terça-feira, 31 de maio de 2022

De Gusttavo Lima a Anitta: entenda a brecha que permite contratar famosos com dinheiro público




Gusttavo Lima durante show em 2022

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Lei criada em 1993 permite que artistas reconhecidos pela crítica ou público possam ser contratados sem licitação

Na última semana, artistas do mundo sertanejo se tornaram alvo de críticas por receberem cachês pagos por prefeituras do interior do país.

A polêmica começou depois que o cantor Zé Neto, que faz dupla com Cristiano, deu uma declaração durante um show que foi vista como uma crítica velada à cantora Anitta e à lei federal de incentivo à cultura.

Popularmente conhecida como Lei Rouanet, o dispositivo é constantemente atacado por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL).

"Não somos artistas que dependemos da Lei Rouanet. Nosso cachê quem paga é o povo. A gente não precisa fazer tatuagem no toba para mostrar se a gente está bem ou mal", disse Zé Neto


A menção à tatuagem foi interpretada como uma indireta à cantora Anitta, conhecida por ser crítica a Bolsonaro

A declaração gerou polêmica nas redes sociais e Zé Neto chegou a se desculpar pela fala. Logo após afirmação de Zé Neto no show, porém, veio à tona a informação de que a apresentação da dupla na cidade mato-grossense custou R$ 400 mil e foi paga pela prefeitura da cidade.

Nos últimos dias, foram os shows de Gusttavo Lima que ficaram sob escrutínio. Diversos veículos de imprensa noticiaram que o cantor, que já se manifestou a favor de Bolsonaro, foi contratado pela Prefeitura de São Luiz, no interior de Roraima, por R$ 800 mil.

A cidade tem pouco mais de 8 mil habitantes. Na semana passada, a prefeitura de Conceição do Mato Dentro, em Minas Gerais, cancelou o show que o cantor faria na cidade e que foi contratado por R$ 1,2 milhão.

Em vídeo, o prefeito da cidade, José Fernando Aparecido (MDB), diz ter cancelado o show após se ver envolvido no que chamou de "guerra política".

Anitta durante premiação nos EUA

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Anitta foi contratada por R$ 500 mil pela Prefeitura de Parintins, no Amazonas, em 2019

Os ministérios públicos de Minas Gerais, Roraima e Rio de Janeiro abriram investigações preliminares para apurar se houve algo ilegal na contratação dos shows. Ontem, em uma transmissão em suas redes sociais, o cantor negou envolvimento em irregularidades.

"Nunca me beneficiei sobre dinheiro público, empréstimo, ou algo do tipo. Minha vida foi sempre trabalhar", disse o cantor.

O fato é que não são apenas artistas do sertanejo que já receberam por shows pagos por prefeituras.

No meio artístico, é considerado relativamente comum que cantores se apresentem em eventos financiados por prefeituras ou governos estaduais. Anitta, por exemplo, foi contratada por R$ 500 mil pela Prefeitura de Parintins, no Amazonas, em 2019.

Mas o que as contratações desses artistas famosos têm em comum? A resposta é: todas foram feitas aproveitando uma brecha na legislação: a inexigibilidade de licitação.

Zé Neto durante show

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Zé Neto, que faz dupla com Cristiano, deu uma declaração durante um show que foi vista como uma crítica velada à cantora Anitta e à lei federal de incentivo à cultura

A BBC News Brasil conversou com especialistas em Direito Administrativo que explicaram como esse mecanismo funciona e por que ele permite que prefeituras possam gastar dinheiro público sem licitação para contratar artistas, alguns com cachês milionários.

Eles afirmam também que, ao contrário do que alguns críticos afirmam, a Lei Rouanet é muito mais eficiente e transparente para promover a cultura do que as contratações diretas feitas pelas prefeituras.

A regra e a exceção


A lei nº 8.666, também conhecida como Lei das Licitações, foi criada em 1993. Naquele momento, o Estado brasileiro vivia um processo de reorganização administrativa poucos anos depois da redemocratização do país, ocorrida em 1985.

O objetivo da lei era padronizar e modernizar a forma como os órgãos públicos de todo o país compravam produtos ou serviços

Pela lei, a maior parte dos contratos públicos precisa ser feito após uma licitação, que nada mais é do que uma espécie de competição em que diferentes fornecedores do mesmo produto ou serviço disputam quem terá o direito de vender para o governo.

Há diversas formas de definir o "vencedor" de uma licitação. Normalmente, é escolhido o fornecedor que cobrar o menor preço desde que o produto atenda às especificações feitas pelo órgão público.

"A ideia da licitação é que a administração pública só vai contratar serviços ou comprar produtos se for possível avaliar diferentes propostas e fornecedores. O problema é que nem sempre isso é possível", diz o professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e doutor em Direito Público Wallace Corbo.

Gusttavo Lima aponta dedo para plateia durante apresentação

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'Para uma prefeitura contratar um show de grande porte ela precisa estar com suas finanças absolutamente equilibradas porque um show é algo supérfluo', diz especialista

É nesses casos em que uma competição é "impossível" que as prefeituras podem usar a brecha que vem permitindo a contratação de artistas. Essa brecha é a inexigibilidade de licitação.

Ela pode ser usada tanto para a contratação de produtos ou serviços para os quais não há concorrentes (caso de uma vacina fabricada por um único fornecedor) ou para pagar por shows artísticos.

"A lei prevê que a contratação de artistas consagrados pela crítica ou pela opinião pública pode ser feita sem a realização de uma licitação. Isso acontece porque é virtualmente impossível comparar um artista com outro, logo, a disputa fica inviável. Como é que você vai comparar Gusttavo Lima com a Anitta?", explica o advogado especialista em Direito Administrativo Arthur Rollo.

Rollo afirma que por se tratar de uma exceção e de um "produto" muito específico, a escolha dos artistas que uma prefeitura quer ter em seus eventos acaba sendo discricionária.

"No final, como não tem como avaliar qual artista é melhor ou pior, essa escolha é subjetiva e fica nas mãos de quem comanda o órgão público. Pode acontecer de um prefeito escolher um cantor em particular porque ele ou a sua mulher são fãs. É difícil mensurar isso", avalia o advogado.

Como impedir abusos

Arthur Rollo diz, no entanto que, ainda que as contratações de artistas possam ser respaldadas tecnicamente pela lei, é preciso avaliar se elas atendem a princípios como a moralidade, eficiência e economicidade.

"É preciso analisar o contexto no qual uma prefeitura faz um contrato milionário com um artista. Não é defensável uma prefeitura com graves problemas em áreas como saúde ou educação gastar grandes somas de dinheiro na contratação de artistas famosos", diz.

"Para uma prefeitura contratar um show de grande porte ela precisa estar com suas finanças absolutamente equilibradas porque um show é algo supérfluo, por mais importante que a cultura e o lazer sejam. Tem que ver se a prefeitura está gastando o que deve na saúde, na educação", diz Arthur Rollo.

Gusttavo Lima durante show em 2022

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'É muito mais fácil você pesquisar os dados de projetos da Lei Rouanet do que ter que procurar nos diários oficiais de mais de cinco mil municípios', diz advogado

Para o advogado Wallace Corbo, toda a polêmica em torno dos shows de artistas como Gusttavo Lima, Anitta e Zé Neto e Cristiano lançou luz sobre como as contratações feitas por prefeituras via inexigibilidade de licitação são menos transparentes que a tão criticada Lei Rouanet.

A Lei Rouanet foi criada em 1991 e é um dos principais instrumentos de fomento à cultura do país. Os autores precisam submeter seus projetos ao crivo do governo. Se ele for aprovado, os autores ficam autorizados a captarem os recursos junto a empresas e pessoas físicas.

As empresas ou pessoas físicas que desejam financiar um projeto pode fazer isso destinando os recursos do imposto de renda que deviam à União para essas iniciativas culturais.

Todas as informações sobre os responsáveis pelos projetos e seus patrocinadores são publicadas no Diário Oficial da União (DOU) e centralizadas em um site do governo federal.

"É muito mais fácil você pesquisar os dados de projetos da Lei Rouanet do que ter que procurar nos diários oficiais de mais de cinco mil municípios para saber se um artista foi ou não contratado com dinheiro público. A Lei Rouanet é muito mais transparente", avalia o advogado Wallace Corbo.

Corbo diz ainda que a Lei Rouanet é mais eficiente que as contratações feitas por prefeituras ou governos estaduais porque elas permitem que artistas menos conhecidos tenham acesso a recursos e não fiquem inteiramente dependentes da boa vontade dos mandatários.

"A Lei Rouanet faz com que o artista também possa captar recursos e o leque de opções é muito mais amplo do que correr atrás de prefeituras ou governos do estado. Para o artista que não têm a expressão dos mais famosos, isso é muito útil", diz Wallace Corbo.

Na avaliação de Arthur Rollo, não seria preciso fazer ajustes na Lei das Licitações para impedir que prefeituras utilizem seus recursos para contratação de artistas famosos.

"Não precisa mudar a lei. Basta que os órgãos de controle, internos e externos como as controladorias e os tribunais de conta se mantenham vigilantes. Também é importante que a sociedade civil organizada faça isso. Se a pessoa mora em uma cidade e o prefeito ou prefeita vai contratar um artista por um cachê astronômico, ela pode questionar isso junto ao Ministério Público", explica.

Por e-mail, a assessoria de imprensa responsável pela dupla Zé Neto e Cristiano disse que a dupla não iria se manifestar sobre o tema. A BBC News Brasil procurou as produtoras responsáveis pelas carreiras de Anitta e Gusttavo Lima, mas elas não responderam às questões enviadas.

A Prefeitura de Parintins, que contratou Anitta por R$ 500 mil em 2019, disse que o valor foi cobrado pela produtora da artista em função de fatores como a dificuldade logística para sua equipe chegar à cidade que fica em uma ilha no rio Amazonas.

Em nota, a assessoria de Gusttavo Lima diz que ele não pactua com ilegalidades.

"O valor do cachê do artista é fixado obedecendo critérios internos, baseados no cenário nacional, tais como: logística (transporte aéreo, transporte rodoviário etc.), tipo do evento (show privado ou público), bem como os custos e despesas operacionais da empresa para realização do show artístico, dentre outros fatores. Não pactuamos com ilegalidades cometidas por representantes do poder público, seja em qualquer esfera", diz um trecho da nota.

  • Leandro Prazeres
  • Da BBC News Brasil em Brasília
Professor Edgar Bom Jardim - PE

segunda-feira, 30 de maio de 2022

As lideranças ligadas ao garimpo na Amazônia que vão tentar vaga no Congresso na eleição de outubro



Jose Altino Machado e Rodrigo Mello

CRÉDITO,MOVIMENTO GARIMPO É LEGAL (MGL)

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José Altino Machado (à esquerda) e Rodrigo Mello (à direita) são lideranças ligadas a garimpeiros na Amazônia e pré-candidatos a deputados federais

Lideranças ligadas a garimpos e à mineração na Amazônia se filiaram a partidos políticos e lançaram pré-candidaturas de olho nas eleições deste ano.

O movimento acontece em meio ao avanço dos garimpos ilegais na Amazônia e às tensões entre invasores e indígenas.

Entre as lideranças que pretendem disputar um mandato estão um empresário investigado pela Polícia Federal por dar suporte a garimpos ilegais e um empresário conhecido por ter sido um dos precursores da invasão à área onde hoje existe a Terra Indígena Yanomami.

O garimpo ilegal no Brasil movimenta bilhões de reais de forma clandestina, especialmente na Amazônia


Um estudo conduzido pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) divulgado em 2021 aponta que pelo menos um quarto da produção de ouro seria irregular

A estimativa é de que pelo menos 48,9 toneladas de ouro produzidas em dois anos têm indícios de ilegalidade. A maior parte desse total teria origem em áreas da Amazônia.

Um levantamento da organização não-governamental MapBiomas aponta que houve um aumento de 495% na área desmatada por garimpos em terras indígenas entre 2010 e 2020

Como resposta, órgãos como a Polícia Federal e o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) realizaram diversas operações para combater o avanço dos garimpeiros em áreas protegidas. Em várias delas, os policiais e fiscais destruíram o maquinário encontrado.

É em meio a esse contexto de tensão que as lideranças ligadas aos garimpeiros querem chegar ao Congresso Nacional.

Um deles é o empresário Rodrigo Mello, de Roraima. Conhecido como Rodrigo "Cataratas", em referência ao nome de uma de suas empresas, ele é o líder do Movimento Garimpo Legal (MGL) no Estado. Ele tem empresas de aviação e é dono de direitos minerários em áreas espalhadas pela região amazônica.

Em 2021, ele ficou conhecido após ele e suas empresas terem sido alvo de uma operação de órgãos federais como a PF e o Ibama contra a estrutura logística que abastecia os garimpos ilegais no estado.

A suspeita é de que suas aeronaves sejam usadas para transportar pessoas e suprimentos para os garimpos. Ele, no entanto, nega envolvimento em irregularidades. "Nenhuma das minhas aeronaves tem vínculo com garimpo ilegal", disse à BBC News Brasil.

No início do mês, ele liderou protestos contra uma delegação do Senado que foi a Roraima apurar denúncias de violência de garimpeiros contra indígenas da etnia yanomami.

Rodrigo Mello afirma que, caso seja eleito, uma de suas principais bandeiras será a regulamentação da mineração em terras indígenas. Atualmente, tramita no Congresso Nacional um projeto de lei enviado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) sobre o assunto.

Em março de 2022, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), aliado do presidente Bolsonaro, chegou a anunciar que colocaria o projeto sobre a mineração em terras indígenas em pauta.

Após pressão da oposição e de movimentos sociais, ele recuou e criou um grupo de trabalho para discutir o assunto.

"Nós precisamos desenvolver a liberdade do indígena e a mineração em terra indígena para que ele possa se associar ou não a não-indígenas para minerar. É (o garimpo) é uma atividade regulamentar igual à pecuária e agricultura que são feitas em outros estados", afirma Rodrigo.

Indagado sobre os impactos ambientais e sociais causados pelo garimpo, Rodrigo defende, sem apresentar evidências, que a mineração é menos danosa que outras atividades desenvolvidas na região.

"É a atividade econômica com o menor impacto no ambiente. Se você compará-la com o manejo florestal, com a agricultura ou com a pecuária, vai ver que o impacto é mínimo", defende.

Pioneiro pré-candidato

Outro pré-candidato a deputado federal ligado ao garimpo é José Altino Machado, diretor da Associação dos Mineradores do Alto Tapajós (Amot). Machado é conhecido no mundo garimpeiro como um das suas principais lideranças e um dos pioneiros na instalação de garimpos na área em que hoje existe a Terra Indígena Yanomami, entre os anos 1970 e 1980.

Sua liderança sobre o movimento é reconhecida, inclusive, no mundo político. Em 2019 e 2021 ele manteve encontros com o vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos) e com seus assessores. Mourão preside o Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL).

Jose Altino Machado

CRÉDITO,ROMÉRIO CUNHA (VICE-PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA)

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José Altino Machado (à direita) participou de reuniões com o vice-presidente Hamilton Mourão (de costas, à esquerda) entre 2019 e 2021.

Altino, como é conhecido, disse que, se eleito, vai defender as atividades econômicas existentes na região, entre elas, o garimpo.

"Vamos defender o garimpeiro. É a maior atividade econômica da Amazônia em número de pessoas. Não tem nenhuma outra com a qual ela possa ser comparada. Atrás do garimpeiro, vem o comerciante, tem toda uma economia por trás. Por último, chega o fazendeiro que cria a cidade", afirmou o pré-candidato.

José Altino Machado também é filiado ao PL, partido de Jair Bolsonaro.

Altino é um dos representantes dos garimpeiros do rio Tapajós, no Pará. Nessa região, houve um avanço expressivo da atividade garimpeira, especialmente em terras indígenas como a Munduruku e Kayapó.

Ele se defende das críticas feitas por ambientalistas sobre os impactos ambientais causados pelos garimpos. Segundo ele, a culpa por a atividade ocorrer de forma desordenada é do Estado brasileiro.

"Está escrito na Constituição que quem tem que organizar a mineração é o Estado, mas isso nunca aconteceu. Enquanto isso não acontecer de verdade, respeitando os interesses dos garimpeiros e não apenas das grandes mineradoras, essa desordem vai continuar ocorrendo", disse.

Altino também afirma querer se candidatar para influenciar o Congresso Nacional na elaboração de leis sobre a Amazônia.

"A maioria das leis sobre a região não são feitas ou relatadas por gente que conhece a Amazônia. Quando você vai ver, é gente que nunca pisou um pé lá", avalia.

Também no Pará está a pré-candidatura para deputado federal de Gilson Fernandes, presidente da Federação Brasileira da Mineração (Febram), que congrega, segundo ele, pequenos mineradores, especialmente, da Amazônia.

Fernandes, também filiado ao PL, explica que, enquanto Altino Machado e Rodrigo "Cataratas" atuam no ramo do ouro, a entidade que ele presidente representa mineradores que atuam na exploração de outros minerais como cobre e manganês.

Caso seja eleito, ele diz que vai defender os direitos da categoria. Uma das pautas na qual ele promete atuar é contra a destruição de maquinário localizado em operações contra a mineração ilegal.

Agente armado de costas, diante de caminhonete em chamas

CRÉDITO,IBAMA

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Agente observa caminhonete em chamas durante operação contra o garimpo na Terra Indígena Yanomami, em 2021

"Essa destruição de maquinário é um crime. A Constituição diz que ninguém pode ser privado do seu patrimônio sem um processo transitado em julgado. O agente do Ibama ou da PF, ao mesmo tempo em que ele faz papel da polícia, faz o papel do juiz. O cara tem o equipamento destruído sem direito a defesa", critica Fernandes.

Atualmente, a destruição de equipamentos em operações contra crimes ambientais é amparada por um decreto presidencial de 2008. Segundo a norma, os agentes podem destruir equipamentos para evitar que eles sejam usados em novas infrações ambientais ou se o transporte deles para outros locais for inviável.

Movimento se organiza

Para o secretário-executivo da organização não-governamental Observatório do Clima, Márcio Astrini, o lançamento de pré-candidaturas de lideranças ligadas ao garimpo na Amazônia é uma consequência do avanço da atividade na região.

"Os garimpos prosperaram durante os anos do governo Bolsonaro. É uma tendência que eles se organizem. Se antes havia conflito e eles tinham medo do estado ou da polícia, agora eles se sentem amparados para quererem ser representantes dessa atividade ilegal no Congresso", explica.

Astrini argumenta que essas pré-candidaturas contrastam tanto na pauta quanto nas condições financeiras em relação às chapas que lideranças indígenas tentam montar na região.

"As pautas são totalmente diferentes. Enquanto os indígenas querem aumentar a proteção ao meio ambiente, os líderes garimpeiros querem abrir as terras indígenas para a mineração e diminuir a fiscalização. Além disso, os garimpeiros têm muito mais recursos financeiros para bancar essas campanhas", avalia Astrini.

  • Leandro Prazeres
  • BBC New Brasil em Brasília

Professor Edgar Bom Jardim - PE

domingo, 29 de maio de 2022

'Brasil não tem só que combater pobreza, mas melhorar vida de todos os brasileiros', diz pesquisador sobre salário mínimo



Notas de cem reais na mão de uma pessoa com as unhas pintadas de vermelho

CRÉDITO,PRISCILA ZAMBOTTO/GETTY IMAGES

Para o economista Marcelo Medeiros, professor visitante na Universidade Columbia (EUA) que há décadas se dedica a pesquisar a desigualdade social brasileira, garantir que o salário mínimo não perca poder de compra em tempos de inflação alta não é apenas uma questão importante para reduzir a pobreza de um país.

Isso porque toda vez que o salário "encolhe", crescendo em ritmo mais fraco que o do aumento dos preços, espalha também um efeito recessivo sobre toda a economia.

"A redução (do salário mínimo) diminui o consumo e desacelera a economia. A inflação brasileira é uma inflação de custos - o preço das coisas, como contas e compras, vai aumentando. Então, se o salário mínimo diminui, isso pode ter efeito recessivo, que é algo que o Brasil não quer de jeito nenhum nesse momento", pondera o economista.

No governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), há três anos não há reajuste do piso salarial acima da inflação. O último foi em 2019, quando ainda prevalecia a regra de correção que considerava a inflação mais a variação do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes.


O debate sobre o salário mínimo voltou a esquentar com a divulgação no começo de maio de relatório da corretora Tullett Prebon Brasil, que estima que o mínimo perderá 1,7% em poder de compra até o fim do atual mandato do presidente, passando de R$ 1.213,84 para R$ 1.193,37 entre dezembro de 2018 e dezembro de 2022, descontada a inflação prevista no Boletim Focus.

Tal cenário tornaria Bolsonaro o primeiro presidente da República desde o Plano Real a concluir o mandato com o mínimo com menos poder de compra do que quando assumiu o cargo.

Embora Medeiros considere que ainda é cedo para estimar qual será de fato a perda real do mínimo no governo Bolsonaro, ele destaca que, no passado, a queda no poder de compra mostrou-se prejudicial ao funcionamento da economia e impactou negativamente o dia a dia dos brasileiros.


"O ponto é que nós não temos que combater apenas a pobreza, mas também melhorar a situação de todos os brasileiros que têm renda", afirmou.

A BBC News Brasil conversou com o especialista sobre os principais impactos - históricos e atuais - do salário mínimo no Brasil. Veja a seguir.

BBC News Brasil - O aumento do salário mínimo é a melhor forma de combate à pobreza?

Marcelo Medeiros - Há estratégias que apresentam uma taxa ainda maior de sucesso, mas o ponto é que nós não temos que combater apenas a pobreza, mas também melhorar a situação de todos os brasileiros que têm renda. São pessoas que não estão na condição extrema da pobreza, mas ainda assim têm renda baixa o suficiente para merecer atenção das políticas sociais.

Parte do custo é absorvido pelo estado e parte do custo é redistribuído por todo o mercado de trabalho. Todo mundo que contrata alguém com salário mínimo absorve parte desse custo. É por isso que você dá o aumento no momento que a economia está crescendo, para acompanhar o crescimento da economia. Supondo que esse crescimento está melhorando a condição das pessoas, então você distribui esse crescimento, de alguma maneira, também para as pessoas mais pobres. Essa é a lógica por trás dos aumentos, e é bem fundamentada.

BBC News Brasil - Aumento do salário mínimo pode ter efeito reverso, gerando pobreza, como alegam os críticos?

Medeiros - Há uma discussão, já considerada obsoleta, de que ao subir o salário mínimo, as empresas não conseguiriam pagar e demitiriam - fazendo com que o aumento do valor do salário mínimo, na verdade, gerasse pobreza.

Há casos isolados onde isso acontece, mas em geral não é o que ocorre, até porque economia não se regula dessa maneira. O desemprego no Brasil é determinado por outros fatores, principalmente por problemas do desempenho geral da economia e não especificamente pelo custo isolado do trabalhador.

Além disso, não estamos falando em um aumento de 30%, mas sim em um ganho real que gira entre 1% e 3%. O mercado não reage com desemprego quando se trata de aumentos pequenos."

BBC News Brasil - A redução do salário mínimo pode ser considerada perigosa para a economia brasileira?

Medeiros - É certamente uma péssima ideia. Porque a redução, entre outras coisas, é recessiva. Ela diminui o consumo e desacelera a economia. A inflação brasileira é uma inflação de custos - o preço das coisas, como contas e compras, vai aumentando. Então se o salário mínimo diminui, isso pode ter efeito recessivo, que é algo que o Brasil não quer de jeito nenhum nesse momento.

Além disso, vai aumentar a pobreza, a não ser que seja compensado pela expansão grupal de outras políticas para compensar as perdas que você terá, cujo custo fiscal vai ser mais alto.

BBC News Brasil - Do ponto de vista de políticas públicas, programas como o Auxílio Brasil, o antigo Bolsa Família, é considerado mais útil para combater a pobreza do que ajustes do salário mínimo?

Medeiros - Não necessariamente. Essa discussão só olha para o impacto pela medida de pobreza. É necessário pensar como funciona o mercado de trabalho como um todo, em que todas as medidas que vão afetar o mercado de trabalho.

[Programas como o antigo] Bolsa Família ajuda pobres e extremamente pobres. A eficiência do programa aumentaria se o benefício dos pobres fosse retirado e passado para os extremamente pobres. Mas isso não é desejável. O custo social disso é muito alto.

Mão segurando cartão próximo à maquina de pagamento

CRÉDITO,LJUBAPHOTO/GETTY IMAGES

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Quando população tem menor poder de compra, é esperado que a mudança afete a economia como um todo

BBC News Brasil - Aumento do salário mínimo só surte efeito para quem trabalha no regime CLT?

Medeiros - Ele afeta todos os trabalhadores informais que ganham um salário fixo, então, mesmo quem não tem carteira de trabalho assinada. Os empregadores não assinam a carteira para não pagar previdência, não para não pagar o salário mínimo. Sinais de que temos 13º.

BBC News Brasil - O que fazer se o salário mínimo para de funcionar para combate da pobreza?

Medeiros - Não há nem sinal de que o Brasil esteja perto desse ponto, e existe uma vantagem nesse tipo de política.

Se houver um sinal de que o salário mínimo está causando pobreza em vez de reduzir, basta interromper os aumentos, porque a inflação vai se encarregar de reduzir, rapidamente, os valores. Política facilmente reversível, então não é necessário se preocupar agora. O que é importante é ter uma boa rede de informação sobre trabalho no Brasil, algo que é desprezado no governo atual - planejamento e monitoramento do mercado de trabalho.

E, nesse tipo de política, se o limite for alcançado basta interromper novos aumentos, a inflação reverte o resultado.

  • Giulia Granchi
  • Da BBC News Brasil em São Paulo

Professor Edgar Bom Jardim - PE