sexta-feira, 23 de julho de 2021

Adoração a deuses, nudez e mulheres vetadas: como eram os Jogos Olímpicos na Antiguidade


Atrizes recriaram cenas das olimpíadas antigas em uma cerimônia em Londres 2012

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Atrizes recriaram cenas das olimpíadas antigas em uma cerimônia em Londres 2012

Culto ao corpo aos atletas e a celebridades, cerimônias grandiosas de abertura e encerramento, transmissões ao vivo com milhões de telespectadores ao redor do mundo. Os Jogos Olímpicos atuais são um retrato perfeito do nosso tempo.

Mas eles são muito diferentes dos primeiros Jogos disputados na Grécia Antiga, que tinham até um cunho religioso, com homenagens a Zeus e outros deuses.

Como, então, as Olimpíadas atuais se comparam às originais? Durante a edição dos Jogos em Londres, em 2012, a BBC conversou com o historiador de Grécia Antiga Paul Cartledge para entender como eram as competições naquela época.

Os primeiros jogos aconteceram em 776 a.C. e há relatos de jogos tendo sido disputados a cada quatro anos até o ano de 393 d.C — mais de mil anos depois.

Os Jogos duravam cinco dias inteiros no século 5 a.C. Pelo menos 40 mil espectadores lotavam o estádio todos os dias no auge da popularidade dos Jogos, no século 2 d.C.


No século 19, houve um ressurgimento na Grécia de competições chamadas olimpíadas. Em 1890, o barão francês Pierre de Courbetin fundou o Comitê Olímpico Internacional, que seis anos depois organizou os primeiros jogos olímpicos da era moderna, em Atenas.

Um evento para homens nus

As antigas Olimpíadas eram apenas para os homens, no que diz respeito a competições de atletismo e esportes de combate.

As mulheres sequer eram autorizadas a assistir. No entanto, algumas podiam competir nos eventos equestres, mas só no papel de substitutas dos donos dos cavalos e das carruagens.

A primeira vitória feminina de que se tem registro foi a de uma princesa espartana.

Acredita-se que uma possível razão para a exclusão das mulheres seja o fato de que os atletas, lutadores e boxeadores tinham que competir sem roupa.

Ilustracao antiga dos Jogos

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A antiga palavra grega para "exercitar-se" significava literalmente "ser inflexível pelado", provavelmente por motivos religiosos, já que os Jogos eram uma festa de homenagem a Zeus.

Cavaleiros e condutores de carruagens usavam roupas nas competições, mas eles eram vistos como empregados, e não donos dos cavalos — que ficavam com os louros da vitória.

As provas que sobreviveram aos tempos e as que não existem mais

"Dos eventos de corrida antigos, só sobreviveram (nos Jogos Olímpicos atuais) os 200 metros rasos, os 400 metros e a prova dos 5 mil metros", explica Cartledge.

A pista de corrida do século 4 a.C. ainda é visível na antiga cidade de Olímpia.

"Além deles, havia as provas de combate. Dessas, a luta greco-romana e o boxe sobreviveram (mas em formato diferente)."

A luta também era um dos cinco eventos do pentatlo antigo, junto com a corrida de 200 m, o arremesso de dardos, o arremesso de disco e o salto em altura.

Luta greco-romana

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A luta greco-romana sobreviveu aos tempos, mas em um formato diferente

"As antigas provas equestres, de carruagem e de corrida de mula não têm equivalentes nas Olimpíadas modernas", diz o professor.

Também havia provas em que os atletas não competiam completamente pelados: seus corpos eram cobertos com um capacete e um protetor de canela para a corrida em armadura e para eventos equestres.


O local e o propósito dos Jogos

As antigas Olimpíadas eram um festival explicitamente religioso, dedicado à veneração da mais poderosa divindade grega, Zeus, do Monte Olimpo, a mais alta montanha grega.

Os jogos sempre eram disputados no mesmo lugar, num local remoto e de difícil acesso a pé no noroeste do Peloponeso. Os competidores e espectadores vinham não apenas da Grécia, mas de todo o mundo grego, que na época se estendia da Espanha à Geórgia.

O local dos jogos era conhecido como Olímpia, em homenagem ao título de "Olímpio" de Zeus, derivado do Monte Olimpo.

Os prêmios

A vitória já era um prêmio por si só, em teoria. Uma guirlanda simbólica de folhas de oliva, cultivadas em Olímpia, era a única recompensa, e destinada apenas ao campeão — não havia medalhas de prata ou bronze.

Mas a cidade natal de um campeão também poderia oferecer-lhe uma recompensa monetária ou o direito de fazer refeições gratuitas no centro administrativo. O campeão também podia encomendar versos a um poeta local para imortalizar a sua fama, ou pedir a um artista para esculpir uma escultura sua em bronze ou mármore — a qual seria dedicada a um deus.

Os vencedores também ganhavam em prestígio. No fim do século 4 a.C., o lutador Milo, originário do que hoje é o sul da Itália, era considerado o Usain Bolt de sua época: não só foi seis vezes campeão olímpico, como também ficou conhecido por seus dotes em carregar touros e em consumir carne.

Um evento internacional

A princípio e por muitos séculos, o evento permitia apenas a adesão de gregos, ou pan-helênicos. Na época, os "bárbaros" (não-gregos) não podiam participar.

Mas quando Roma conquistou a Grécia, no século 2 a.C., os romanos rejeitaram o título de bárbaros e exigiram o status de grego para que pudessem competir - algo que conseguiram.

Os Jogos, assim, continuaram a acontecer a cada quatro anos, até 393 d.C., quando foram banidos por um imperador romano cristão, Teodósio I, que alegava que a competição era politeísta e pagã.

Outro imperador romano que colocou à prova o espírito olímpico era Nero, morto em 68 d.C. Com ameaças e subornos, ele exigiu que o comitê pan-helênico adiasse a data das Olimpíadas por dois anos, para que o imperador pudesse combinar sua aparição na competição com seu tour imperial, em 67 d.C.

Ele caiu de sua carruagem de 16 cavalos, mas mesmo assim foi premiado com a guirlanda de oliva, dando mostras de seu poder imperial na época.

Outros fatos

O site oficial das Olimpíadas também lista outras curiosidades sobre os Jogos Olímpicos da Antiguidade:

  • Competidores de pancrácio (uma espécie de arte marcial mista que combinava boxe e luta livre) lutavam cobertos de óleo
  • Havia apenas duas regras no pancrácio: não morder e não apertar os olhos do adversário
  • Falsas largadas eram punidas com violência
  • Boxeadores deveriam evitar atacar os órgãos genitais masculinos expostos
  • No boxe, não havia pontos, limite de tempo ou classificações por peso
  • Lutadores tinham que indicar sua rendição levantando o dedo indicador, mas às vezes, morriam antes de conseguir se render.
  • BBC
Professor Edgar Bom Jardim - PE

terça-feira, 20 de julho de 2021

Covid: ‘Não me vacinar foi maior erro da vida', diz professor que teve forma grave da doença




Abderrahmane Fadil recebendo oxigênio
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Abderrahmane Fadil, que tinha escolhido não tomar vacina, deixou o hospital há quase um mês, mas ainda não está bem

"A vacina foi oferecida para mim, mas fui arrogante", conta Faisal Bashir, um homem atlético de 54 anos.

"Eu ia para a academia, pedalava, caminhava e corria. Como eu era forte e saudável, não achei que precisasse da vacina. Além disso, se por acaso não fosse segura, eu não teria corrido nenhum risco. Mas a verdade é que não consegui evitar o vírus. Ele ainda me pegou. Não sei como nem onde."

Bashir, que recebeu alta após uma semana recebendo oxigênio em um hospital do Reino Unido, faz questão de alertar outras pessoas para não cometerem seu erro.

"O que vivi no hospital me humilhou", diz ele. "As pessoas estão enchendo os hospitais ao se arriscar, e isso é errado. Eu me sinto péssimo. Eu me sinto tão mal por isso e espero que, falando abertamente, consiga ajudar outros a evitarem isso."

Bashir estava internado no Bradford Royal Infirmary, um hospital no norte da Inglaterra que, como muitos outros, está vendo o número de pacientes em tratamento de covid-19 voltar a subir drasticamente.

Cerca de metade dos pacientes são pessoas que optaram por não tomar vacina, conta o epidemiologista John Wright, que comanda o Instituto de Bradford para Pesquisa em Saúde. Ele diz que, agora, muitos desses pacientes lamentam terem deixado de tomar a vacina.

No mês passado, o número de pacientes de covid-19 no hospital tinha caído a níveis não vistos desde o verão de 2020. No entanto, com a variante Delta se espalhando, os números voltaram a subir.

Esse movimento reflete o aumento dos casos na comunidade, que vêm subindo principalmente entre pessoas mais novas. Embora poucos ods jovens acabem no hospital, os médicos dizem que os pacientes têm, em média, menos idade do que nas ondas anteriores, com muitos deles na casa dos 20, 30 e 40 anos.

"Alguns já tomaram as duas doses da vacina e, portanto, tiveram uma doença mais branda — mas ainda assim tiveram de receber oxigênio de forma não invasiva. Sem a vacina, eles provavelmente estariam mortos", disse o médico Abid Aziz.

"Outros acabaram de tomar a primeira dose e, portanto, não estão totalmente protegidos. É preocupante que cerca de metade dos pacientes na enfermaria hoje não tenham sido vacinados. Parei de perguntar a eles o motivo, porque estão claramente envergonhados."

Pessoa sendo vacinada
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Médico que trata pacientes com covid que escolheram não tomar vacina diz que deixou de perguntar o motivo: 'Estão claramente envergonhados'

Abderrahmane Fadil, um professor de ciências de 60 anos que tem dois filhos pequenos, é um dos que lamentam a própria atitude em relação à vacina. Ele estava desconfiado das vacinas por causa da velocidade com que eram distribuídas. Fadil acabou na UTI por nove dias.

"É tão bom estar vivo", diz ele. "Minha esposa tomou a vacina. Eu não. Estava relutante. Estava me dando tempo, estava pensando que na minha vida vivi com vírus, bactérias, e pensei que meu sistema imunológico era bom o suficiente. E eu tive sintomas de covid no início da pandemia e pensei que talvez tivesse contraído. Achei que meu sistema imunológico reconheceria o vírus e eu teria defesas. Esse foi o maior erro da minha vida. Quase me custou a vida. Já tomei muitas decisões tolas na vida, mas essa foi a mais perigosa e séria."

Fadil deixou o hospital há quase um mês, mas ainda não está bem. "Eu gostaria de poder ir a cada pessoa que se recusa a receber a vacina e dizer a eles: 'Olha, isso é uma questão de vida ou morte. Você quer viver ou morrer? Se você quiser viver, então vá e tome a vacina", diz ele.

Abderrahmane Fadil
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Abderrahmane Fadil: 'Gostaria de poder ir a cada pessoa que se recusa a receber a vacina e dizer: isso é uma questão de vida ou morte'

Para muitos dos pacientes que não foram vacinados, ser hospitalizado com covid grave é um alerta para as consequências fatais de notícias falsas sobre o coronavírus e as vacinas.

Faisal admite ter sido influenciado por conversas nas redes sociais e pelas preocupações com a vacina na comunidade asiática da cidade, além de reportagens sobre o baixíssimo risco de coágulos sanguíneos com a vacina da Astrazeneca.

Cerca de três quartos da população adulta em Bradford, no norte da Inglaterra, recebeu a primeira dose da vacina, em comparação com 87% em todo o país.

No hospital, Wright diz que os profissionais estão profundamente nervosos com o afrouxamento das restrições a partir da segunda-feira (19/7) na Inglaterra. "Como todos no país, queremos recuperar nossas vidas anteriores e, embora a ligação entre infecções e hospitalizações seja claramente reduzida, ela permanece sempre presente em nossas enfermarias."

E diz que, embora agora haja muito menos mortes por covid do que antes, ainda há algumas, e o número está crescendo novamente. Portanto, ele diz, a corrida entre a onda de vacinação e a disseminação do Sars-CoV-2 continua sendo uma questão de vida ou morte.

Ele afirma que, se há uma lição do ano passado, é nunca subestimar esse vírus.

BBC
Professor Edgar Bom Jardim - PE

segunda-feira, 19 de julho de 2021

Bom Jardim 150 anos: Múltiplas leituras da nossa história - Parte 1

O Museu de Bom Jardim comemora os 150 anos de história política do município homenageando seu povo.
Celebrar e fazer história com reflexões, homenagens, mensagens e muita cultura.
Ressignificar o passado, viver o presente com consciência, olhar reflexivo e confiante no futuro.
Neste filme, o Projeto Múltiplas Leituras de Bom Jardim, dialoga com Manuel Mariano da Silva, poeta cancioneiro.

Mortes por covid: cidades com prefeita, em vez de prefeito tiveram 43% menos vítimas no Brasil


Manifestante, com velas ao fundo, segura cartaz, onde está escrito: "Onde erramos?"

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Referência no combate à covid-19, em 2020, a Nova Zelândia passou a habitar o imaginário de milhões de pessoas em seus momentos de tédio ou desespero em quarentenas forçadas ao redor do mundo. Ali, apenas 26 pessoas morreram em decorrência da pandemia. Considerada a artífice dos bons resultados sanitários do país, a primeira-ministra Jacinda Arden foi comparada a seus pares, como o ex-presidente americano Donald Trump e o mandatário brasileiro Jair Bolsonaro, cujos países registraram juntos mais de 1,1 milhão de mortes por infecções do novo coronavírus.

O desempenho notável de Jacinda e de outras governantes mulheres durante a pandemia, como as líderes de Bangladesh e Taiwan, instalou uma dúvida na cabeça de quatro economistas brasileiros. "A gente decidiu investigar se ter uma mulher na gestão da crise sanitária poderia levar a uma diferença das políticas públicas adotadas e causar desfechos melhores do que ter um homem nessa mesma função", explica o economista Raphael Bruce, do Insper.

Junto com colegas da Universidade de São Paulo e da Universidade de Barcelona, Bruce assina o recém-publicado estudo "Sob pressão: a liderança das mulheres durante a crise da covid-19", ainda sem revisão por outros cientistas. A pesquisa oferece a primeira evidência de que ter mulheres no poder durante uma pandemia ajuda a salvar mais vidas do que ter um homem na cadeira.

Onde elas mandam: 44% menos mortes, 30% menos internações

No trabalho, Bruce e seus colegas usam os mais de 5.000 municípios do Brasil como uma espécie de laboratório. Primeiro, os pesquisadores selecionaram apenas os 1.222 municípios que, nas eleições de 2016, tiveram eleição à prefeitura realizada em turno único e em que o primeiro e o segundo colocados fossem de gênero diferente. Assim, limitaram a análise a municípios de até 200 mil habitantes.

Depois refinaram ainda mais a amostra, de modo a considerar apenas aqueles em que a corrida eleitoral foi acirrada — e a margem de vitória menor do que 10% do número de votos para a candidata ou para o candidato —, algo que ocorreu em cerca de 700 localidades.


Jacinda Ardern

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O desempenho da premiê da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, chamou atenção de pesquisadores brasileiros

Assim, conseguiram chegar o mais próximo possível da reprodução das condições de um experimento controlado: em pesquisas de vacinas, por exemplo, a definição de quais participantes receberão uma dose do imunizante a ser testado ou uma dose de placebo é feita por sorteio. Isso evita a possibilidade de que o viés de algum pesquisador na seleção das pessoas e distribuição das doses possa influenciar no efeito causado pelo placebo ou pela vacina.

Do mesmo modo, os economistas olharam para um dado grupo de municípios pequenos e médios, comparáveis entre si econômica e demograficamente, em que a chance de haver um homem ou uma mulher na cadeira de prefeito era praticamente aleatória, quase um acaso.

O passo seguinte foi verificar os dados de mortes e internações por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) de cada um desses 700 municípios, em 2020, no Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe), do Ministério da Saúde. Como a distribuição e aplicação de testes para o novo coronavírus variou muito pelo Brasil, os dados de SRAG têm sido adotados como forma de driblar eventuais distorções por subnotificação de casos e óbitos de covid-19.

A conclusão foi que municípios com prefeita tiveram, em média, 25,5 mortes por 100 mil habitantes a menos do que aqueles em que os chefes do Executivo local eram homens — uma diferença de 43,7% na mortalidade.

Em relação às hospitalizações, os registros mostram uma redução média de 30,4% em internações por 100 mil habitantes nos municípios com prefeitas em relação ao mesmo dado de cidades com prefeitos.

Elas obrigam mais o uso de máscara

Em uma extrapolação dos resultados, os autores afirmam que se metade dos 5.568 municípios do Brasil fossem liderados por mulheres, seria possível esperar que o país tivesse nesse momento 15% menos mortes do que o total acumulado, de mais de 540 mil. Ou, dito de outra forma, mais de 75 mil pessoas ainda estariam vivas agora. Hoje, menos de 13% das prefeituras do Brasil são comandadas por mulheres.

Mulher de máscara

"É preciso sempre lembrar que esses dados são válidos para esses municípios pequenos e médios que foram analisados, mas fizemos esse cálculo para mostrar o tamanho da relevância do fenômeno quando a gente pensa em definição de políticas públicas", afirma o pesquisador Alexsandros Cavgias, da Universidade de Barcelona.

Mas, afinal, o que essas mulheres fizeram de diferente dos seus pares homens que poderia explicar a menor gravidade da pandemia nas cidades delas? Como o Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou, ainda no começo da pandemia, em 2020, que os gestores municipais tinham autonomia para adotar medidas em suas cidades, a resposta deveria estar em como prefeitos e prefeitas administraram a crise. Por isso, os pesquisadores verificaram se as prefeituras ordenaram o uso de máscaras no município, limitaram a circulação em transporte público, proibiram aglomerações, adotaram exigência de cordão sanitário e limitaram o funcionamento de negócios não essenciais.

E descobriram que, de modo geral, municípios com mulheres no comando adotaram em uma frequência 10% maior esse tipo de medidas não farmacológicas de combate à pandemia. No caso das máscaras, o número de prefeitas que determinou seu uso obrigatório superou em oito pontos percentuais o dos pares homens. Na obrigatoriedade de testes para entrar na cidade, mulheres superaram homens em 14 pontos percentuais. E na proibição de aglomeração, em cinco e meio pontos percentuais.

O que explica a diferença entre a gestão delas e deles?

No estudo, os pesquisadores contemplam as possibilidades de que as mulheres tenham tomado decisões diferentes — e obtido resultados melhores na pandemia — por alguns motivos. Avaliam, por exemplo, se a idade menor ou maior de homens e mulheres no cargo poderia ser uma determinante. Não houve, no entanto, diferença significativa quando se comparou os perfis das prefeitas e de seus pares homens.

Outra hipótese era de que a diferença fosse resultado de um perfil ideológico das mulheres. As soluções para a pandemia tornaram-se bandeiras políticas de determinados grupos. A direita conservadora, liderada por Bolsonaro, condenou reiteradamente a adoção de medidas como uso de máscara e restrição do comércio e de aglomerações. "Mas a verdade é que quando olhamos para os dados sobre posicionamento político-partidário, as mulheres prefeitas tendiam a ser até um pouco mais conservadoras do que seus pares homens", afirma Bruce.

O estudo ainda analisa se as prefeitas poderiam ser, com mais frequência, profissionais da saúde, o que poderia impactar suas decisões políticas nessa área. Isso também não se comprovou verdadeiro. Tampouco as prefeitas tomaram medidas nos anos anteriores que as tivessem deixado em melhor situação que os governantes homens quando a pandemia chegasse, como o aumento de leitos ou de investimento na saúde.

Do mesmo modo, embora as mulheres prefeitas tivessem, em média, escolaridade mais alta do que os homens prefeitos, a pesquisa mostrou que a adoção de medidas mais rígidas e a redução de mortes e internações não variava conforme o nível educacional, o que também levou ao descarte do fator como possível explicação.

"A verdade é que por enquanto apenas sabemos o que não causa a diferença, mas não conseguimos determinar o que está por trás do fenômeno", afirma Bruce.

Para Jessica Gagete-Miranda, pesquisadora de políticas públicas da Università' degli Studi di Milano Bicocca, na Itália, que leu o estudo a pedido da BBC News Brasil, a explicação para o fenômeno pode estar em uma característica frequentemente associada ao gênero feminino na literatura científica: a maior aversão ao risco.

"Já existem pesquisas mostrando que mulheres, de forma geral, aderiram mais a medidas não farmacológicas de combate à covid-19, como distanciamento social e uso de máscara. Se mulheres de forma geral fazem isso, mulheres prefeitas também devem fazer e essas últimas têm poder político para exigir que a população também o faça", diz Gagete-Miranda.

Bolsonaro com caixa de cloroquina, em foto de julho de 2020

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Bolsonaro com caixa de cloroquina, em foto de julho de 2020; presidente apostou em medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19

Sem espaço no jogo político

Segundo o economista Sergio Firpo, do Insper, que leu o artigo de Bruce, Cavgias e seus colegas, o mérito da pesquisa está em estabelecer a causalidade entre haver mulheres no poder e haver menos mortes naquela cidade em decorrência da pandemia — o que pode pautar a ação de eleitores e agremiações políticas no futuro.

"É uma falha não ter uma explicação para o fenômeno no trabalho. Mas mesmo que não saibamos o que provoca essa diferença, seria interessante que os partidos e os eleitores observassem esse tipo de coisa para escolher suas apostas, seus candidatos. O ponto é que existem diferenças na gestão entre homens e mulheres e isso é estratégico", diz Firpo.

Ele cita um trabalho feito pela economista brasileira Fernanda Brollo que concluiu que as mulheres tendem a se envolver em menos casos de corrupção do que os homens. Usando metodologia semelhante à de Bruce e Cavgias, ela cruzou os resultados de eleições de 400 municípios em 2000 e 2004 com as auditorias federais nessas mesmas cidades. Brollo descobriu que os municípios governados por prefeitas apresentavam entre 29% e 35% menos chances de se envolverem em condutas corruptas do que as de seus pares homens.

Isso, no entanto, não garantiu a elas qualquer vantagem competitiva no sistema político. Durante os períodos analisados, as prefeitas receberam entre 30% e 55% menos aportes de recursos eleitorais para suas campanhas. A probabilidade de serem reeleitas ficou cerca de 20% abaixo da dos candidatos do sexo masculino.

No Brasil, um sistema de cotas foi criado em 1995 para garantir que os partidos políticos destinem um percentual de candidaturas a mulheres em eleições parlamentares proporcionais. Ou seja, não existe qualquer previsão de reserva de vagas para mulheres na disputa para o Executivo — e o funcionamento do sistema de cotas atual tem se mostrado pouco eficiente para aumentar a presença delas em cargos eletivos.

Brollo questiona se, caso as mulheres tivessem condições competitivas semelhantes às dos homens na política, ou se um sistema de cotas fosse adotado no Executivo para assegurar maior espaço político a elas, tais diferenças em relação à corrupção ou à qualidade da gestão de crise ainda se manteriam. "Sabemos que a política brasileira ainda é bastante dominada por homens. Isso pode fazer com que as exigências para se eleger uma mulher sejam mais altas do que aquelas para eleger um homem e que apenas mulheres mais qualificadas acabem ganhando as eleições (ou chegando perto de ganhar)", diz Gagete-Miranda.

Essa é uma possibilidade que os próprios autores do trabalho dizem ser plausível. De outra forma, Bruce também coloca a questão.

"Talvez as mulheres prefeitas acabem tomando melhores decisões sob pressão porque já enfrentam mais pressão e desafios adicionais na carreira política. Mas esse é um aspecto não observável da realidade", conclui.

Professor Edgar Bom Jardim - PE