quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Em derrota dupla de Boris Johnson, Parlamento britânico barra Brexit sem acordo e novas eleições


Bandeiras da União Europeia e do Reino Unido com o Big Ben ao fundoDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionAtualmente, o prazo do Brexit se esgota em 31 de outubro
A Câmara dos Comuns do Parlamento britânico aprovou nesta quarta-feira (4/9) uma proposta de lei que impede a saída do Reino Unido da União Europeia (UE), o Brexit, sem um acordo, e rejeitou a realização de uma nova eleição-geral, em duas derrotas consecutivas no dia de hoje para o premiê Boris Johnson.
A lei em questão foi aprovada em duas votações. Na segunda, obteve 327 votos a favor e 299 contra. A medida obriga o governo de Johnson a pedir um novo adiamento de prazo para que o país deixe o bloco.
O texto determina que o primeiro-ministro tem até o dia 19 de outubro para conseguir aprovar um acordo para a saída no Parlamento. Se o prazo expirar, o líder britânico é obrigado a pedir ao bloco europeu uma extensão da data-limite atual - 31 de outubro - para o Reino Unido sair - mais especificamente, até 31 de janeiro de 2020.
Uma vez aprovada a proposta, ela segue agora para a Câmara dos Lordes, onde deve ser levada a duas votações na quinta e na sexta. Caso haja alguma alteração no texto, ele volta à Câmara dos Comuns.
Após a aprovação da lei, Johnson propôs a realização de uma nova eleição geral. "Na opinião deste governo, deve haver uma eleição na terça-feira, 15 de outubro. O país deve decidir se o líder da oposição ou eu vamos a Bruxelas para resolver isso", disse.
"Se eu (ainda) for o primeiro-ministro, tentarei fazer um acordo. E, acreditem em mim, eu sei que posso."
Mas a ideia foi rejeitada pelo líder da oposição, Jeremy Corbyn. Ele respondeu que a proposta de uma eleição é como "a maçã da bruxa à Branca de Neve - tentadora, mas cheia de veneno" - e criticou Johnson.
"Este primeiro-ministro afirma que ele tem uma estratégia. Mas ele não nos diz qual é. O maior problema para ele é que também não pode contar à UE o que é. É como as roupas novas do imperador - realmente não há absolutamente nada aí."
A líder do Partido Liberal Democrata, Jo Swinson, também foi contrária à proposta. "Podemos ter uma eleição, mas ela deve ser feita de forma calma e ordenada e não com a ameaça de sair [da UE] sem um acordo durante a campanha. Então, se ele [Johnson] quer uma eleição, peça um adiamento."
Ian Blackford, líder do Partido Nacional Escocês, se manifestou no mesmo sentido ao dizer que "não fará parte do jogo do primeiro-ministro", mas deixou em aberto a possibilidade de votar a favor de uma eleição em um futuro próximo ao afirmar que a oposição "deve se unir para derrubar esse governo, não nos termos do premiê, mas nos termos certos".
A moção de Johnson acabou derrotada mesmo obtendo 298 votos a favor e 56 contra, porque o Partido Trabalhista e seus 247 parlamentares se abstiveram.
Assim, não seria possível obter o apoio da maioria dos dois terços dos membros da Casa, ou seja, 434 dos 650 votos possíveis, que é necessária para a convocação de uma eleição-geral.
Johnson disse então que Corbyn "se tornou o primeiro líder da oposição na história democrática de nosso país a recusar o convite de uma eleição". "Só posso especular sobre o motivo por trás de sua hesitação. A conclusão óbvia é que ele não acha que pode vencer".
Plenário do Parlamento britânicoDireito de imagemREUTERS
Image captionParlamento britânico derrotou Johnson em votação sobre Brexit sem acordo

Derrota do governo

As votações de hoje foram possibilitadas com a aprovação, ontem, de uma moção que deu aos próprios parlamentares controla da pauta da Câmara dos Comuns, normalmente determinada pelo governo.
O Parlamento aprovou rapidamente essa moção após Johnson conseguir autorização da rainha Elizabeth 2ª para suspender a atividade do Parlamento. O objetivo do primeiro-ministro era bloquear qualquer tentativa parlamentar de impedi-lo de seguir adiante com um Brexit sem acordo.
A tentativa de suspender o Parlamento levou a reações dentro do Partido Conservador, ao qual Johnson é filiado. Ao todo, 21 conservadores passaram a se apresentar como independentes e votaram contra o governo na moção de ontem - todos foram expulsos do partido após a traição.
A aprovação da moção na terça-feira foi considerada a primeira de Johnson no cargo. "O Parlamento está à beira de destruir qualquer chance de que possamos fazer um acordo com Bruxelas. Isso vai levar a mais incerteza e atraso", disse o premiê na terça.
No mesmo dia, em um significativo revés para Johnson, o parlamentar Philip Lee anunciou sua saída do Partido Conservador rumo ao Partido Liberal Democrata - fazendo com que, na prática, o premiê perdesse a apertada maioria que tinha na Câmara dos Comuns. Diante das câmeras de TV, Lee mudou literalmente de lado no Parlamento, enquanto o primeiro-ministro discursava na Casa.
Boris Johnson no Parlamento britânicoDireito de imagemREUTERS
Image captionO premiê britânico disse que pode convocar uma eleição-geral antecipada

Por que um Brexit sem acordo preocupa?

Um Brexit sem acordo faria com que o Reino Unido deixasse a UE, em 31 de outubro, sem nenhuma definição de como será esse processo de "divórcio".
Ou seja, do dia para a noite, os britânicos deixariam o mercado comum europeu e a união aduaneira, algo que causará insegurança e prejuízos econômicos, segundo muitos políticos e empresários.
Segundo o Departamento de Responsabilidade Orçamentária - que fornece análise independente das finanças públicas do Reino Unido -, por exemplo, acredita que um Brexit sem acordo causaria recessão.
Se o Reino Unido deixar a união aduaneira e o mercado único, a UE começará a realizar verificações nos produtos britânicos. Isso pode levar a atrasos nos portos, como o de Dover. Alguns temem que isso possa levar a gargalos no tráfego, interrompendo as rotas de fornecimento.
Há, por outro lado, quem diga que essas preocupações são exageradas.
A ex-premiê britânica Theresa May tentou, sem sucesso, fazer com que o Parlamento aprovasse sua proposta de acordo com a UE - motivo pelo qual ela acabou renunciando.
Boris Johnson, por sua vez, já entrou no cargo defendendo que o Brexit não fosse mais adiado para além de 31 de outubro, mesmo que sem acordo com os europeus.
BBC
Professor Edgar Bom Jardim - PE

Caminhoneiros pedem impeachment de Bolsonaro e reclamam de violência policial

Caminhoneiros estão otimistas
Caminhoneiros estão otimistasFoto: Arthur Mota/Folha de Pernambuco

Caminhoneiros circularam vídeos pedindo o impeachment do presidente Jair Bolsonaro (PSL) nesta quarta-feira (4), em dia de protesto contra a indefinição em relação aos pisos mínimos oferecidos para a categoria.
Em um dos vídeos, com data de 31 de agosto, caminhoneiros de Pernambuco afirmam ter recebido uma facada do presidente, em referência à suspensão do julgamento sobre a constitucionalidade da tabela do frete, que aconteceria nesta quarta, definida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O presidente da Corte, Dias Toffoli, decidiu retirar a pauta do plenário e o julgamento foi adiado.
"Bolsonaro, nós votamos em você. Hoje, você é um traidor dessa classe que carrega o Brasil nas costas", diz um participante do vídeo.
Ao final, um grupo pede em coro o impeachment do presidente. Também apontam a intenção de pedir ajuda à CUT (Central Único dos Trabalhadores) e pedem a soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Os protestos, porém, não tiveram grande impacto nos transportes até o momento. Em consultas as unidades estaduais da PRF (Polícia Rodoviária Federal), foram confirmados atos nos estados do Rio de Janeiro, Paraná e Ceará.
Segundo mensagens e vídeos divulgados pelos caminhoneiros, ocorreram também manifestações na Paraíba, em Pernambuco e no Rio Grande do Sul. Nos grupos de WhatsApp da categoria, havia tanto os que reclamavam de a paralisação não ter atingido o nível esperado como também os que contestavam e colocavam a culpa em quem apenas se queixava, mas não fazia sua parte.
Dodô, apelido de Salvador Edmilson Carneiro, líder caminhoneiro do norte da Bahia, disse que já havia voltado ao trabalho, pois a maior parte da categoria não tinha aderido à paralisação e os dias sem fazer viagens fariam falta.
Outro motivo para perda de ânimo de caminhoneiros, segundo líderes, foi um suposto caso de agressão a grupo de manifestantes no Recife durante a madrugada. Segundo um dos que afirma ter sido vítima da agressão ouvido pela reportagem, dois policiais com armas em riste deram socos em caminhoneiros que formavam um grupo de dez pessoas. Também teriam quebrado celulares de alguns deles.
Circula no WhatsApp vídeos mostrando caminhoneiros com camiseta amarela sendo empurrados por policiais e imagens das camisetas rasgadas e de uma pessoa agredida.
O caminhoneiro, que não quis se identificar, disse estar na Corregedoria da Polícia fazendo uma denúncia.
A secretaria de Defesa Social de Pernambuco disse, via assessoria de imprensa, não ter informações sobre o incidente até o momento. Mesmo com os revezes, outros líderes ouvidos disseram que as mobilizações da categoria devem continuar e podem ganhar força na quarta-feira (5).
A crítica a Bolsonaro não é unânime entre caminhoneiros. Parte do grupo, em especial líderes das paralisações de 2018, defendem diálogo com o Ministério da Infraestrutura para solucionar o impasse da tabela do frete.
folhape.com.br
Professor Edgar Bom Jardim - PE

terça-feira, 3 de setembro de 2019

A política econômica autodestrutiva do Brasil











O governo comemorou o crescimento do PIB de pífios 0,4% no segundo trimestre e ameaça jogar o País no sexto ano de estagnação ao definir um orçamento para 2020 que aprofunda o arrocho iniciado com o ajuste fiscal. Isso acontece porque o Brasil não está sendo administrado como um país, mas como um banco de negócios e reconhecer isso é importante para entender porque o governo mostra-se sem condições de resolver o problema principal da economia, que é recuperá-la da recessão de 2015 e 2016, analisa o economista Antônio Correa de Lacerda, professor da PUC de São Paulo.
Segundo Lacerda, “há quem diga que ‘o governo Bolsonaro é ruim, mas a equipe econômica é de primeira qualidade’. Eles são competentes? Mas como? Vamos considerar o caso do ministro da Economia Paulo Guedes. É um ‘chicagueano’ que aprendeu lá nos anos 1970, mas hoje nem a Universidade de Chicago defende mais aquilo. Como não evoluiu academicamente, ele fica repetindo o que aprendeu naquela época.  Há muito tempo Guedes deixou de ser economista, virou um banqueiro de negócios. Tanto que a visão dele no governo é de banco de negócios, de fazer transações e vender estatais.”
Em um cenário em que a classe média está com seus orçamentos muito apertados, o que explica parte da crise dos grandes centros com fechamento de grande número de de restaurantes, bares, lojas, pequenas empresas por falta de movimento, é crucial acompanhar de perto ao menos dois indicadores, o desemprego e o crédito. “O desemprego é muito importante, pela questão social e econômica. Um desempregado a mais é um consumidor a menos. E a questão do crédito também. Emprego e crédito são demanda. Em relação ao crédito, o governo está tirando os bancos públicos do mercado e não coloca nada no lugar. Isso é dramático”, sublinha Lacerda.
O governo diz que o dinheiro acabou e ameaça ampliar a paralisia de serviços e atividades. ”Desde o final do primeiro governo de Dilma Rousseff o investimento público vem diminuindo e hoje encontra-se num nível reduzidíssimo, insuficiente para cobrir a depreciação dos ativos fixos, por exemplo de infraestrutura física. Contribuiu para isso a mudança na orientação de política, que passou a ser mais restritiva na área fiscal. Primeiro com o ministro da Fazenda Joaquim Levy no  segundo governo de Dilma Rousseff, depois com Henrique Meirelles e Temer e atualmente com Paulo Guedes e Bolsonaro. Portanto, desde o final do primeiro governo Dilma o investimento público caiu muito. Depois, com a emenda constitucional do teto dos gastos, o governo encontra-se numa camisa de força”, analisa o economista Paulo Morceiro, pesquisador do Núcleo de Economia Regional e Urbana da USP e da Fipe, da mesma universidade.
A partir de 2015, ressalta, a economia que desde a década de 1980 crescia pouco e de modo descontínuo, como um voo de galinha, passou a apresentar “voos de pintinho”. “Acredito que a queda do investimento público é o componente principal para explicar nosso “voo de pintinho”. No Brasil, tradicionalmente, o investimento público puxou o privado. Por isso, é importante que ele seja retomado para tirar o País do fundo do poço em que se encontra”, chama atenção o economista.
TEMER E MEIRELLES
A política de aumento da demanda e do investimento público recomendada pelos economistas heterodoxos ao governo “é algo conhecido na literatura mundial e praticado em grandes crises como a de 1929 e a de 2009”, destaca Morceiro. O governo, diz, não tem mais a margem de manobra que tinha antes do teto de  gastos, mas ainda conta com espaço. “O País é imenso, tem vários instrumentos de política, empresas nacionais, bancos de desenvolvimento regional e nacional. O ideal é flexibilizar a lei do teto dos gastos para aumentar os investimentos públicos. Economia não é como orçamento familiar, o governo pode se endividar, emitir dívida. E dívidas emitidas em períodos de crise como essa são muito mais compensadoras porque se deixar a situação se agravar o desemprego vai aumentar, mais pais de famílias vão perder seus empregos, deixarão de pagar dívidas e mais adiante, se isso se aprofundar, será necessário assumir dívidas muito maiores. Com algumas medidas pontuais, ainda é possível fazer a economia ao menos respirar”, propõe Morceiro.
O economista compilou propostas suas e de colegas de profissão para desbloquear a economia, com foco em infraestrutura, construção e saneamento: 1) permitir a compra do segundo imóvel com recursos do FGTS ; 2) usar recursos não recorrentes de leilões e privatizações para retomar as obras paradas; 3) utilizar 15% das reservas internacionais em infraestrutura; 4) negociar com o Congresso recursos para investimento em infraestrutura; 5) zerar o IPI de material de construção; 6) juro real zero para financiamento imobiliário; 7) fortalecer o BNDES e focalizá-lo ainda mais em infraestrutura; 8) acelerar autorizações ambientais; 9) renegociar as dívidas das famílias no atacado; 10) clareza no marco regulatório e hedge cambial de longo prazo; 11) flexibilizar o teto de gastos para investimento público.
LEVY E DILMA
Entre as propostas para atacar a paralisia econômica destacam-se o Plano Emergencial de Emprego e Renda elaborado neste ano por economistas do Partido dos Trabalhadores e a Agenda de Propostas para a Infraestrutura 2018 da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib
 O plano do PT inclui nove diretrizes com o objetivo de criar 7 milhões de empregos em curto e médio prazo: 1) contratar, através do Programa Empregos Já, 3 milhões de pessoas para trabalhos temporários de zeladoria e recuperação urbana como limpeza, poda de árvores, manutenção de ruas e calçadas; 2) retomar as 7,4 mil obras paradas no País; 3) reativar o programa Minha Casa, Minha Vida, reduzido em 75% pelo governo e voltar a construir 500 mil unidades em média por ano; 4) voltar a aumentar o salário mínimo anualmente, acima da inflação, em benefício de mais de 48 milhões de trabalhadores; 5) expandir o Bolsa Família; 6) renegociar, com ajuda dos bancos públicos, as dívidas das famílias a juros baixos e limpar o nome dos devedores na praça.; 7) usar o petróleo do pré-sal em benefício do povo brasileiro tornando o preço dos combustíveis mais barato e estável. “Sua exportação, refino e comercialização vão estimular a indústria, gerando mais emprego e renda.”; 8) destravar o BNDES para que ele volte a investir na indústria local aumentando a produção, gerando ainda mais empregos e fazendo a economia girar de novo; 9) voltar a corrigir a tabela do Imposto de Renda pela inflação beneficiando milhões de famílias que vão reverter esse ganho em consumo e movimentação da economia.
A agenda da Abdib inclui propostas “que impactam e causam efeitos em praticamente todos os setores de infraestrutura” abrangendo segurança jurídica, planejamento de longo prazo, governança de agências reguladoras, modelo de financiamento e garantias, gestão socioambiental na infraestrutura, regras de contratação pública, procedimentos para desapropriações por utilidade pública, arcabouço legal para elaboração de estudos e projetos de infraestrutura e modelo de concessões. Um segundo grupo de propostas volta-se para os sub-setores da infraestrutura, cada um deles com regulação e desafios específicos.
Professor Edgar Bom Jardim - PE

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

A depressão no cotidiano

Há muitas impressões que circulam como se fossem verdades irrefutáveis; O Brasil foi muito exaltado pela sua alegria, suas festas, sua cordialidade. Tornou-se comum até se negar a violência e acusar outras culturas. O Brasil parecia uma exceção num mundo carregado de conflitos. Mas a exploração continua, o descontrole social se afirma e as cidades vivem tensões constantes. No Carnaval, os ruídos surgem com máscaras e ritmos animados. Os interesses sacodem patrocínios e a grana corre solta. Quem se esquece das ações das milicias, dos moradores de rua, da precariedade da saúde? Será que ninguém se toca com os desgovernos ou com a concentração de privilégios? Portanto, tudo se inventa para forjar identidades e esconder desatenções.
Numa pesquisa divulgada, recentemente, dúvidas se firmaram. Será que o riso é fácil ou se manipula de foma assustadora? O índice de depressão, no Brasil, assusta e supera o de outros países. Inquietam-se os fabricadores de de sociologias fantasiosas. Não me surpreendo. Trabalho faz tempo com educação e observo comportamentos fugidios, medos, falta de expectativa profissional, afetividade desconfiada. Não é incomum enfrentar agressividades ou apatias permanentes. Fico perplexo. O desencantamento se amplia no meios de promessas de consumo nada saudáveis. Não é fácil assistir ao desmonte de valores, ao crescimento do desemprego, aos discursos com deboches e a escassez de solidariedade.O sossego não existe.
A depressão se estende e as dificuldade de contê-la é um desafio. Não adianta isolar a questão. O sistema exige desempenho, trabalho nos feriados, paga salários curtos, pune qualquer rebeldia elogia à servidão. Estimula-se o culto a bens materiais, as religiões ganham espaço par cobrar seus dízimos. A generosidade se apaga. Se a cultura da competição, da vitrine, da ambição se multiplica, a depressão não se vai. Há remédios, terapias, farmácias espalhadas pelas ruas, felicidades escondidas nas propagandas. Mas as perguntas mostram que os impasses são grandes. Como se desviar de solidões? Como encontrar outras travessias na construção de diálogos e aconchegos? Quem imagina para além da mesmice?
O Brasil passa por intrigas políticas perigosas. As polarizações criam fantasmas medonhos. a desconstrução é inegável, porém ela preserva interesses e consolida riquezas. A politica tergiversa, desmancha éticas, transforma-se num grande negócio. Abre-se o espaço para desesperança, para uma vida programada para mediocridade. Nota-se que as ações perversas são justificadas por ideais de progresso. A alegria é passageira e a hipocrisia traz intimidações e desprezos. Continuar apostando nos segredos de reformas autoritárias não é garantia de mudanças. As epidemias mudam e atacam com uma radicalidade cruel. A mente e o coração necessitam respirar e anular as descontroles. Por Paulo Rezende.

Professor Edgar Bom Jardim - PE

domingo, 1 de setembro de 2019

O tempo em que o Rio de Janeiro secou após destruir floresta por café


Alto da Boa Vista no século 19Direito de imagemBN DIGITAL
Image captionAs árvores da mata da Tijuca eram cortadas e usadas para a produção de carvão. Depois davam lugar às plantações. Também havia pastos e plantações de legumes e frutas.
A densa floresta que hoje serve de moldura para as paisagens paradisíacas do Rio de Janeiro já foi quase careca em algumas partes. No século 19, suas árvores foram derrubadas para dar lugar principalmente a plantações de café, produto cada vez mais lucrativo naquela época. Até hoje quem caminha pela Floresta da Tijuca e Paineiras esbarra em ruínas de construções desse período.
Viajantes estrangeiros que estiveram no Rio naqueles anos escreveram que não raro a fuligem das queimadas na Floresta da Tijuca e matas adjacentes chegava a encobrir o sol do meio dia, dizem pesquisadores.
O desmatamento, somado ao aumento da população, ao clima seco em alguns anos e à falta de infraestrutura no Rio, acabou, por vezes, deixando a capital imperial sem abastecimento de água.
A consequência foi o surgimento de um mercado paralelo de venda de água, a disseminação de doenças e, alguns anos depois, o replantio de mais de 100 mil árvores, no que foi o maior esforço de reflorestamento em floresta tropical do mundo até então.
A iniciativa se deveu também, dizem pesquisadores, a uma cultura intelectual de valorização da preservação da natureza que ganhava força naquela época
A BBC conversou com historiadores e geógrafos para reconstituir essa ocupação, o desmatamento, o impacto na população da época e o reflorestamento da mata que hoje faz parte do Parque Nacional da Floresta da Tijuca.
Parque Nacional da TijucaDireito de imagemDIVULGAÇÃO
Image captionA mata desmatada era parte do que hoje constitui o Parque Nacional da Tijuca

Como era o plantio de café na mata carioca

O plantio do café no Brasil começou no Pará e logo migrou para o Rio de Janeiro, no final do século 18. Mas foi no século 19 que o produto brasileiro realmente começou a decolar no mercado externo e com isso sua produção para a exportação aumentou.
Em 1808, a Família Real portuguesa desembarcou no Brasil, trazendo consigo um número de pessoas para o qual a cidade não estava preparada. Nas palavras de Pedro Menezes da Cunha, diplomata, pesquisador da história das matas cariocas e ativista em defesa delas, "a Floresta da Tijuca nunca mais foi a mesma".
Segundo conta Menezes da Cunha, Dom João 6º permitiu que estrangeiros fixassem residência no Brasil e convidou para o país nobres e fazendeiros franceses que haviam deixado seu país durante a Revolução Francesa e o período napoleônico.
Esses estrangeiros – não só franceses, mas também holandeses e de outras nações europeias – compraram terras nas partes altas da Floresta da Tijuca, onde o clima mais ameno. A região virou o ambiente da alta sociedade do Rio de Janeiro, onde as famílias ricas se refugiavam do calor no verão.
Mas além disso, aquele ambiente era mais adequado ao plantio de café, avesso a temperaturas altas. "O padrão era comprar, desmatar, vender a madeira como carvão vegetal e plantar café no terreno 'limpo', descreve Menezes da Cunha em seu livro Parque Nacional Da Tijuca : 140 Anos Da Reconstrução De Uma Floresta, escrito em co-autoria com Marcos Sá Corrêa e Ricardo Azoury.
Escravos levando caféDireito de imagemBN DIGITAL
Image captionGravura de Jean-Baptiste Debret mostra escravos transportando café
Ilustrações da época mostram bem como era a paisagem: encostas recortadas por grandes faixas de plantação de café; nas partes planas, grandes casas.
Como conta o professor Rogério Ribeiro de Oliveira, do Departamento de Geografia da PUC-Rio, também havia carvoarias na Floresta de Tijuca. Sua equipe de pesquisa já localizou cerca de 200 delas. As árvores cortadas da floresta eram usadas para a produção de carvão vegetal e depois davam lugar às plantações. Também há registros históricos que mostram que nas montanhas havia pastos e plantações de legumes e frutas.
Houve até uma tentativa de cultivo de chá, feita com trabalhadores vindos de Macau, na China, que à época era colônia portuguesa. É daí que vem o nome de um ponto turístico atual da Floresta da Tijuca, a Vista Chinesa. As plantações, no entanto, não vingaram.

Como o desmatamento afetou o abastecimento

Historiadores e geógrafos dizem que o Rio de Janeiro tem problemas de abastecimento de água desde sua fundação, em 1565, no alto de um morro, perto de onde hoje fica o bairro da Urca. Segundo informações da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), a principal fonte à época era uma lagoa, que era chamada de "lagoa de água ruim". O primeiro aqueduto só foi concluído em 1723. Nireu Cavalcanti diz que já havia desde o século 17 legislação para proteger as nascentes, mostrando que o assunto já era uma preocupação antes mesmo do aumento de plantação de café.
"A cidade sempre sofreu com estiagens e tinha poucas alternativas de fontes de água", diz o geógrafo Rogério de Oliveira. "As plantações de café do século 19 foram instaladas nas partes altas, mais frescas, onde as condições climáticas eram melhores para o seu plantio, e essas são justamente as áreas de nascente dos rios", diz ele.
Gravura de Jonathan Needham mostra o Aqueduto da CariocaDireito de imagemBN DIGITAL
Image captionGravura de Jonathan Needham mostra o Aqueduto da Carioca, mais tarde conhecido como Arcos da Lapa. A construção, do século 18, trazia a água das nascentes do rio da Carioca, ao longo das encostas da serra de Santa Teresa, até o Largo da Carioca
O professor explica como o desmatamento afeta o volume de águas nos rios. A floresta, diz, é um ambiente de infiltração. Com a floresta funcionando normalmente, a água da chuva vai batendo nas copas das árvores, dissipando energia, por isso, quando chega no solo, chega com menos força. Não encontra a terra, mas a serrapilheira (camada de folhas), que é uma espécie de esponja, que acumula três vezes seu peso em água. Sem a mata, a água cai com muito força e desce morro abaixo, sem infiltrar a terra, o que seca as nascentes.
"O café tinha outro problema, ligado ao fato de que ele era plantado em linhas morro abaixo. Isso fazia com que se abrissem pequenos canais, onde a água corria direto."
Isso se somou ao aumento populacional na cidade, que fez crescer a demanda por água, e o histórico problema de falta de infraestrutura de abastecimento.

Como o desabastecimento afetava a população

Em anos de menos chuva, o problema do desabastecimento se agravava. Historiadores citam alguns anos como especialmente críticos: 1824, 1829, 1833, 1834, 1844 e 1856.
"Era o que você imagina – mau cheiro, doenças", diz Menezes da Cunha.
Claudia Heynemann, pesquisadora do Arquivo Nacional e autora de Floresta da Tijuca: natureza e civilização, publicado em 1994, diz que "o Rio de Janeiro era uma cidade assolada – por seca, pela dificuldade de canalização da água, por doenças e epidemias, muito calor. Os relatos dos estrangeiros davam conta disso, mas havia também um tom de preconceito da parte deles", diz ela.
Desenho mostra escravo carregando água em 1825Direito de imagemBN DIGITAL
Image captionDesenho mostra escravo carregando água em 1825
O historiador Nireu Cavalcanti conta que a coroa teve que colocar policiais para proteger os chafarizes. "Foram estabelecidas cotas e quem tinha fonte de água dentro de sua propriedade foi convocado a liberar o acesso para que a população pudesse usufruir também", diz ele.
Cavalcanti lembra que nessa época se fortaleceu a profissão de aguadeiros, vendedores de água, mas os preços cobrados eram altos.
"A solução clássica é buscar água mais longe. Quem tinha escravo, mandava buscar. Houve até casos de pessoas pegando caravelas e viajando para buscar água em outros lugares porque os mananciais secaram", conta o geógrafo Rogério de Oliveira.

Reflorestamento e soluções para o abastecimento

Com o agravamento do problema, dizem os pesquisadores, o desmatamento começou a ser apontado como causa.
"A Tijuca, cujos mananciais vinham cada vez mais sendo aproveitados para abastecimento da cidade, fez com que em 1857 a atenção do governo se voltasse para as suas florestas", contou o escritor Gastão Cruls no livro Aparência do Rio de Janeiro, publicado em 1949.
"As fazendas aí abertas uns trinta anos antes e queimadas subsequentes tinham-lhe quase completamente acabado com a pujante vegetação. Urgia reflorestá-la", escreve Cruls.
Claudia Heynemann lembra que havia uma tradição intelectual na Europa e nos Estados Unidos que também ressoava aqui e que preparou o terreno para a aceitação da ideia de reflorestamento.
"José Bonifácio (naturalista e estadista brasileiro) já falava disso no século 18. E havia também uma crítica a um tipo de agricultura, que era o modelo agrário exportador, que era a cultura do próprio café, à exploração do trabalho escravo, como um tipo de agricultura atrasado. Os próprios ministros de Dom Pedro 2º diziam isso", diz ela.
"Isso aconteceu numa época em que começava a surgir uma consciência ambiental. No mundo ocidental, estavam discutindo os efeitos negativos da Revolução Industrial, e nessa esteira foram criados diversos parques nacionais nos Estados Unidos", diz Menezes da Cunha.
Heynemann cita como exemplos do desenvolvimento dessa ideia de preservação a criação do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura, que administrou o Jardim Botânico, a as aulas de Engenharia Florestal que passaram a ser lecionadas na Escola Politécnica.
"Apesar de ser algo extraordinário (o reflorestamento), não era excepcional que se preocupasse com isso", diz a pesquisadora.
Fonte em homenagem a Dom Pedro IIDireito de imagemBN DIGITAL
Image captionFonte em homenagem a Dom Pedro 2º
O processo começou em 1861, quando o Visconde do Bom Retiro deu ao Major Manoel Gomes Archer a missão de replantar as árvores da floresta.
A coroa então desapropriou as terras e pagou indenizações aos fazendeiros. Segundo Cavalcanti, eles não tiveram muito espaço para manobra – o máximo que podiam fazer era contestar o valor que receberiam.
A Floresta da Tijuca foi então fundada, e o processo de reflorestamento durou décadas. Enquanto isso, foram sendo criadas soluções de curto prazo, por exemplo, a construção de caixas d'água na mata da Gávea Pequena.
"A essa altura", diz o livro de Menezes da Cunha e colegas, "já se tinha como ponto pacífico, contudo, que as águas da Tijuca não seriam suficientes para o abastecimento do Rio de Janeiro. Nesse sentido, ainda no fim do século XIX e primeira metade do século XX, grandes projetos de captação na Pedra Branca e de transposição do Tinguá e do Guandu reduziram significativamente a dependência da Cidade com relação aos mananciais da Tijuca."
"Mas não foi antes dos anos 1940 do século 20 que a cidade melhorou mesmo sua situação de abastecimento, com o início da captação do rio Guandu", diz o geógrafo Rogério de Oliveiro.
Professor Edgar Bom Jardim - PE