quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

"Esse esquecimento faz parte deste país"

Airton Barbosa (1942-1980) é pernambucano de Bom Jardim e foi para o Rio de Janeiro na década de 1960, ao ser selecionado, aos 17 anos, num concurso promovido pelo Ministério da Cultura de JK, cujo propósito era identificar jovens talentos na área musical, oferecendo a oportunidade de aprofundar o conhecimento e compor os quadros das orquestras sinfônicas da capital federal.

Único escolhido do Nordeste, o jovem já se destacava em sua cidade como um promissor saxofonista.Seguindo os conselhos do Maestro Mário Câncio, ao chegar ao Rio de Janeiro, buscou aproximação com o músico e professor Nöel Devos, que o orientou a optar pelo fagote. O encontro com Devos, na condição de aluno, resultou numa amizade que perdurou toda a sua vida, que, se foi breve no tempo (faleceu aos 37 anos), deixou um legado muito importante para a cultura brasileira.

Como fundador e integrante do Quinteto Villa-Lobos, realizou um importante trabalho de formação de plateias, divulgando a música brasileira, não apenas nas mais importantes salas de concertos do país, mas, sobretudo, em escolas, praças públicas, presídios, quadras de escolas de samba etc. Ao lado do seu mestre Noel Devos, integrou, por concurso, o naipe de fagotes da Orquestra do Theatro Municipal do Rio de Janeiro até o seu falecimento.
 Foto: Guillermo Santi
A admiração por esse músico surgiu desde que ouvi pela primeira vez o sopro do fagote que faz a introdução e acompanha Preciso me encontrar – composição de Candeia, interpretada por Cartola, incluída no clássico LP em que estão gravadas As rosas não falam, O mundo é um moinho, Alvorada, entre outras, igualmente belas e impregnadas de lembranças de um período político muito intenso, que indicava os primeiros sinais da abertura.

Mas foi somente no início do ano 2000 – quando nos emocionávamos mais uma vez ao ouvir a versão referida de Preciso me encontrar numa radiola de ficha –, que descobri que se tratava de um músico pernambucano, engajado na militância política e, por essa razão, alimentaria a lista dos desaparecidos políticos da ditadura militar. A revelação me deixou profundamente intrigada, principalmente por desconhecer um dado de tamanha relevância, que não teve nenhuma repercussão à época, no movimento local de luta pela anistia. E também por não saber que o nome dele constasse da lista dos desaparecidos políticos aqui no estado.

Iniciei uma pesquisa com a amiga Luzete Pereira, que escreveu um texto postado em sua página, no Portal Luiz Nassif, À procura de Airton Barbosa, no qual menciona “um silêncio ensurdecedor” contido nas informações sobre a sua biografia, que não permite esclarecer as causas de sua morte e instiga a continuidade da investigação, para que se restabeleça a verdade sobre a memória desse grande talento pernambucano. Foi então que cheguei até a página de Valdinha Barbosa (viúva do Airton), no Facebook, e, a partir daí, iniciamos uma correspondência, que começou meio tímida, como num jogo de reconhecimento de territórios, de ambas as partes, e aos poucos foi se consolidando ao ponto de possibilitar esta entrevista.

Assim, o sopro do fagote em Preciso me encontrar, além de responder à nossa pergunta, foi a chave que abriu as portas para a descoberta de sua família – Valdinha, Juliano e Daniel – que, em paralelo às luzes das ribaltas, faz a sua travessia ao longo do tempo, cultivando o legado e honrando a memória desse grande músico.

CONTINENTE: Você, que foi casada e teve filhos com Airton Barbosa, como define o homem e o artista que ele foi?
VALDINHA BARBOSA: Rememorar o Airton – embora 32 anos sejam passados – conduz-me sempre ao mesmo sentimento de uma perda irreparável. Um sentimento que extrapola a dor da perda do amigo de infância e do companheiro com quem fui casada por 11 anos e do amoroso pai dos meus dois filhos, e que se aprofunda enormemente pela precocidade do acontecido. Ao falecer, aos 37 anos, Airton, embora tenha deixado uma extensa biografia, apenas iniciava o desabrochar de seu excepcional talento e de sua abrangente visão sobre a cultura do nosso país. Oriundo das classes populares, foi um batalhador incansável, um brasileiro apaixonado pelo Brasil, por nossa terra, por nossa gente. Grande parte de sua juventude, como aconteceu com tantos outros brasileiros, ele a viveu em regime de contenção de sonhos, amordaçados que foram pelo sistema político do Brasil, nos infindáveis anos de ditadura. Hoje, submergindo a cada lembrança, a cada comentário, essa dor, que não raro se expande em lágrimas, num misto de saudade e ainda de inconformismo, conduz-me sempre ao imponderável, a uma falta incomensurável: do Airton que foi, daquilo que ele poderia vir a ser.

 Escrito por Carmem Lúcia Bandeira.
(Leia a matéria na íntegra na edição 182 da Revista Continente)
Professor Edgar Bom Jardim - PE

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