terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

Carnaval 2021: VIII Encontro de Burrinhas, Caboclinhos, Catirinas e Maracatus de Pernambuco mobilizou a cultura popular de Bom Jardim.




Seguindo as devidas recomendações das autoridades de saúde diante da pandemia de coronavírus, o Museu de Bom Jardim realizou nesta terça-feira, 17 de fevereiro de 2021, o  VIII Encontro de Burrinhas, Caboclinhos, Catirinas e Maracatus de Pernambuco, por meio de apresentações culturais simbólicas no espaço interno de sua sede localizada no centro da cidade de Bom Jardim.

As  breves apresentações culturais foram gravadas e editadas  para exibição nas plataformas digitais. A parceria foi firmada entre o Museu de Bom Jardim, O Grupo Cultural Burrinhas da Chã de Cícero, O Grupo Cultural Caboclinhos da Espera, Yonne lopes CIA de de Ballet e Everson Antônio do Grupo de Dança Evolução , ambos ex-integrantes do Balé Popular .

A ação cultural foi combinada no espírito da Lei Aldir Blanc, uma vez que havia um acordo entre as instituições e pessoas envolvidas no sentido de beneficiar o público e realizar esta primeira etapa do  VIII Encontro de Burrinhas, Caboclinhos, Catirinas e Maracatus de Pernambuco. O projeto segue para um segundo momento conforme vacinação e incentivos culturais das instituições públicas e patrocinadores.

Acesse mais sobre o evento no canal Museu de Bom Jardim no YouTube    ( https://www.youtube.com/results?search_query=museu+de+bom+jardim  )  no Facebook emhttps://www.facebook.com/museudebomjardimpe no Instagram: @museudebomjardimpe  

Professor Edgar Bom Jardim - PE


segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

EVANGÉLICOS ESTÃO TOMANDO O LUGAR DOS CATÓLICOS NO MST DO RIO


Apesar da ligação histórica com o movimento, agora a Igreja Católica perde espaço no maior assentamento do Rio de Janeiro.


A APOSENTADA ZULMIRA CUNHA, 76 anos, se cansou da Igreja Católica. Assim como outras mulheres que vivem no assentamento Zumbi dos Palmares, em Campos dos Goytacazes, no interior do Rio de Janeiro, ela não se identificava com os padres católicos, jovens e sem experiência conjugal. Acabou se convertendo à Assembleia de Deus. Na ocupação do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, o MST, onde vivem mais de 500 famílias desde o fim dos anos 1990, a expansão do neopentecostalismo é gigantesca. Nos cinco núcleos do assentamento, há 12 templos e comunidades religiosas, 11 deles evangélicos. A Assembleia de Deus tem sete, a Igreja Universal do Reino de Deus, dois. A Igreja Católica, que outrora era dominante entre os assentados, resiste em uma única capela.

Maior assentamento do estado do Rio de Janeiro e quarto maior do país, o Zumbi dos Palmares viu o número de evangélicos assentados crescer cerca de dez vezes na última década. Eram meros 7% em 1999 – dois anos após a ocupação da área. Na época, 86% dos assentados se diziam católicos e 3% adeptos de religiões de matriz africana. Hoje, são 72% evangélicos, e apenas 15% são católicos. O número de seguidores de religiões afro não se alterou, enquanto o de evangélicos explodiu.

Os dados são da pesquisa “Pentecostalização Assentada no Assentamento Zumbi dos Palmares”, realizada pelo teólogo Fábio Py e o geógrafo Marcos Pedlowski, ambos professores do programa de pós-graduação em Políticas Sociais da Universidade Estadual do Norte Fluminense, a Uenf. O estudo, que levou três anos, acaba de ser publicado na revista acadêmica Perspectiva Teológica, da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia de Belo Horizonte.

“É impressionante a quantidade de evangélicos nos assentamentos no Brasil e em movimentos como o MST e também o MTST [Movimento dos Trabalhadores Sem Teto]. Chama a atenção a quantidade de lideranças evangélicas que estão sendo construídas. E com uma atuação bastante relevante das mulheres”, constata Py, doutor em teologia. “Não são mais católicos, como eram no começo, são pentecostais. É uma outra linguagem que está se construindo nessas periferias rurais, nos assentamentos.”.

No assentamento, resistem cerca de 20 pessoas, em média, nas celebrações da Igreja Católica. Um dos espaços de oração dos católicos acabou fechado nos últimos anos por falta de público e de padre. Zulmira, fiel católica no início da ocupação, lembra, “com todo o respeito”, que era atendida por um padre “menino de 20, 30 anos, que tinha acabado de sair do seminário, não entendendo nada do que a vida tem”. Segundo ela, o padre “não sabe o que é criar filhos, netos, muito menos o que é se deitar todos os dias com a mesma pessoa trabalhando na roça”, disse ela ao pesquisador, em entrevista mencionada no estudo.

A falta de sintonia dos padres com a comunidade era evidente, segundo relatos. Em dezembro de 2017, numa celebração de fim de ano, um padre de 27 anos, que não visitava o assentamento havia dois anos, chegou ao local trajando uma vestimenta usada por jesuítas, com gola clerical e outros adornos. Estava ainda cercado por 20 seminaristas, todos jovens, que faziam uma barreira entre ele e o povo. Questionado por um outro religioso sobre a roupa, que não seria adequada para o local, o padre disse não haver “nada mais santo do que a roupa jesuítica”.

As mulheres do assentamento preferem conversar com os pastores, em vez dos padres, por achar que eles – que podem se casar –, entendem melhor os seus problemas. “Ao contrário do padre, que não pode se casar, namorar, pelo menos o pastor sabe da vida de casado”, disse Zulmira. “A vida na roça e de casa é muito dura para chegar uma vez no mês e escutar o padre falar sobre um monte de gente, histórias, estudos, e não falar nada para mim, nada da vida aqui. Ainda por cima, passa um monte de reza nas confissões”, desabafou.

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Assembleia de Deus é a igreja mais presente no assentamento: são sete templos. 

Foto: Arquivo Pessoal/Fábio Py

A CPT perde espaço

O assentamento Zumbi dos Palmares tem uma área de 8.500 hectares – o equivalente a 8,5 mil Maracanãs – que pertencia a uma antiga e falida usina de cana-de-açúcar, a São João, abandonada desde a década de 1980. Campos de Goytacazes viveu o apogeu da lavoura canavieira no país no início do século 20. Décadas depois, o setor enfrentou uma grave crise. As usinas faliram por conta dos cortes dos subsídios do governo federal para a produção de cana e álcool, e os trabalhadores rurais da região ficaram desempregados.

Formado por nove fazendas, o latifúndio da usina São João foi ocupado por 559 famílias, inicialmente, em abril de 1997. Entre os assentados, havia trabalhadores da usina e moradores de favelas de Campos e cidades vizinhas, como Macaé e São Francisco de Itabapoana, recrutados por líderes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e Comissão Pastoral da Terra, a CPT, órgão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e vinculado à Comissão Episcopal para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz.

Seis meses depois da ocupação, a área foi desapropriada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. No mesmo ano, houve a emissão de posse pelo Incra. No momento, estão lá 506 famílias. Onde só se plantava cana-de-açúcar, há agora o cultivo de frutas, legumes e hortaliças, além da produção de ovos, que geram renda para os assentados.

Pastores ‘fizeram um trabalho mais intenso no dia a dia junto às pessoas’.

Embora sem o apoio oficial da diocese de Campos dos Goytacazes – tradicionalmente ligada à ala conservadora católica –, membros da CPT sempre tiveram fortes vínculos com o assentamento Zumbi dos Palmares. Participaram ativamente de sua organização, incentivaram encontros em missas mensais, ajudaram na formação política dos cortadores de cana e de outros trabalhadores rurais sem terra e implantaram no local projetos como o Movimento Fé e Cidadania, Movimento pela Educação no Campo, escolinhas de agroecologia e de estudos bíblicos (ligados à leitura popular da Bíblia), além de ações de erradicação de trabalho escravo e o acompanhamento de comunidades quilombolas.

O órgão católico também ajudou a manter um ambulatório médico no acampamento. Entre outras atividades, seus agentes ensinaram os moradores a manejar uma horta com plantas medicinais. “Os padres atuaram e ajudaram muito mais o movimento na luta pela terra do que os pastores. Estiveram mais presentes. Não lembro de pastores contribuindo nas ações. Apenas um no assentamento tem proximidade com o movimento”, diz Alcimaro Martins, agente da CPT, trabalhador rural e assentado no Zumbi dos Palmares.

Ex-seminarista, ele observa, no entanto, que os pastores “fizeram um trabalho mais intenso no dia a dia junto às pessoas, formando uma nova comunidade no assentamento”. Embora seja presidida por um bispo católico, a CPT tem caráter ecumênico, ou seja, é composta por pessoas de diferentes religiões. Mantém em seus quadros membros de outras igrejas protestantes, por exemplo.

A proximidade, no entanto, não foi suficiente para frear a expansão neopentecostal.

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Igreja Católica ajudou a estruturar o espaço onde hoje são cultivados legumes, frutas e hortaliças. Hoje, sua presença minguou. Fotos: Arquivo Pessoal/Fábio Py

Uma nova comunidade

O MST disse não haver comprovação de que evangélicos são maioria em seus assentamentos pelo Brasil, porque não há um levantamento nacional sobre o tema. Nelson Freitas, membro da direção nacional do movimento e ex-integrante da Pastoral Operária Católica, reconheceu, no entanto, que os pentecostais são maioria hoje nos assentamentos no Rio de Janeiro. Disse acreditar que eles representam “uns 80%” dos assentados. Ressalta, porém, que é importante separar quem é da direção, as lideranças e a base do movimento. “A pessoa pode ser de uma religião evangélica, mas o seu comportamento político ser bem diferente daquele da igreja. O MST, nos assentamentos, mantém em prática a sua linha de ação e as suas diretrizes”, observa.

A mudança no perfil religioso dentro do assentamento do MST adianta a tendência do restante do país. De acordo com o último Censo do IBGE, em 2010, católicos somam 64,6% da população brasileira contra 22,2% dos evangélicos. Pesquisador da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, José Eustáquio Alves prevê que, em dois anos, os católicos estarão abaixo dos 50% pela primeira vez no país. Até 2040, a expectativa é que os evangélicos assumam a dianteira.

O teólogo Fábio Py, protestante de origem luterana e batista e que também presta assessoria à CPT, contou ter ouvido de um líder do MST em 2015 que 40% dos integrantes do movimento eram evangélicos. Em visitas depois a assentamentos, no entanto, constatou que o número era muito maior. Um exemplo: entre as 12 integrantes do coletivo de mulheres do Zumbi de Palmares, atualmente, 80% são evangélicas.

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Evangélicos são mais dinâmicos: alugam, abrem a igreja e, se não der muito certo, fecham e partem para outra.

 

Foto: Arquivo Pessoal/Fábio Py

Práticas de gabinete

O dirigente dos sem terra Nelson Freitas explica que o público do MST mudou muito nos últimos anos. Com o avanço do agronegócio, diminuiu, segundo ele, o número do trabalhador rural nato, aquele que vivia só no campo. “No Rio, onde a gente busca o público para as ocupações? Estão nas chamadas periferias, nos arredores das cidades grandes e médias. E uma das poucas organizações da qual esse público participa é a igreja. E hoje, qual é a igreja? É a evangélica”, responde.

Para ele, o fato de a Igreja Católica ter diminuído a força das comunidades eclesiais de base, as CEBs, e contido o avanço da Teologia da Libertação no Brasil acabou afastando grande parte dos militantes católicos das ações sociais na periferia. Esse vácuo foi ocupado pelos evangélicos, avalia. “Outra questão é que começamos a nos preocupar com a construção de um partido político nosso. Na medida que elegíamos alguém para o Legislativo, era uma vitória, mas arrastávamos para os gabinetes de vereador e deputado aquela pessoa que estava na rua no dia a dia fazendo um trabalho. Hoje, muitas dessas pessoas têm uma política bem intencionada, mas não têm vínculo com o povo. Têm práticas de gabinete”, detecta.

Para o padre e teólogo Manoel Godoy, professor da Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte e do Centro Bíblico Teológico Pastoral do Conselho Episcopal Latino-Americano, a Igreja Católica precisa se adequar à celeridade da vida urbana. Ex-assessor da CNBB, Godoy vê lentidão do catolicismo para responder às necessidades da população. “A demora para construção de um templo católico é tão cultural que, quando algo tarda muito, é costume dizer: ‘parece obra da igreja’. Alugar um salão para o funcionamento de uma comunidade católica não está nos planos da instituição. Ela sempre vai atrás de compra de terreno e construção. Os evangélicos não têm essa dificuldade. Alugam, abrem a igreja e, se não der muito certo, fecham e partem para outra. Isso não é da cultura da instituição católica”, observa.

Outro obstáculo, segundo Godoy, é a demora na formação de um líder na Igreja Católica, além da centralização exacerbada da evangelização nas mãos do clero. “Os inúmeros leigos e leigas que participam das comunidades católicas são muito passivos e dependentes do clero. Não agem com autonomia, nada decidem. Tudo se concentra nas mãos do clero. Desta forma, fica muito difícil a multiplicação de centros comunitários”.

Evangélicos ganharam mais força com os militares: era uma maneira de resistir à militância católica de esquerda.

Ele sugere medidas urgentes a serem tomadas pelas lideranças católicas, como a “celeridade na formação de lideranças, a flexibilização na lei do celibato, um melhor aproveitamento dos leigos e leigas que já participam da vida da igreja e a valorização maior sobretudo das mulheres”. Propõe ainda um resgate dos padres casados, “que são bem formados e capacitados para o exercício do ministério”. E acrescenta: “Ficar fixado num modelo único de padre é perder o bonde da história. Faz-se necessário criar novos modelos do exercício do ministério: casados, padres de equipes pastorais e ordenação de mulheres”.

O padre Godoy lembra que, desde a década de 1960, com o surgimento dos primeiros pastores televisivos, como Rex Humbard e Billy Graham, a pregação neopentecostal com base na teologia da prosperidade ganhou terreno no país, principalmente no rádio e televisão. “Com os militares, os evangélicos ganharam mais força, pois eles perceberam que seria uma maneira prática e barata de enfrentar a militância católica que se alinhava mais com as teses da esquerda, por meio das CEBs e da Teologia da Libertação”, afirma.

Godoy concorda que o avanço das igrejas pentecostais e neopentecostais “é um fenômeno nacional”, com crescimento vertiginoso nas periferias e favelas. “Um nordestino que chegava ao Rio de Janeiro subia o morro como Severino e descia como pastor, com a Bíblia debaixo do braço. Já se disse que era uma forma de sobreviver numa situação adversa e hostil. O terno e a Bíblia lhe conferiam uma certa autoridade”, afirma.

O ex-assessor da CNBB diz que, em regiões como a periferia de Belo Horizonte, onde atua, o crescimento evangélico é de tal magnitude que “o católico passou a ser identificado com características bem demarcadas: classe média e alta, escolarização superior, idade mais avançada e residentes de bairros mais nobres da capital”. Em Campos dos Goytacazes, a população católica hoje também está nas áreas nobres e centrais da cidade, enquanto os pentecostais predominam em assentamentos e nos bairros periféricos.

O papa Francisco terá muito trabalho para tentar reverter esse quadro.

Gilberto Nascimento
theintercept.com/
Professor Edgar Bom Jardim - PE

domingo, 14 de fevereiro de 2021

O deputado da bancada da bala que forjou o próprio atentado


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Loester Trutis foi eleito na onda conservadora de 2018. Antes da posse, vendia “Trump Burguer” em uma lanchonete em Mato Grosso do Sul.

 

Foto: Assessoria Loester Trutis



O maior lobista pró-armas de Bolsonaro só não está preso graças ao pacote que Sergio Moro chamava de anticrime.

O DEPUTADO BOLSONARISTA Loester Trutis relata ter sofrido uma emboscada em fevereiro do ano passado. Ele e seu assessor estariam na rodovia BR-060, entre Sidrolândia e Campo Grande, em Mato Grosso do Sul, quando o motorista de uma caminhonete emparelhou com o seu carro e disparou uma rajada de tiros de carabina. Por milagre, nenhum dos tiros teria atingido o deputado e seu assessor, que dirigia o carro. O deputado, que estaria descansando no banco de trás, disse que reagiu valentemente com tiros, colocando os criminosos para correr. Orgulhoso do seu heroísmo, escreveu no Facebook ao lado de uma foto do seu carro alvejado: “Graças a Deus pude revidar e aguardar a chegada da polícia. Quem achou que eu ia parar ou me calar, digo que estamos apenas começando e sigo trabalhando”.

Trutis contou para a Polícia Federal que suspeitava que os criminosos fossem traficantes de drogas e cigarros insatisfeitos com sua atuação parlamentar implacável contra a bandidagem. Realmente seria um ato heroico, digno de Hollywood, se não fosse só mais uma mentira escabrosa dita por um político bolsonarista. Sim, Loester Trutis forjou o atentado. Pelo menos foi isso o que a Polícia Federal e o Ministério Público Federal concluíram após meses de investigação.


Nenhuma das informações fornecidas pelo deputado batiam com o que foi apurado pela PF, o que fez com que os policiais desconfiassem da história. O GPS do carro indicava localizações completamente diferentes das relatadas por Trutis. Ele também informou o modelo e o final da placa da caminhonete, mas as câmeras de segurança da rodovia não registraram a passagem do veículo. Com os dados fornecidos, a polícia encontrou a única caminhonete que batia com a descrição: era de propriedade de um fazendeiro de 71 anos, velha, com problemas mecânicos que a tornavam inútil para uma perseguição em alta velocidade numa rodovia. Com aquela inteligência própria dos reacionários, Trutis deu detalhes das armas dos atiradores: “CTT, calibre .40, […] não se tratava de um fuzil, pois o carregador era retilíneo e não curvo”. Mas a perícia indicou que os tiros partiram de uma Glock 9mm de um atirador que estava em pé e parado. O modelo da arma é o mesmo de uma que o deputado gostava de exibir nas redes sociais. O exibicionismo bélico, esse fetiche do bolsonarismo, fez os investigadores ficarem ainda mais desconfiados.

Mas qual seria a motivação de Trutis em simular um atentado? A PF e o MPF concluíram que ele queria faturar politicamente em cima do caso. O MPF apontou que o deputado seguiu fazendo postagens sobre o atentado durante muito tempo, “sempre associando os fatos a uma disputa política no Mato Grosso do Sul e exaltando o fato de que estava armado”. A conclusão das autoridades faz todo sentido, já que a principal pauta de Trutis na política é justamente a flexibilização do Estatuto do Desarmamento.

Em sua casa, foram encontradas um arsenal de armas: a pistola Glock que ele adorava exibir na internet, um fuzil, um revólver calibre 357 e muita munição. Além de estarem em nome de laranjas, todas essas armas são ilegais, pois são de uso restrito. Outro agravante: o deputado estava impedido de ter armas em seu nome porque a lei exige uma ficha criminal limpa, o que definitivamente não é o seu caso. Trutis tem antecedentes criminais, que vão de violência doméstica a tentativa de estupro.


O machão foi preso em flagrante, mas ficou apenas um dia na cadeia. A ministra Rosa Weber determinou a soltura imediata do parlamentar com base numa mudança feita pelo pacote anticrime de Sergio Moro: a Lei 13.965, aprovada no Congresso com o voto favorável de Trutis, mudou a pena para o flagrante de posse de arma de uso restrito, que deixou de ser um crime inafiançável. Um sujeito como Trutis pode agora desfrutar da liberdade graças às medidas de Moro e Bolsonaro. É irônico que o pacote seja chamado de anticrime.

Uma lei do pacote anticrime de Moro livrou Trutis da prisão por porte ilegal de armas.

 

Foto: Reprodução/Facebook

Loester Trutis é um legítimo representante do jeito novo de fazer política consagrado pelo bolsonarismo. Até pouco tempo antes de se candidatar pela primeira vez em 2018 e ser eleito na onda reacionária que tomou conta do país, Trutis era um cidadão comum, proprietário de lanchonete e militante reacionário na internet. Atacava comunistas e xingava jornalistas, a quem costuma chamar de “maconheiros”. Ficou famoso nas redes sociais por vender em sua lanchonete o Bolso Burger, The Trump Burger e o Geisel Burger, uma homenagem aos extremistas de direita.

Durante a eleição, apresentou-se como um cidadão de bem que luta em defesa da família e pelo direito de andar armado. O seu jingle de campanha era uma paródia da música tema do filme Tropa de Elite: “chegou o Tio Trutis, osso duro de roer. Malandro e maconheiro ele vai mandar prender”. A letra da música também exaltava a Polícia Federal, a mesma que hoje ele acusa de manipular as investigações do seu atentado falso.

Apesar de neófito na política, o deputado é da linha de frente da bancada da bala. “Tio Trutis”, como é conhecido, é o idealizador da segunda bancada da bala, criada para defender a facilitação da compra, posse e porte de armas de fogo. Inclusive, ele usou o fato de presidir a bancada para justificar seu arsenal de armas ilegais: “Sim, foram encontradas várias armas na minha casa, pois sou o presidente da Frente Parlamentar Armamentista, presidente do Instituto Brasileiro da Cultura Armamentista. Porra, vocês queriam que achassem o que na minha casa?”.

A bancada da bala nunca esteve tão poderosa e vem crescendo com base em falácias rejeitadas por todos os especialistas em segurança pública. As mentiras do bolsonarismo seguem matando.

Frente Parlamentar Armamentista nasceu da iniciativa de Trutis, que logo no começo do mandato recolheu assinaturas para a sua criação. O lobby para a indústria de armas é descarado. Trutis e outros quatro deputados do PSL, integrantes da nova frente, foram até o Rio Grande do Sul para visitar a fábrica da Taurus, líder do mercado nacional. A Taurus fabrica mais de 1 milhão de pistolas, fuzis, submetralhadoras e revólveres por ano. A viagem dos deputados foi bancada pela Associação Nacional de Indústria de Armas e Munições (Aniam), da qual a Taurus é filiada.

Graças ao desfiguramento do Estatuto do Desarmamento, resultado desse lobby bolsonarista, nunca circularam tantas armas no país. Durante o governo Bolsonaro, a importação de revólveres e pistolas é maior que nos governos Lula, Dilma e Temer somados. Em dois anos, foram importadas mais armas do que nos 16 anos anteriores. Em 2020, houve uma alta de importação de 94% em relação ao ano anterior, e a expectativa para 2021 é ainda maior. A explosão de registro de novas armas no último ano aconteceu em meio à alta no número de homicídios.

Negar a relação do aumento de homicídios com o aumento de pessoas armadas é negar a ciência. Estudos do Mapa da Violência calculam que o Estatuto do Desarmamento foi responsável por salvar mais de 160 mil vidas entre 2003 e 2015. A relação direta entre o aumento do número de armas e o de homicídios não está em debate entre os especialistas. Trata-se de um consenso científico. O esquartejamento do estatuto, sustentado pela falsa ideia de que  cidadãos armados estão mais protegidos, favoreceu a criminalidade. Estudos mostram que entre 30% e 40% das armas apreendidas pela polícia com criminosos foram compradas legalmente por pessoas não envolvidas em crimes. As milícias agradecem. Afirmar que há mais segurança com cidadãos mais armados é mais um negacionismo assassino — algo que a pandemia mostrou ser um traço fundamental do bolsonarismo.

Durante a campanha para a presidência da Câmara, Arthur Lira foi a Campo Grande para costurar apoios com a bancada sul mato-grossense. Entre os deputados presentes estava Trutis que, apesar de parte do seu partido ter orientado o voto em Baleia Rossi, se rebelou para atender um “pedido do Planalto”. Na verdade, ter aderido ao bloco vencedor pode ajudá-lo a garantir a manutenção do mandato em um provável processo no Conselho de Ética por conta do falso atentado.

Loester Trutis personifica o bolsonarismo na sua mais pura essência. É um negacionista sem freio, capaz de simular um atentado apenas para conquistar dividendos políticos e eleitorais. As mamadeiras de piroca fabricadas durante a campanha são brincadeira de criança perto do que o fetiche bélico bolsonarista pode fabricar. A bancada da bala nunca esteve tão poderosa e vem crescendo com base em falácias rejeitadas por todos os especialistas em segurança pública. As mentiras do bolsonarismo seguem matando.

theintercept.com

Professor Edgar Bom Jardim - PE

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

A Globo compreende os brasileiros melhor que qualquer sociólogo da USP e sabe vender opiniões de consumo fácil sobre raça.




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Comportamento de Karol Conká, Lucas e Lumena concentrou os debates sobre identitarismo, representatividade e intolerância no BBB 21.

 

Foto: Reprodução/Rede Globo

QUE A GLOBO REALIZE uma edição do reality show Big Brother em 2021, um ano depois do início da pandemia parece com aqueles momentos em que a vida nos prega uma peça. Situação inusitada em que temos um espelhamento de pessoas confinadas: eles, os influenciadores, em busca do 1,5 milhão, e nós aqui, em casa, confinados por causa da pandemia. É bem possível que muitos brasileiros já nem estejam respeitando as recomendações do isolamento social, mas sem dúvida, aquela situação que até poucos tempos atrás nos parecia surreal, quase um ato heroico, não nos é mais estranho. Em 2021, 100% dos brasileiros sabem o que é estar confinado. Estamos, portanto, diante de uma nova relação do público com o reality show.

A particularidade do BBB é o fato dos participantes saberem que estão constantemente sob os olhares dos telespectadores mais engajados. Alguns de vocês leitores lembrarão do filme “O Show de Truman”, uma fantástica crítica contra os reality shows, estrelado por Jim Carrey – seu personagem é um homem que passa os primeiros trinta anos da vida sendo o astro principal deste tipo de programa. Ele, no entanto, desconhece sua situação, o que lhe dá um aspecto de vítima de um sistema podre e perverso. Nossas estrelas de hoje, “confinadas” pela Rede Globo, estão cientes de sua situação e, por isso mesmo, são pessoas extremamente corajosas. Ou loucas. Afinal, a linha que separa a coragem da loucura é tênue. E como diz aquele velho ditado sobre a guerra: “os mais fortes e os mais corajosos sucumbem”.


É por causa disso que pareceu acertado que vários psicólogos apontassem os efeitos desse reality show sobre os candidatos. Que Lucas, um dos candidatos negros do reality tenha dado sinal de uma saúde mental deteriorada não é anedótico. Não é anedótico que, após sofrer inúmeras agressões do outros participantes, Lucas tenha desistido do programa em 7 de fevereiro. Em Terra Estranha, o melhor livro já escrito sobre a psicologia do homem negro, vemos que nós, negros, além de tentarmos ser cidadãos plenos, precisamos exorcizar a loucura que o racismo planta em nossas cabeças. Estou grato que esse problema veio à tona agora.

Vários internautas, anônimos e intelectuais, foram às redes sociais manifestar sua preocupação quanto aos efeitos que as atitudes desses influenciadores estão tendo sobre a compreensão da questão racial pelo público. Tenho recebido até mensagens de brasileiros do exterior desejando que pessoas como Sílvio Almeida e outros intelectuais respeitados se pronunciassem e, sobretudo, se distanciassem, enquanto representantes do movimento negro, das posições tomadas por certos participantes negros do reality show.

A mais controversa até o momento é, sem dúvida, a rapper Karol Conká cujas falas contra nordestinos, visões preconceituosas sobre modos de ser de pessoas negras e até mesmo especulações sobre a higiene bucal de outro participante criaram uma forte rejeição. Me parece que tudo isso que estamos vendo é sintomático de algo muito mais profundo do que muitos querem encarar: o lugar que os influenciadores ocupam em nossa sociedade é sem precedentes na história do “star system”.


Nos anos 1970, Edgar Morin escreveu um livro seminal no qual analisava o lugar das “estrelas” na sociedade capitalista moderna. Para o pensador francês, eram ao mesmo tempo deuses e a imagem das nossas próprias projeções. Elas tiravam sua aura da televisão e, especialmente, do cinema. De Sinatra a Marilyn Monroe, de James Dean a Rock Hudson ou Grace Kelly, essa “gente como a gente” ganhava um status de divindade ao ocupar as telas e enchia nosso espaço doméstico de sonhos e esperança. Os escândalos em que se envolviam consistiam numa espécie de outro lado da moeda, o preço a pagar por se parecer tanto com os deuses. No século 21, as redes sociais substituíram o cinema na construção da fama.

O ineditismo desse novo fenômeno de agora é que o status do influencer do século 21 lhe confere poderes que nem mesmo Sinatra e Grace Kelly sonhariam em ter. Os famosos das redes sociais se transformaram em autoridades morais, científicas e políticas que opinam sobre qualquer assunto. A expertise não importa mais. Importa a fama que se compreende em termos de audiência, engajamento e captura da atenção do público. Vale o número de seguidores nas redes sociais.

A Rede Globo, que compreende o coração dos brasileiros melhor que qualquer sociólogo da USP, vem investindo nesses influenciadores numa clara redefinição de seus programas. Na verdade, qualquer um de nós poderia adivinhar quem serão os candidatos do BBB 22. Podemos especular sobre alguns nomes. O leitor pode fazer isso sozinho e acertará em 45% dos casos ou mais.

O que me parece sintomático também é que vários intelectuais pensem que a atuação de Karol Conká causará um “grande dano aos esforços do movimento negro nos últimos anos”. Certamente causará. Porém, esse dano é maior que aquele causado pela presença de Sérgio Camargo na direção da Fundação Palmares? Em um caso, as falas do influencer só engajam quem as pronuncia podendo provocar algumas perdas em termos de sua imagem. Mas as falas de Camargo têm consequências vinculantes e carregam a força do estado. Apostaria que a maioria dos brasileiros nem sabe quem é Sérgio Camargo ou tampouco a importância da função que exerce na administração pública. Mas esses são os tempos em que vivemos. Tempos de forte anomia em que, paradoxalmente, muita gente tem algo a dizer.

A Rede Globo sabe perfeitamente interpretar esses tempos de anomia, que se caracterizam por sua indefinição moral, a ausência de regras e a dificuldade de construirmos consensos. Nesse sentido, temos apenas opiniões competindo entre si nessa grande arena que são as redes sociais. É aqui que a televisão intervém e se coloca, outra vez, como mediadora das nossas experiências.

Chego a me perguntar se toda a experiência humana atual não se tornou um vasto reality show. No auge das polêmicas provocadas por Karol Conká, aconteciam, em paralelo, às eleições para a presidência da Câmara e do Senado, em Brasília. Um dia após a eleição de Arthur Lira para o comando da Câmara, entrei na minha conta do Twitter e me deparei com um vídeo que era aparentemente uma festa. Havia várias pessoas elegantes dançando, pessoas alegres, adivinhei que o ritmo tocado poderia ser sertanejo. Pensei imediatamente que as intrigas da Karol Conká haviam dado lugar a uma daquelas festas que só Big Brother sabe proporcionar. Pois, não.Tratava-sena realidade, de uma reunião para comemorar a vitória do político. Reconheci a deputada Joice Hasselmann. Lá estava ela feliz outra vez e em sintonia com o governo Bolsonaro. Não era o BBB, mas era um reality show.

O fundamental aqui é captar qual a essência do produto que a televisão e as redes sociais estão vendendo. Elas vendem basicamente a falta de pudor combinado com um certo glamour, porque precisamos desejar aquilo que vemos. Mesmo que isso nos cause uma profunda dor, como aponta a socióloga Silvia Viana no livro “Rituais de Sofrimento”: precisamos desejar aquilo que nos vendem. Seja a política ou o BBB, a falta de pudor precisa sempre estar acompanhada de um certo glamour. Daí que os influencers sejam os candidatos ideais para sustentar o reality show.

Vejam, por exemplo, a forma como a questão racial é apresentada ao público. Tudo ali responde a um critério de consumo fácil e até mesmo de uma certa efemeridade. Nada precisa perdurar nas memórias. As opiniões sobre desconstrução das imagens raciais precisam ser diretas, enfáticas, brutais, às vezes. Mas, fundamentalmente, precisam ser efêmeras. Assim como as ofensas contra nordestinos, negros ou mulheres. Tudo deve ser suscetível a se perder com o tempo. Deve permanecer apenas a imagem do efêmero. Por isso, as opiniões de Silvio Almeida ou o brilho intelectual de Winnie Bueno que, certamente teria muito a dizer sobre “as imagens de controle”, não podem competir com o BBB.

Nada que possamos dizer agora poderá consertar os danos causados pelas falas polêmicas e violentas da Karol Conká porque não operamos no mesmo registro. O que escrevemos não passa pelo filtro e o controle da Rede Globo que, ao fim e ao cabo, é quem produz essas “imagens de controle” sobre a questão racial e seus representantes no debate público.

A representatividade negra e o “identitarismo” estavam melhor vistos antes do BBB21 ou ficaram piores no imaginário nacional depois dessas primeiras semanas? Do meu ponto de vista, predominam no Brasil percepções negativas tanto sobre representatividade quanto sobre “identitarismo”. Os responsáveis são principalmente os partidos políticos de esquerda e de direita. Paradoxalmente, eles não hesitam em usar eleitores negros como massa de manobra, contanto que esse debate não seja colocado na praça pública precisamente nesses termos. No final, não querem que as estruturas raciais de dominação sejam alteradas.

theintercept.com
Professor Edgar Bom Jardim - PE

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

O Brasil não combate a pobreza; nosso país combate o pobre


Esse ódio ao pobre tem um nome: aporofobia. O presidente Jair Bolsonaro e seu ministro Paulo Guedes já demonstraram sofrer do mal.

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Foto: Victor Moriyama/Getty Images

DEPOIS DE DEZ DIAS trabalhando na montagem de uma exposição na região da Luz, em São Paulo, me preparava para voltar para casa quando, em uma espiada ou outra no celular, vi aparecer na tela um especial da revista Veja SP. Nela, estavam sete nordestinos que, morando naquela cidade, “venceram na vida”.  Eles riam sob uma luz quente, cercados por cactos e uma indefectível parede de barro, um cenário que simula, em versão cool, a terra rachada e seca sobre a qual nos acostumamos a ver – no livro, na novela, no cinema – ossadas de bichos mortos de sede.

“Eu só sabia carregar saco de cimento e limpar sujeira” diz, lá no texto, o piauiense Aldenir Lemos. “Dormia sobre um cobertor e comia uma vez por dia”, relata Renata França, baiana que, segundo a revista, “transformou a miséria em fortuna com o toque das mãos”.

Aquilo me fez lembrar de uma piada clássica entre jornalistas: ela diz que um cachorro mordendo um homem não é notícia, mas, se o homem morder o cachorro, temos uma boa manchete. Pois bem: em pleno século 21, nordestinos “de sucesso” são, para parte da imprensa nacional e não só a Vejinha, o homem mordendo o cachorro.

“Nenhuma imagem é inocente”, diz o artista chileno Alfredo Jaar, profundo pesquisador do discurso da mídia.

A edição causou um considerável debate, nas redes sociais, sobre geografias, estereótipos, preconceitos. Mas em lugar de falar especificamente dessas questões, quero focar naquilo que as sustenta e mantém, a força-motriz que continua gerando discursos anacrônicos como o da Veja SP e seu pau-de-arara renovado com filtros de Instagram: o horror ao pobre.

O cimento, a sujeira, a pouca comida e a miséria ali evocados não falam exatamente do Nordeste, mas do que o Nordeste, no imaginário do país, representa: a pobreza. É ela a grande derrotada na narrativa heroica desenhada para os rapazes e moças que contam suas sagas no semanário. Eles estão a anos-luz daquela gente que carrega sacos de cimento, que limpa ruas, que limpa banheiros. Dormem em camas confortáveis e se alimentam bem. Eles chegaram “lá”.

São Paulo 15 janeiro 2021 Foto Alexandre Battibugli VSP

Discurso anacrônico: especial da Veja SP mostra sete nordestinos que “venceram na vida” em São Paulo.

 

Foto: Alexandre Battibugli/VSP

Não se parecem com Fabiano, Sinhá Vitória ou os meninos perambulando famintos sertão afora, nem possuem pets que sonham, quase mortos, com preás gordos.

Estão bem longe de ser como aquelas milhares de pessoas – sulistas, nortistas, sudestinos e inclusive “nordesters” – que circulam alquebradas pela região da Luz tantas vezes chamada, muito cruelmente, de Cracolândia.

São, enfim, um tipo de gente muito especial que se uniu finalmente a um naco populacional menor e mais rico, distante dos cerca de 65 milhões de brasileiros e brasileiras que vivem na pobreza ou extrema pobreza, os primeiros ganhando menos de R$ 500 ao mês, os outros, miseráveis, sobrevivendo com menos de R$ 200/mês.

O tipo de discurso engendrado pelo semanário é recorrente em um país que não repele exatamente a escassez de dinheiro, de comida, de lazer, mas sim aqueles que materializam essa escassez em seus corpos, seus hábitos, suas práticas e seus consumos. Repele-se antes de tudo o pobre. As pedras que a prefeitura de São Paulo mandou colocar semana passada sob viadutos em Tatuapé, zona leste, são outro  exemplo dessa forma de afastar dos nossos olhos tão modernos aquela gente mirrada. Faz parte do que o artista e pesquisador Daniel Lima tratou como a “arquitetura da exclusão”.

Se a institucionalidade sustentada pela tal palavra democracia está à vontade em determinar algo dessa natureza (a repercussão do caso fez a prefeitura voltar atrás na decisão), podemos imaginar como a esfera civil vai lidar com o que acha um “problema”. Aliás, desculpem, não precisamos imaginar: não são poucas as pessoas em situação de rua queimadas vivas em todo país.


Esse ódio ao pobre tem um nome: aporofobia, termo cunhado pela filósofa espanhola Adela Cortina. Aporos, palavra grega, significa pobre, e foi sobre esse termo que ela percebeu algo comum em um mundo com quase 80 milhões de deslocados/refugiados: a aversão não necessariamente ao “outro”, ao “estrangeiro”, mas àqueles que não possuem uma conta bancária mais polpuda.

O presidente Jair Bolsonaro e seu ministro Paulo Guedes já demonstraram sofrer do mal. No artigo “A direita radical ‘bolsonarista': da aporofobia à defesa da memória de regimes de exceção, Edson Dalmonte e Priscilla Dibai analisam discursos de Bolsonaro nos meios de comunicação de 1986 a 2017. As falas xenofóbicas e aporofóbicas são constantes: enquanto europeus e/ou estadunidenses, vindos de regiões mais abastadas, são bem-vindos porque viriam suprir mão de obra especializada, pessoas de países pobres e/ou refugiados são preteridas:

(…) senegaleses, haitianos, iranianos, bolivianos e tudo que é escória do mundo, né?! E agora estão chegando também os sírios aqui. A escória do mundo está chegando aqui no nosso Brasil, como se a gente já não tivesse problemas demais para resolver. Esse é um grande problema que nós podemos ter, disse o presidente em matéria publicada pelo Jornal Opção, em 2015.

‘Se o problema fosse a pobreza, estaríamos engajados com a sua superação, mas na verdade estamos engajados na eliminação do pobre’.

O Haiti também provoca ojeriza no homem que esqueceu a própria origem humilde: como escrevem Edson e Priscilla, o país é citado como um lugar sujo, miserável, com “mulheres se oferecendo para a prostituição ou para serem empregadas domésticas no Canadá”.

“Quando uma menina começa a se aparecer na sala de aula, depois de uma certa idade, ela vai ser empregada doméstica no Canadá, que fala a língua dela. Isso é o Haiti. Hoje em dia, não tem nada lá. (…) Carvão lá, o galho de carvão lá, é da grossura do dedo mindinho. Lá por exemplo não tem rio, é lodo, tá ok? Eu vi mulher lá se oferecendo lá, o sexo, sem higiene nenhuma (…)” (Jair Bolsonaro, New York Times, 2016).

Perto da fala do chefe, o discurso proferido pelo ministro Paulo Guedes há um ano, durante um seminário em Brasília, até parece inocente. Vocês devem lembrar, mas vale trazer aqui o puro extrato da aporofobia explicitada pelo herói da Faria Lima:

“Não tem negócio de câmbio a R$ 1,80. Vou exportar menos, substituição de importações, turismo, todo mundo indo para a Disneylândia. Empregada doméstica indo pra Disneylândia, uma festa danada”.

Guedes é um nato representante de uma elite brasileira ressentidíssima em primeiro momento por não ser de Paris e, hoje, chateada por não ser de Miami. É o que observa a socióloga e professora da Universidade Federal de Pernambuco, Maria Eduarda da Mota Rocha: a industrialização e a ideia de modernidade emplacadas aqui a partir do século 19, com o dinheiro da produção do café fazendo com que bens de luxo passassem a circular no país, provocaram uma cisão mais clara entre um modo de viver popular e um modo de viver das elites. “É aí que começa a se fomentar uma certa vergonha do povo, um povo que vai sendo, de certa maneira, a lembrança do país de primeiro mundo que nós não somos. É uma elite que sempre está olhando para fora e com muita vergonha do que tem do lado”. Darcy Ribeiro e Celso Furtado, lembra a autora do livro “A Nova Retórica do Capital, já afirmaram lá atrás: a elite brasileira tem ódio do povo.

“Se o problema fosse a pobreza, estaríamos engajados com a sua superação, mas na verdade estamos engajados na eliminação do pobre. Na forma de extermínio, na forma de exclusão dos espaços de visibilidade. A gente não quer ver o pobre. Não quer superar o problema da pobreza.”

“Flagelados” longe de Paris

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Um exemplo da arquitetura da exclusão em Japaratinga, Alagoas: pedrinhas numa mureta para evitar que pessoas se sentem no local.

 

Foto: Arquivo Pessoal/Fabiana Moraes

A prática de manter os pobres longe dos olhos citada por Maria Eduarda tem larga tradição no país que adora se empoleirar em camarotes e áreas VIP. Os dez campos de concentração construídos no Ceará entre 1915 e 1932 são um terrível exemplo desse hábito. Feitos para conter as milhares de pessoas fugindo das secas que assolaram o sertão em diversos períodos, eles impediam que uma população entendida como desviante e improdutiva (como hoje Bolsonaro vê os imigrantes pobres) acessasse uma Fortaleza que se orgulhava de suas ruas largas e boulevards ao estilo de Paris. O campo do Patu, em Senador Pompeu, chegou a ter 20 mil pessoas. O do Buriti, na região do Crato, 60 mil pessoas. Sob parcos cuidados governamentais – água, comida e higiene eram raros –, milhares foram morrendo à míngua.

Foram milhares de mortos.  Mas era gente tão pobre, tão pobre, que nossa própria história, escrita por “quem chegou lá”, se dispôs a esquecer.

Tenho outro exemplo mais prosaico (mas é justamente no cotidiano que a cisão entre classes se dá): à beira-mar de Japaratinga, em Alagoas, reparei uns trabalhadores realizando uma obra em uma espécie de mureta que limita uma casa e uma pousada da areia da praia. O local serve como uma espécie de banco no qual principalmente mulheres e crianças do povoado do Boqueirão costumam sentar-se, no fim da tarde, para conversar e ver o dia ir embora.

Ao me aproximar, percebi que eles aplicavam, a mando dos proprietários – que não vivem no local –, pedrinhas pontudas. Elas servirão justamente para afastar aquele povo de um lazer simples naquela praia quase deserta. Fiquei impressionada com a mesquinhez: sempre me pareceu um exemplo de urbanidade e civilidade ver aquelas mulheres, várias delas trabalhando como lavadeiras, cozinheiras e arrumadeiras nas casas e pousadas da região, conversando entre si enquanto viam seus filhos brincando na areia. Um descanso gratuito, uma forma de estar de pé no outro dia.

Compartilhei minha perplexidade com o senhor que carregava sacos de cimento sob o sol. Era, vejam só, um “nordester” que ali construía outra forma de exclusão de seus amigos, familiares, colegas. De si mesmo, enfim. Sabia disso e sentia raiva. Apontou para dentro de uma das casas:

“Eles fazem isso porque se acham melhores, acham aí que vão viver três mil anos. Sabe o que acontece? Esse povo esquece que também se acaba”.

No outro dia, pintadas de verde, as pedras já estavam no lugar do povo que a elite brasileira não quer ver e se acostumou a odiar.


Professor Edgar Bom Jardim - PE

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Dia do FREVO: Governo municipal comemora parceria com Museu de Bom Jardim e Músicos


Dia do Frevo comemorado com sucesso!

Na noite desta terça-feira (09) tivemos a Live em comemoração ao dia do Frevo, diretamente do Museu de Bom Jardim, fazendo parte da programação da 2ª Bienal BJ Artes.
Em parceria com a prefeitura Municipal e coordenado pelo Professor Edgar, o projeto da 2ª Bienal BJ Artes está sendo realizado por contemplação da Lei Aldir Blanc que serve de auxílio emergencial ao setor cultural em função da pandemia do Covid-19; e na noite desta terça contou com apresentação da Orquestra de Frevo Bonjardinense e de apresentação do grupo Grupo de Dança Evolução sendo transmitidas ao vivo para que, de casa, pudéssemos acompanhar e festejar o ritmo que tem e faz história em nossa cidade, nosso Estado e no Brasil.
Estando presente o Diretor de Cultura e Turismo, Bruno Araújo, pudemos juntos partilhar dos desafios e benefícios da adaptação das atividades culturais à modalidade remota em nossa cidade, reconhecendo que diante das dificuldades, temos sempre uma forma de estarmos juntos diante da atipicidade.
O evento nos trouxe alegria: pela data, pelo patrimônio cultural e por, sobretudo, poder comemorar juntos. Assim parabenizamos a todos envolvidos e estendemos nossos agradecimentos a todos artistas, em nome do professor Edgar que coordenou o evento, que nos proporcionaram vivenciar, de fato, o dia do frevo.
Fotos: ASSCOM


Professor Edgar Bom Jardim - PE

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Ainda há tempo para visitar a bienal de arte do Museu do Bom Jardim-PE



O Museu de Bom Pernambuco realiza no período de 25 de janeiro a 11 de fevereiro de 2021 a II Bienal BJ ARTE ( Bom Jardim Arte). Estão expostos trabalhos de artistas de várias regiões do Estado e contempla diversas linguagens artísticas: esculturas, pinturas, fotografias, indumentárias, objetos utilitários antigos, documentos históricos, fotojornalismo, design de mobiliário e artesanato. Bom Jardim, Recife, Olinda, Petrolina, Ouricuri, Machados, Salgadinho, Limoeiro, Nazaré da Mata, Tracunhaém, Lagoa do Carro, Carpina e Caruaru estão representados na Bienal de Arte.

Dentre os artistas expositores podemos destacar Sandro Roberto Leite, Marcos Ferreira da Silva, Mano de Baé, Caidé Arte, Cristina Artes, Emerson Silva, Miro dos Bonecos, Aléssio, Mac Sedícias, Mestra Cabral, Francisco Sarinho, Ivonaldo Luís, Alexandre Lourenço, Socorro Canto, Bráulio de Castro, Aluísio e Mônica Artes, Maria Carolina, Ronaldo Hilario, Jacson Lucena, Lucas Cabral, Pollyanna Valença, Edmilson Cícero Rodrigues, Edgar Santos, Gleibson Cavalcanti, Iury Francisco, Júnior Arte, Boi Dourado, Grupo de Burrinhas da Chã de Cícero, Caboclinhos da Baraúna, Cristina Artes, Almir Mamulengo, Coletivo do artesanato, José Barbosa Mel e Própolis, Orquestra Bonjardinense, e outros.

Consta da programação oficinas culturais de artesanato, oficina filosofia da arte, oficinas brincantes da tradição e manifestações da cultura popular.
O público pode visitar o museu no horário das 8 h às 12 h. Das 14h às 16h.

O ingresso e a classificação é livre para todos os públicos. Não paga nada. A segunda BJ ARTE recebe o Incentivo Cultural dos editais da Lei Aldir Blanc no estado de Pernambuco.

A Bienal faz uma conexão com o novo currículo escolar proposto na BNCC. É uma oportunidade para vivência de projetos híbridos, avalia o professor Edgar Severino dos Santos, produtor cultural e curador do evento.

O público também pode acompanhar a programação da II BJ ARTE pelas redes sociais em lives e vídeos acessando https://www.facebook.com/museudebomjardimpe, @Instagram: @museudebomjardimpe, Youtube: museu de bomjardim (https://www.youtube.com/channel/UCgjUdwnj9dI2BP56Yv0_90Q ).

Para ter o acesso presencial, os interessados devem agendar o horário da visitação pelo contato telefônico ou whatsaap 81. 9 2000-8246 e pelo e-mail museudebomjardimpernambuco@gmail.com.

O Museu de Bom Jardim-PE está localizado na Rua Manoel Augusto, 90, centro de Bom Jardim-PE. CEP 55730 -000. (Fotos:Blog Edgar Santos)

























































Fonte: dimassantos.com.br/ainda-ha-tempo-para-visitar-a-bienal-de-arte-do-museu-do-bom-jardim-pe/

Fotos: Museu de Bom Jardim Pernambuco
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