domingo, 29 de maio de 2022

'Brasil não tem só que combater pobreza, mas melhorar vida de todos os brasileiros', diz pesquisador sobre salário mínimo



Notas de cem reais na mão de uma pessoa com as unhas pintadas de vermelho

CRÉDITO,PRISCILA ZAMBOTTO/GETTY IMAGES

Para o economista Marcelo Medeiros, professor visitante na Universidade Columbia (EUA) que há décadas se dedica a pesquisar a desigualdade social brasileira, garantir que o salário mínimo não perca poder de compra em tempos de inflação alta não é apenas uma questão importante para reduzir a pobreza de um país.

Isso porque toda vez que o salário "encolhe", crescendo em ritmo mais fraco que o do aumento dos preços, espalha também um efeito recessivo sobre toda a economia.

"A redução (do salário mínimo) diminui o consumo e desacelera a economia. A inflação brasileira é uma inflação de custos - o preço das coisas, como contas e compras, vai aumentando. Então, se o salário mínimo diminui, isso pode ter efeito recessivo, que é algo que o Brasil não quer de jeito nenhum nesse momento", pondera o economista.

No governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), há três anos não há reajuste do piso salarial acima da inflação. O último foi em 2019, quando ainda prevalecia a regra de correção que considerava a inflação mais a variação do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes.


O debate sobre o salário mínimo voltou a esquentar com a divulgação no começo de maio de relatório da corretora Tullett Prebon Brasil, que estima que o mínimo perderá 1,7% em poder de compra até o fim do atual mandato do presidente, passando de R$ 1.213,84 para R$ 1.193,37 entre dezembro de 2018 e dezembro de 2022, descontada a inflação prevista no Boletim Focus.

Tal cenário tornaria Bolsonaro o primeiro presidente da República desde o Plano Real a concluir o mandato com o mínimo com menos poder de compra do que quando assumiu o cargo.

Embora Medeiros considere que ainda é cedo para estimar qual será de fato a perda real do mínimo no governo Bolsonaro, ele destaca que, no passado, a queda no poder de compra mostrou-se prejudicial ao funcionamento da economia e impactou negativamente o dia a dia dos brasileiros.


"O ponto é que nós não temos que combater apenas a pobreza, mas também melhorar a situação de todos os brasileiros que têm renda", afirmou.

A BBC News Brasil conversou com o especialista sobre os principais impactos - históricos e atuais - do salário mínimo no Brasil. Veja a seguir.

BBC News Brasil - O aumento do salário mínimo é a melhor forma de combate à pobreza?

Marcelo Medeiros - Há estratégias que apresentam uma taxa ainda maior de sucesso, mas o ponto é que nós não temos que combater apenas a pobreza, mas também melhorar a situação de todos os brasileiros que têm renda. São pessoas que não estão na condição extrema da pobreza, mas ainda assim têm renda baixa o suficiente para merecer atenção das políticas sociais.

Parte do custo é absorvido pelo estado e parte do custo é redistribuído por todo o mercado de trabalho. Todo mundo que contrata alguém com salário mínimo absorve parte desse custo. É por isso que você dá o aumento no momento que a economia está crescendo, para acompanhar o crescimento da economia. Supondo que esse crescimento está melhorando a condição das pessoas, então você distribui esse crescimento, de alguma maneira, também para as pessoas mais pobres. Essa é a lógica por trás dos aumentos, e é bem fundamentada.

BBC News Brasil - Aumento do salário mínimo pode ter efeito reverso, gerando pobreza, como alegam os críticos?

Medeiros - Há uma discussão, já considerada obsoleta, de que ao subir o salário mínimo, as empresas não conseguiriam pagar e demitiriam - fazendo com que o aumento do valor do salário mínimo, na verdade, gerasse pobreza.

Há casos isolados onde isso acontece, mas em geral não é o que ocorre, até porque economia não se regula dessa maneira. O desemprego no Brasil é determinado por outros fatores, principalmente por problemas do desempenho geral da economia e não especificamente pelo custo isolado do trabalhador.

Além disso, não estamos falando em um aumento de 30%, mas sim em um ganho real que gira entre 1% e 3%. O mercado não reage com desemprego quando se trata de aumentos pequenos."

BBC News Brasil - A redução do salário mínimo pode ser considerada perigosa para a economia brasileira?

Medeiros - É certamente uma péssima ideia. Porque a redução, entre outras coisas, é recessiva. Ela diminui o consumo e desacelera a economia. A inflação brasileira é uma inflação de custos - o preço das coisas, como contas e compras, vai aumentando. Então se o salário mínimo diminui, isso pode ter efeito recessivo, que é algo que o Brasil não quer de jeito nenhum nesse momento.

Além disso, vai aumentar a pobreza, a não ser que seja compensado pela expansão grupal de outras políticas para compensar as perdas que você terá, cujo custo fiscal vai ser mais alto.

BBC News Brasil - Do ponto de vista de políticas públicas, programas como o Auxílio Brasil, o antigo Bolsa Família, é considerado mais útil para combater a pobreza do que ajustes do salário mínimo?

Medeiros - Não necessariamente. Essa discussão só olha para o impacto pela medida de pobreza. É necessário pensar como funciona o mercado de trabalho como um todo, em que todas as medidas que vão afetar o mercado de trabalho.

[Programas como o antigo] Bolsa Família ajuda pobres e extremamente pobres. A eficiência do programa aumentaria se o benefício dos pobres fosse retirado e passado para os extremamente pobres. Mas isso não é desejável. O custo social disso é muito alto.

Mão segurando cartão próximo à maquina de pagamento

CRÉDITO,LJUBAPHOTO/GETTY IMAGES

Legenda da foto,

Quando população tem menor poder de compra, é esperado que a mudança afete a economia como um todo

BBC News Brasil - Aumento do salário mínimo só surte efeito para quem trabalha no regime CLT?

Medeiros - Ele afeta todos os trabalhadores informais que ganham um salário fixo, então, mesmo quem não tem carteira de trabalho assinada. Os empregadores não assinam a carteira para não pagar previdência, não para não pagar o salário mínimo. Sinais de que temos 13º.

BBC News Brasil - O que fazer se o salário mínimo para de funcionar para combate da pobreza?

Medeiros - Não há nem sinal de que o Brasil esteja perto desse ponto, e existe uma vantagem nesse tipo de política.

Se houver um sinal de que o salário mínimo está causando pobreza em vez de reduzir, basta interromper os aumentos, porque a inflação vai se encarregar de reduzir, rapidamente, os valores. Política facilmente reversível, então não é necessário se preocupar agora. O que é importante é ter uma boa rede de informação sobre trabalho no Brasil, algo que é desprezado no governo atual - planejamento e monitoramento do mercado de trabalho.

E, nesse tipo de política, se o limite for alcançado basta interromper novos aumentos, a inflação reverte o resultado.

  • Giulia Granchi
  • Da BBC News Brasil em São Paulo

Professor Edgar Bom Jardim - PE

sábado, 28 de maio de 2022

'Acordei com a chuva e em cinco minutos tinha perdido tudo', diz moradora do Recife


luana, moradora do Recife, em ponte acima da água, mostrando local do alagamento

CRÉDITO,FAUSTO FILHO/INSTITUTO CASA AMARELA SOCIAL

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Luana José tem 39 e morava no bairro Monteiro, em Recife

"Acordei com o barulho da chuva às quatro e meia da manhã. Eu, minha filha e minha mãe tentamos tirar a água, mas a correnteza vinha muito forte. Só deu tempo de pegar as crianças, os documentos, e sair. Em cinco minutos a água já estava no teto", diz Luana José, de 39 anos, moradora do bairro Monteiro, em Recife.

Na casa de Luana, moravam também três crianças - pela agilidade em sair da casa, ninguém se machucou.

A família foi uma das tantas afetadas pelas fortes chuvas e deslizamentos de terra causados pelas tempestades na região do Grande Recife. Nas últimas 24 horas, pelo menos 30 pessoas morreram, além dos outros cinco óbitos ocorridos na última quarta-feira (25/5), totalizando 35 vítimas.

Todos os móveis, roupas e outros objetos da família de Luana ficaram na casa inundada. "Perdi tudo que juntei a vida inteira, agora não sabemos o que fazer. Tenho depressão e a situação não é nada boa."


A família agora tem planos de buscar abrigo na escola Estadual Silva Jardim, um dos vários pontos escolhidos pela prefeitura da capital para receber pessoas que perderam a casa

Mas, de acordo com Luana, ela tem medo de sair do local, e após a água baixar, alguém tentar invadir a propriedade. "Sabemos que estão entrando em casas que ficaram destrancadas, por isso estamos aqui, sem comer nada o dia todo, olhando, mesmo que de longe", afirma a moradora, que ainda tem esperança de conseguir salvar algo que ficou na residência.

De acordo com a Codecipe (Central de Operações da Coordenadoria de Defesa Civil do Estado de Pernambuco), assim como Luana e sua família, mais de 700 pessoas que residiam na região do Grande Recife estão desabrigadas.

Casas tomadas pela água no bairro monteiro, em Recife

CRÉDITO,FAUSTO FILHO/INSTITUTO CASA AMARELA SOCIAL

Legenda da foto,

Casas tomadas pela água no bairro Monteiro, em Recife

O Instituto Casa Amarela Social, que representa a ONG G10 Favelas em Pernambuco, é um dos grupos que auxilia famílias pobres de Recife, e está atualmente em campanha para arrecadar doações para as vítimas das chuvas

Além das consequências imediatas, alagamentos também podem prejudicar a saúde


Com chuvas ainda previstas para a região nas próximas horas, a depender da extensão da destruição causada pelos alagamentos, a saúde dos moradores ainda pode estar risco em médio e longo prazo.

"Essas enchentes e deslizamentos de grandes áreas têm capacidade de destruição do sistema de saneamento - caso ele exista na região", explicou Carmen Fróes, professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e pesquisadora do tema de exposição à poluentes ambientais, à BBC em entrevista feita em fevereiro de 2022.

Com isso, a população pode ter seu sistema de água contaminado por escombros e esgoto, ambos contando com a possível presença de agentes biológicos nocivos. "Um risco bastante comum é ter o aumento dos casos da doença chamada leptospirose, causada por um microorganismo presente na urina do rato".

Além do risco de ingestão direta de água contaminada pelo extravasamento do sistema de saneamento, há ainda a possibilidade de que, ao se deslocar de um lugar para outro, a pessoa que tenha qualquer tipo de ferida não cicatrizada — por menor que seja — se contamine por ter contato com a água ou com a lama.

Sem o controle dos órgãos públicos e concessionária, a água potável que passaria por tratamento é oferecida com contaminação por esgoto, aumentando as chances de quadros associados às precárias condições de saneamento básico, como diarreia bacteriana, febre tifoide e hepatite.

Mexer nos escombros também é perigoso por aumentar o risco de tétano. "É uma infecção causada pela bactéria Clostridium tetani, que é geralmente encontrada no solo, na poeira e em fezes de animais, e acessa o organismo através de ferimentos ou lesões de pele", afirmou a especialista

Professor Edgar Bom Jardim - PE

quinta-feira, 5 de maio de 2022

Artes , memória coletiva e fluxo dos saberes na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Constituição


A Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948, tem três artigos artigos relacionados aos direitos culturais. São:

Artigo 22
Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social, à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.

Artigo 26
1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito. 
2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do ser humano e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. 
3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.

Artigo 27
1. Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios. 
2. Todo ser humano tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica literária ou artística da qual seja autor.

Fonte: https://www.unicef.org/





A Constituição Federal de 1988 e os Direitos Culturais

                             Constituição Federal 

                                   Seção II
                                DA CULTURA 

              Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

             § 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afrobrasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.
 
             2º A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais.

             3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que conduzem à: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 48, de 2005)
 
             I defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 48, de 2005)
 
             II produção, promoção e difusão de bens culturais; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 48, de 2005)
 
             III formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 48, de 2005)
 
             IV democratização do acesso aos bens de cultura; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 48, de 2005)

            V valorização da diversidade étnica e regional. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 48, de 2005).



Projeto Feira Cultural - Museu de Bom Jardim - Convite 28/11/2021

Professor Edgar Bom Jardim - PE

domingo, 1 de maio de 2022

Como são as bactérias no intestino de uma pessoa em depressão




Ilustração mostra conexão entre o intestino e o cérebro

CRÉDITO,CHRISCHRISW / GETTY IMAGES

Se atribui a Immanuel Kant a frase "a mão é o cérebro exterior do homem". É verdade que o controle destas extremidades ocupa uma enorme parcela da função cerebral: basta olhar para as representações do "homúnculo".

Evidentemente, são essenciais tanto para a recepção da realidade externa quanto para a expressão de nossas ideias. No entanto, não são órgãos vitais. O intestino, sim, e sua relação com o cérebro vai muito além.

Que conexão existe entre o cérebro e o intestino?

Um estudo publicado na Nature pelo gastroenterologista Emeran A. Mayer explica como ambos os órgãos, cérebro e intestino, estão conectados.

Esta interação entre eles tem relevância não apenas na regulação das funções gastrointestinais, mas também no humor e na tomada de decisão intuitiva

Em primeiro lugar, vamos lembrar que existe uma complexa rede de terminais nervosos que revestem todo o sistema digestivo, especialmente o sistema intestinal (chamado sistema nervoso entérico)

Este deriva evolutivamente de células que migram da crista neural e se instalam definitivamente no intestino.

Há, por sua vez, estruturas no sistema nervoso central que poderiam ser chamadas de parte encefálica do sistema intestinal.

A comunicação entre o cérebro e o intestino é estabelecida por meio de vias nervosas, especialmente pelo nervo vago. Mas também pela corrente sanguínea, é claro.

Por outro lado, há outras células intrínsecas localizadas nas camadas mais internas do tubo intestinal (células enteroendócrinas ou enterocromafins) que são repletas de neurotransmissores.

Por exemplo, contêm peptídeos (que também se encontram no cérebro) e serotonina.

Na verdade, o intestino é o local da anatomia humana em que se encontra a maior quantidade de serotonina (mais de 90%). O restante se encontra nas plaquetas e apenas 1% no cérebro.

Mas o intestino não é apenas um tubo com neurônios próprios e neurotransmissores mais ou menos conectado com o cérebro e com neurônios específicos e neurotransmissores.

Nele, também vive uma grande quantidade de micro-organismos. Juntos, eles formam a chamada microbiota.

Ilustração simbolizando cérebro e intestino de mãos dadas

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,

A interação entre o intestino e o cérebro tem relevância não apenas na regulação das funções gastrointestinais, mas também no humor e na tomada de decisão intuitiva

Trata-se de uma série de bactérias (mais numerosas do que nossas próprias células) que nos ajudam na digestão, no combate a outros patógenos e em muitos outros processos.

Sintomas físicos derivados da ansiedade e depressão


Muitos de nós já constatamos que estar estressado (por ter que falar em público ou fazer uma prova) nos predispõe, não só de forma aguda, mas também crônica, a vômitos, náuseas, diarreia ou constipação.

Na verdade, como é evidente, os sintomas seguem o estímulo estressante (que, às vezes, não precisa ser negativo). Há até uma expressão muito particular para definir estar apaixonado: "sentir borboletas no estômago".

A ansiedade e a depressão são os dois representantes mais claros dos problemas de estado de espírito.

Na verdade, é um dos motivos mais frequentes de consulta não só na clínica psiquiátrica, como também na atenção primária.

A depressão é cada vez mais frequente, e é um dos principais problemas de saúde pública.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) — e este já era o caso anos antes da pandemia —, será o principal problema de saúde do mundo em 2030.

Graças a estudos como o de Mayer, o papel do estresse nessas doenças está se tornando cada vez mais conhecido. Assim como nas alterações em neurotransmissores específicos e má regulação do sistema imunológico.

Mas um número significativo de pacientes é resistente aos tratamentos farmacológicos disponíveis para a depressão, que devem sempre ser acompanhados de psicoterapias.

E é por isso que existe uma necessidade premente de aumentar o conhecimento da sua fisiopatologia para desenvolver estratégias terapêuticas mais eficazes.

O estresse e sua influência na microbiota (e vice-versa)

Nas últimas duas décadas, foram apresentadas inúmeras evidências científicas, em modelos animais e em humanos, indicando que quando um indivíduo sofre estresse, ocorre uma alteração no intestino e a composição da microbiota pode, inclusive, ser modificada.

Inversamente, a alteração experimental da microbiota também pode induzir mudanças comportamentais.

Sabemos que o cérebro influencia a microbiota a partir de estudos nos quais foi demonstrado que o estresse nos estágios iniciais da vida diminui a concentração de Lactobacillus e faz emergir a concentração de bactérias patogênicas ao romper o equilíbrio fisiológico entre as diferentes populações de microrganismos.

Em contrapartida, a diferente composição da microbiota pode influenciar no comportamento: algumas bifidobactérias melhoram o comportamento depressivo em ratos.

O estresse também produz inflamação?

Nos últimos anos, inúmeros estudos indicaram que a inflamação crônica de baixo grau também pode estar desempenhando um papel na fisiopatologia da depressão.

A partir desta informação, buscou-se saber se poderia haver uma relação entre a inflamação de origem intestinal e o estresse.

Assim, vários estudos realizados por um grupo da Universidade Complutense de Madrid (Espanha) e outros pesquisadores mostram como o estresse (um importante fator de risco para a depressão) pode produzir um desequilíbrio intestinal.

Isso pode levar a uma instabilidade na barreira intestinal (tornando-a mais porosa) e, portanto, à passagem de componentes da parede bacteriana do intestino para a corrente sanguínea e outros órgãos.

É um processo chamado translocação bacteriana. Estes componentes podem ser tóxicos e desencadear uma resposta inflamatória generalizada.

Além disso, estes estudos mostraram que a composição da flora bacteriana fica alterada em pacientes com depressão, em comparação com a flora de indivíduos de grupos de controle saudáveis.

Em geral, a diversidade bacteriana diminui em casos de depressão. No entanto, ainda não entendemos a associação entre a microbiota e a inflamação detectada na depressão.

Agora sabemos que o dano celular oxidativo (que é a consequência final da inflamação) é maior em pacientes com um episódio ativo de depressão.

Além disso, estas pessoas também apresentaram níveis elevados de um componente de bactérias intestinais que está muito relacionado à resposta imune: o lipopolissacarídeo de bactérias do gênero Bilophila e Alistipes, diminuição da Anaerostipes e desaparecimento completo da Dialister.

Estas alterações não aparecem em pacientes em fase de remissão da doença.

Resta saber ainda se as toxinas das bactérias presentes na microbiota de pacientes com depressão podem circular por todo o sistema e chegar a sinalizar algumas estruturas do cérebro.

Por enquanto, sabe-se que em modelos animais estas bactérias são capazes de chegar ao cérebro e ativar receptores de resposta imune em neurônios e em outros tipos de células deste órgão.

E, além disso, que no tecido cerebral de pacientes com depressão que morreram por suicídio, é identificada uma hiperativação da resposta imune.

Mas ainda estamos longe de poder afirmar que existe uma causalidade entre estes fenômenos e a fisiopatologia da depressão.

No entanto, o desafio está lançado, e o trabalho da ciência biomédica é desvendar todos esses mecanismos para oferecer aos pacientes novos e melhores soluções de tratamento.

Neste momento, há um projeto aberto para o estudo do microbioma em relação à saúde mental, com o qual você pode colaborar voluntariamente (caso more em que algumas cidades da Espanha — veja aqui).

* Juan C. Leza é professor do departamento de farmacologia e toxicologia da faculdade de medicina, CIBERSAM, Universidad Complutense de Madrid, na Espanha.

Javier R. Caso é professor do departamento de farmacologia e toxicologia da faculdade de medicina, CIBERSAM, Universidad Complutense de Madrid, na Espanha.

Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em espanhol).

  • Juan C. Leza e Javier R. Caso
  • The Conversation* BBC


Professor Edgar Bom Jardim - PE