segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

O poeta Drummond salva o cotidiano


Os anos chegam trazendo tradições e expectativas. Todos estavam cansados de 2016. Muito peso nas corrupções, no cinismo político, nas jogadas da mídia. Temos crenças em calendários, cultivamos a ideia de um ano, de vida nova. Faz parte das ilusões dispersas. A violência não se foi, não promete partir. É um ponto marcante da convivência atual. Atinge o cotidiano, mora nos presídios, visita o trânsito. Na política, ela é usada com frequência. O autoritarismo ganha espaço, constrói práticas surpreendentes, mobiliza insatisfações nas redes sociais. Não faltam protestos, porém poucos notam que o sistema que vivemos é traiçoeiro e agressivo. Lançam culpas exclusivas em governos, choram mortes, se vestem de medos.
Atravesso ruas. Muitas ruas. Pouco ando de carro, embora adore uma carona. Na minhas andanças sempre estou atento. Observo detalhes, escuto conversas, faço comentários. Sinto o coletivo. A tensão é grande, os negócios instáveis, a polícia prometendo greve. Alguns tiram de letras. Outros criam cachorros, cultivam armas, saem de casa olhando  o movimento com cuidado. Existem muitas reações. Os preconceitos são atiçados. Comete-se a chamada violência simbólica. Elegem-se pessoas perigosas. As ilhas das suspeitas se multiplicam e o esquisito ocupa mentes nervosas. Por isso que as imobiliárias provocam com suas torres ditas inexpugnáveis.
Falam em selvas de pedras. Apesar do ruído dos carros, a troca de olhares é rara, o silêncio interior está minado pelas inseguranças. Cada lugar tem balanços venenosos. As praças não possuem a distinção desejada. Nela circulam drogas, lavam-se automóveis, vendem feijoadas, plantas, artesanatos. Não é mais um ambiente descontraído. Cães e crianças , muitas vezes, se confundem. Os bancos se tornam camas ou atraem namorados. Tudo é ressignificado. Lá adiante surge um prédio num terreno aonde havia mangueiras. Portanto, o vidro e o cimento buscam estéticas pós-modernas ou anônimas. Assustam e seduzem.
O pão é amargo, o afeto partido. Procuro energias que animem. Sou falante. Conheço as pessoas, solto humores, tento aliviar a gravidade de cada canto. No entanto, tenho minhas covardias. Sou caseiro, canceriano e não ouso frequentar certos espaços. Recolho-me cedo, depois de assistir aos programas de humor antigos. O noticiário político é nauseante. Para que desgastes ou se mirar em anúncios de paraísos? Aqueles que soltam arrogâncias merecem distâncias. Os que aparecem com saberes especiais querem vitrine. Não pense que há sossego definido, sem pressões. O tempo possui malabarismo. O pão nosso de cada dia está com o trigo estragado. Que fazer?
Estou próximo de casa. Encontro com um amigo que adora notícias intrigantes e andar pela praça. Não estico a conversa. Vi as manchetes dos jornais: Temer continua apaixonado por Marcela, novas passeatas denunciam precariedades dos hospitais, professores resolvem abandonar as salas de aulas superlotadas. Eu estava saturado. Queria curtir a Escolinha do Professor Raimundo, aqueles humoristas da minha infância. Lembro-me de Carlos Drummond. Vou ser gauche na vida e ter um coração maior que o mundo. É preciso ter cuidado. Algum deputado pode redigir uma lei exigindo o fim da poesia e a restrição à vende de torta alemã. Tudo é possível. Deus não sabe disso.
Por Paulo Rezende
Professor Edgar Bom Jardim - PE

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