quinta-feira, 5 de julho de 2018

COPA:Exames médicos são cancelados em dias de jogos: 'Ouvi os funcionários do laboratório torcendo'


Cartaz em posto de Pinheiros, em SP, anuncia fechamento de unidade três horas antes do jogo Brasil e Bélgica pela Copa da Rússia
Image captionPosto de saúde em São Paulo vai seguir decreto de governador: fechará três horas antes do jogo Brasil e Bélgica
A bióloga Cristiane Pestana agendou a realização de três exames de ultrassom para a manhã do dia 22 de junho. Seguiu a orientação do laboratório e chegou com 30 minutos de antecedência a uma unidade no Meier, zona norte do Rio de Janeiro. Porém, deu de cara com a porta trancada. Nenhum sinal de que, àquela hora, alguém estava sendo atendido.
Do lado de fora, ela conseguia ouvir os funcionários do laboratório particular Sérgio Franco gritando com os lances da Seleção Brasileira, que enfrentava um jogo duríssimo contra a Costa Rica na Copa do Mundo da Rússia.
A partida terminou em 2 a 0 para o Brasil, e Pestana ficou sem seus exames. "Ninguém me avisou que ele seria cancelado por causa do jogo", conta Pestana à BBC News Brasil.
A bióloga não foi a única a enfrentar esse tipo de situação. Nas redes sociais e em sites de reclamações, como o Reclame Aqui, são inúmeras as pessoas que relataram remarcações e cancelamentos de exames e consultas por causa dos jogos da seleção de Neymar e Tite.
Pestana conta que não recebeu nenhuma informação do laboratório sobre novas datas para seus exames. "Liguei na central de atendimento e eles disseram que só haveria vaga para meados de julho", conta.
O laboratório não respondeu aos contatos da BBC News Brasil sobre o caso da bióloga.
"Sei que a Copa é um evento especial, de quatro em quatro anos, eu até gosto. Mas acho um absurdo você parar o sistema de saúde por causa dos jogos", diz Pestana, de 35 anos.
Cristiane Pestana foi até o laboratório, mas jogo do Brasil na Copa impediu o procedimentoDireito de imagemARQUIVO PESSOAL
Image captionA biológa Cristiane Pestana conseguiu ouvir funcionários de laboratório assistindo ao jogo do Brasil
Situação parecida ocorreu com a secretária acadêmica Meire Palma, de 52 anos. Ela havia marcado um exame de raios-x para sua tia, Cina Posi, de 82 anos, para as 15h do último dia 27. No mesmo horário, o Brasil entraria em campo contra a Sérvia pela última partida da primeira fase do Mundial.
"Por volta das 10h, o laboratório me mandou uma mensagem de celular, dizendo que o exame da minha tia seria remarcado. Não deram nenhuma justificativa", conta Palma.
O exame foi pedido por um médico que pretende operar Posi para tratar uma hérnia. A cirurgia, no entanto, vai atrasar em virtude da remarcação do exame.
O laboratório Centro de Diagnósticos Brasil (CDB) ligou para remarcar o procedimento, mas só havia vagas para o fim de julho. "Me senti perdida, é a saúde de uma pessoa idosa que está em jogo. A gente paga um convênio que não é barato e eles desmarcam um exame por causa de uma partida de futebol", diz Palma.
Em mensagem à família, o laboratório CDB afirmou que "lamenta" o ocorrido e estava trabalhando para solucionar o problema.

Rede pública

Tite e Neymar em jogo do Brasil contra o México, pelas quarta de final da Copa da RússiaDireito de imagemEMMANUEL DUNAND / AFP
Image captionJogo do Brasil contra o México fez laboratório adiar exame de raios-x da aposentada Cina Posi, de 82 anos
Mas não é só na rede particular que remarcações e cancelamentos estão ocorrendo. O autônomo Sérgio Santa Rosa, de 60 anos, passou pelo problema em um posto do Sistema Único de Saúde (SUS), em Saquarema (RJ).
Ele tinha uma ultrassonografia agendada para as 8h da última segunda-feira, duas horas antes do jogo entre Brasil e México. Na partida, Neymar e Firmino marcaram gols para o Brasil, mas, em Saquarema, Santa Rosa ficou sem exame.
"Um dia antes, um funcionário me ligou e disse que o posto de saúde estaria fechado por causa do jogo", conta ele. A secretaria de Comunicação da Prefeitura de Saquarema não atendeu às ligações da reportagem.
Resultado: o autônomo terá de esperar até o próximo dia 16 para fazer o exame. "É muito desagradável. Vou precisar esperar mais duas semanas para descobrir o que tenho", diz. O autônomo diz estar sofrendo de fortes dores abdominais. "Estou me automedicando enquanto não consigo fazer o exame."
Jogos do Brasil também alteraram o atendimento da saúde pública em São Paulo.
Na manhã desta quinta, um cartaz no portão avisava que um posto estadual em Pinheiros, zona oeste da capital paulista, só vai funcionar até o meio-dia nessa sexta-feira, data da partida entre Brasil e Bélgica, marcada para três horas depois, às 15h.
Um segurança da unidade ainda avisou à reportagem: "Se o Brasil passar para a semifinal, vai ser a mesma coisa na terça."
Neymar em jogo da Copa da Rússia, em 2018Direito de imagemFABRICE COFFRINI/AFP
Image captionBrasil enfrenta a Bélgica pelas quartas de final da Copa da Rússia
Segundo a Secretaria Estadual da Saúde, os hospitais vão funcionar normalmente, mas centros ambulatoriais podem ter alterações de horário. A pasta diz que pacientes com exames ou consultas marcados para a hora do jogo já foram avisados de novas datas.
O funcionamento do sistema de saúde segue o decreto assinado pelo governador do Estado, Márcio França (PSB). Em caso de jogos à tarde, repartições públicas só funcionam até as 12h. Quando os jogos ocorreram pela manhã, elas abriram às 15h.
O mesmo vai ocorrer na rede municipal: hospitais abrem normalmente, mas postos de saúde ficarão fechados durante a partida. A gestão do prefeito Bruno Covas (PSDB) afirma que também avisou pacientes e remarcou procedimentos agendados para o horário do jogo.

Cabe processo?

Para José Cláudio Ribeiro Oliveira, presidente da comissão de estudos de planos de saúde da OAB-SP, pacientes da rede privada de saúde podem processar laboratórios privados que se recusaram a fazer exames por causa de jogos da seleção.
"Se o paciente conseguir provar que isso ocorreu, ele tem boas chances de vencer na Justiça", explica o advogado à BBC News Brasil. "É normal que a iniciativa privada dispense funcionários por causa da Copa, mas não é recomendável que serviços de saúde façam isso."
Para a professora Ana Maria Malik, coordenadora da área de gestão de saúde da Fundação Getúlio Vargas, as paralisações durante os jogos da Copa não precisam ser considerados um problema, necessariamente. "É melhor que os atendimentos ocorram com a atenção completa do funcionário, não pela metade", explica.
"E o trabalhador tem direito aos seus momentos de diversão, tanto na rede pública quanto na particular. É claro que a saúde é um tema mais complexo, pois gera mais expectativa nas pessoas", diz Malik. Ela acrescenta, ainda, ter ouviro relatos de pacientes que também pediram para remarcar exames para poderem assistir aos jogos do Brasil.

Professor Edgar Bom Jardim - PE

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