política Democrática da Ufscar.

Nesse ponto, a falta de mulheres nos ministérios de Temer teve repercussão negativa tanto no Brasil quanto internacionalmente. "O Brasil passou a ser um dos pouquíssimos países do mundo sem mulheres no comando de ministérios", pontuou Gasman.

"Não estamos debatendo que precisa ter mulher nesse ou naquele lugar só porque é mulher. Estamos dizendo que o Brasil no século 21 tem mulheres com capacidade para estar em qualquer um dos ministérios. E nós somos 52% da população, que ali não está representada. Temos muita gente qualificada", avaliou Jacira Melo, do Instituto Patrícia Galvão.

Em uma das medidas para amenizar as críticas, Temer nomeou Flávia Piovesan para a Secretaria de Direitos Humanos. Em entrevista à BBC Brasil em maio, ela admitiu que há necessidade de mais representatividade das mulheres - mas não só na política.

"Tem que avançar e espero que avancemos. Eu creio que temos que avançar em todas as áreas. No Executivo, no Legislativo, onde as mulheres são ainda 10%, no Judiciário. Ainda é muito reduzida nossa representatividade."

Flavia Piovesan

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Flavia Piovesan assumirá secretaria que ficará sob guarda-chuva do Ministério da Justiça

Direitos reprodutivos

A questão que causa mais polêmica entre as reivindicações de grupos de mulheres é a dos direitos reprodutivos - que incluem a luta pela legalização do aborto.

Com a primeira presidente mulher no poder, havia uma expectativa de que essa causa pudesse ser ao menos colocada em pauta por parte do Executivo - algo que não aconteceu.

"Para mim, uma das grandes tristezas do governo Dilma foi ver que a discussão sobre os direitos reprodutivos das mulheres não avançou em nada, pelo contrário. O tema foi totalmente silenciado", disse à BBC Brasil a antropóloga Debora Diniz, do instituto de bioética Anis.

"Mesmo com uma ministra absolutamente engajada (Eleonora Menicucci, na Secretaria de Políticas para Mulheres), nada avançou, porque ela não podia falar nada. E, para falar a verdade, foi um retrocesso se olharmos para o fato de que os serviços que oferecem aborto legal (para os casos previstos em lei) foram cortados pela metade nesse governo."

Edilson Rodrigues/Agência Senado

CRÉDITO,EDILSON RODRIGUES/AGÊNCIA SENADO

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Dilma Rousseff citou as mulheres em seu discurso de defesa no Senado: "Parceiras incansáveis de uma batalha em que a misoginia e o preconceito mostraram suas garras"

Para Nalu Faria, da coordenação nacional da Marcha das Mulheres, o debate acabou prejudicado pela conjuntura conservadora tanto do Congresso, quanto da sociedade brasileira. Ela menciona a estratégia de José Serra, então candidato à Presidência pelo PSDB em 2010, de chamar Dilma de "abortista" na campanha.

"A partir do que foi a campanha, a gente já percebeu que ia ser muito difícil (abordar essa questão). A Dilma foi colocada contra a parede. E depois disso ela não pôde ampliar o tema porque havia um conjunto de forças desfavoráveis", afirmou. "Mas com certeza faltou um posicionamento mais forte dela."

As perspectivas para essa questão não agradam as analistas. A ex-deputada Fátima Pelaes, que assumiu a Secretaria da Mulher no governo de Temer, era a favor da descriminalização do aborto, mas mudou de posição ao se tornar evangélica.

Em entrevista ao jornal Mensageiro da Paz, Pelaes disse que "como ainda não conhecia Jesus Cristo", defendia a bandeira por entender que "a mulher era 'dona' de seu corpo".

"Coloquei o mandato à disposição de Deus. Hoje, eu defendo o direito à vida, o direito de viver tem que ser dado para todos."

A professora Maria do Socorro Braga afirma que, diante de um cenário 'tão consevador" no Senado e na Câmara, não vê um avanço da discussão.

Gabinete do presidente interino Michel Temer é formado apenas por homens

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Gabinete do presidente interino Michel Temer é formado apenas por homens

"Na última eleição, os partidos grandes perderam cadeiras para os mais conservadores, de origem cristã. Eles aumentaram muito seu poder dentro do Congresso e por isso a tendência é que esse debate não aconteça", disse a professora da Ufscar.

"Cada vez mais estamos virando uma teocracia. Além disso, temos uma sociedade conservadora, que promove a santificação da maternidade. E com essa sobreposição da questão religiosa e desse fator cultural, a discussão não avança mesmo", observou Débora Diniz.

Igualdade no mercado de trabalho

Entre os avanços que veem no governo Dilma as entrevistadas citam a maior presença das mulheres no mercado de trabalho formal. Segundo elas, programas como Bolsa Família e políticas públicas de acesso à educação, como o Pronatec, permitiram que mais brasileiras tivessem registro em carteira.

Segundo relatório da ONU Mulheres Brasil de 2015, as mulheres são maioria entre as beneficiárias de programas sociais. E também estão mais presentes nas empresas e escolas.

"O programa do governo de Dilma em termos de políticas públicas teve um impacto significativo na vida das pessoas mais pobres, especialmente das mulheres negras", diz Nadine Gasman, da ONU Mulheres Brasil.

Dados da entidade também mostram aumento de 800% no número de microempreendedoras individuais em seis anos, passando de 21 mil em 2009 para 2,1 milhões em 2014. Desse total, mais de 495 mil pertenciam ao Bolsa Família.

Para Jacira Melo, o programa teve uma participação importante na emancipação feminina já que nos mandatos de Dilma mulheres se tornaram titulares do benefício nas famílias. Antes, com Lula, homens também poderiam ser responsáveis pelo cartão.

"(Essa mudança) só acontece quando o governante tem a percepção de que, na família, as mulheres são uma unidade, não só um indíviduo. O parceiro, quando tem a titularidade, pode passar para frente o Bolsa Família, gastar com outras coisas; a mulher não."

No governo Dilma, mulheres passaram a ser titulares do Bolsa Família

CRÉDITO,AGÊNCIA SENADO

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No governo Dilma, mulheres passaram a ser titulares do Bolsa Família

Além da concessão do Bolsa Família, a coordenadora da pós-graduação em Ciência Sociais da UERJ Clara Araújo cita as condições mais flexíveis de empréstimos no Minha Casa Minha Vida e em outros programas de crédito habitacional, o que beneficiaria as mulheres.

"Quando são chefes de família sem cônjuge e com filhos, as mulheres têm uma renda menor. Se não houver um olhar em relação a isso, elas serão sempre excluídas."

Condições mais flexíveis do Minha Casa Minha Vida para mulheres foram elogiadas por especialistas

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Condições mais flexíveis do Minha Casa Minha Vida para mulheres foram elogiadas por especialistas

No entanto, a professora critica o foco da maioria das políticas nas mães, deixando de lado as necessidades e desejos das mulheres mais jovens ou solteiras.

"Há sempre uma tensão entre afirmar as mulheres como sujeitas de si, como pessoas de direito só por serem mulheres, e o discurso da maternidade, de vê-las sobretudo como mães."

Segundo as entrevistadas, outra medida favorável à emancipação feminina no governo Dilma foi a aprovação da "PEC das Domésticas", emenda constitucional que amplia os direitos das empregadas domésticas. O texto que regulamenta a PEC foi publicado no Diário Oficial em junho de 2015 e garante sete novos direitos a essas profissionais, como auxílio-creche, seguro-desemprego e salário-família.

A lei que permite às empresas ampliarem a licença-paternidade de 5 para 20 dias também é mencionada como tópico positivo. Em março, Dilma sancionou o texto, que cria a Política Nacional Integrada para a Primeira Infância e permitiria que pais dividissem os cuidados com as crianças por mais tempo.

Por fim, a representante do Instituto Patrícia Galvão aponta que o feito mais importante de Dilma com relação a esse tema é a "construção cultural".

"Tenho certeza que todas as gerações de mulheres agora veem como uma possibilidade real ocupar uma Presidência da República ou mesmo estar onde elas decidirem que querem estar no mercado de trabalho. Isso ninguém vai tirar, nem o impeachment."

Combate à violência e ao feminicídio

Colocar todas as ações previstas na Lei Maria da Penha em prática foi para Jacira Melo, do Patrícia Galvão, um importante destaque do governo Dilma no combate à violência doméstica - tópico bem avaliado pelas especialistas consultadas.

"A sensibilidade (do governo) possibilitou ações significativas para acesso à Justiça e o acolhimento das mulheres nos espaços urbanos e rurais. Isso foi absolutamente novo", diz Melo.

Ela cita também a lei que tipifica o crime de feminicídio (homicídios cuja motivação envolve o fato de a vítima ser mulher) e aumenta as penas previstas pelo Código Penal. O texto foi sancionado no Brasil em março de 2015.

A inauguração de centros de acolhimento de vítimas de violência, as Casas da Mulher Brasileira, está incluída nessas medidas, segundo Nalu Faria, da Marcha das Mulheres. No entanto, pondera, a ampliação dos centros não cumpriu o prometido - até agora, duas unidades foram abertas.

"O programa previa uma casa por capital, o que não foi feito, mas ao menos cria uma referência interessante para ser implementada."

Flavia Piovesan, titular da Secretaria de Direitos Humanos no governo Temer, afirmou à BBC Brasil que o combate à violência contra a mulher é uma das prioridades do governo, junto às ações afirmativas para negros.

"(A prioridade) é como combater, prevenir e implementar de maneira mais plena a Lei Maria da Penha em todo o país."

Inauguração de uma das Casas da Mulher Brasileira, medida elogiada por especialistas

CRÉDITO,ROBERTO STUCKERT FILHO/ PR

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Inauguração de uma das Casas da Mulher Brasileira, medida elogiada por especialistas

Questão de gênero e diversidade sexual nas escolas

Uma das grandes polêmicas durante o governo Dilma foi a da cartilha formulada pelo Ministério da Educação para abordar a questão de gênero e a diversidade sexual nas escolas públicas. Essa também era uma das pautas dos ativistas pela igualdade de gênero e acabou não avançando.

Logo que a notícia da cartilha, chamada "kit anti-homofobia", surgiu em 2011, houve uma enxurrada de críticas, além de pressão da bancada evangélica e católica do Congresso - forçando um recuo de Dilma.

O kit era parte do projeto "Escola sem Homofobia" e tinha como objetivo abrir um debate nas escolas sobre temas como gênero e suas desigualdades, homofobia, diversidade sexual e luta pela cidadania LGBT.

Protesto pela Lei Maria da Penha

CRÉDITO,AGENCIA BRASIL

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Com o lema "Por uma vida sem violência: para mim, para nós, para todas", mulheres protestam pela implementação da Lei Maria da Penha

"Não se trata de recuo. Se trata de um processo de consulta que o governo passará a fazer, como faz em outros temas também, porque isso é parte vigente da democracia", disse Dilma à época. O tema não voltou mais à tona desde então.

Para Maria do Socorro Braga, assim como a discussão o aborto, essa também não vai evoluir por causa do Congresso "conservador".

"Essas questões não vão ser colocadas em pauta em um Congresso tão conservador. Além disso, hoje temos uma grande parte da população que rejeita a pauta mais progressista", analisou.

Já Flávia Piovesan considera esse tema como uma de suas prioridades.

"Acho muito importante termos o diagnóstico: onde estamos e para onde vamos. E uma das minhas prioridades é trabalhar a questão da homofobia. Não podemos admitir desperdício de vidas em razão da intolerância pela diversidade sexual."

  • Ingrid Fagundez e Renata Mendonça
  • Da BBC Brasil em São Paulo
  • 01/09/2016
Professor Edgar Bom Jardim - PE